terça-feira, 25 de março de 2025

ELOÁH VEIO PRA SURPREENDER

"Eu não entendia como um casal negro teve uma criança branca e loira", admite mãe de menina albina

Thais Cristina, de Carapicuíba (SP), já tinha dois filhos quando deu à luz Eloáh. Na época, ela ficou em choque ao se deparar com um bebê branco — "Eu pensava: 'Como vou explicar para a sociedade que tive uma criança branca, sendo negra e tendo um marido negro?'", lembra. Hoje, com 7 anos, a menina é modelo e a família fala com orgulho sobre a condição


Os longos cabelos cacheados e platinados de Eloáh, 7 anos, e sua pele extremamente branca chamam atenção por onde ela passa. Tanto que a pequena é uma modelo bastante requisitada pelas agências. Mas, no parto, a mãe, que é negra e tem outros dois filhos, admite que o sentimento foi de surpresa. "O meu primeiro impacto foi de não conseguir abraçá-la. Eu não entendia o que estava acontecendo — como um casal negro teve uma criança branca e loira? Eu fiquei com os olhos estatelados para o pai dela, com medo de ele me questionar porque ela era branca", lembra Thais Cristina, de Carapicuíba, São Paulo.

"A médica viu que eu estava assustada e disse: 'Mãe, calma, ela é albina'. Foi quando a abracei, mas continuava surpresa. Eu não estava relaxada — ainda não sabia o que era albinismo. Eu sentia medo e pensava: 'Como vou explicar para a sociedade que tive uma criança branca, sendo negra e tendo um marido negro?", afirma.

Eloáh tem o chamado albinismo oculocutâneo, que engloba cabelos, olhos e pele. Portanto, sua condição vai além da aparência. Os cuidados com o sol são muitos — a pequena não sai sem protetor solar, chapéu, óculos e possui baixa visão. Em depoimento exclusivo à CRESCER, a mãe contou como são os cuidados e de que forma tem contribuído para que a filha e outras crianças albinas encontrem um mundo melhor e mais informado. "Hoje, posso dizer que ando tranquilamente com ela e, quando perguntam, explico com clareza porque ela nasceu albina", afirma.

Eloáh com a mãe, Thais — Foto: @aquino_photo/@crioulinhos_ofc

"Sempre comentei com meu marido sobre o desejo de engravidar novamente e ter o acompanhamento do pai do bebê de perto — nas consultas, ultrassons, no nascimento, segurando minha mão. Eu não tive isso com meus dois primeiros filhos do primeiro relacionamento, então, decidimos tentar. Parei com o anticoncepcional, mas, cerca de um mês depois, desisti — minha caçula já estava com 8 anos e fiquei com receio de começar tudo de novo. Decidi fazer um teste de gravidez antes de voltar a tomar anticoncepcional e estava lá: o 'positivo'. Então, costumo dizer que Eloáh foi planejada, desisti no meio do processo, mas Deus já tinha abençoado.

Minha gestação foi muito tranquila — trabalhei até o fim e não tive nenhuma alteração, nada de diferente. Na época, eu frequentava a igreja e lembro de o pastor colocar a mãe na minha barriga e dizer: 'Essa é uma promessa de Deus na sua vida. Ela vai ser diferente de tudo o que você já viu. É para você cuidar e honrar o anjo dele'. Eloáh nasceu de parto normal e, quando a vi pela primeira vez, era uma criança muito branquinha, muito gordinha (4,5 kg) e grande (56 cm). O meu primeiro impacto foi de não conseguir abraçá-la. Eu não entendia o que estava acontecendo — como um casal negro teve uma criança branca e loira? Eu fiquei com os olhos estatelados para o pai dela, com medo de ele me questionar porque ela era branca. E ele lá, chorando, emocionado. Me ajudou, deu força e cuidou de mim.

A médica, vendo que eu estava assustada, disse: 'Mãe, calma, ela é albina'. Foi quando a abracei, mas continuava muito surpresa. Eu não estava relaxada — ainda não sabia o que era albinismo. Eu sentia medo e pensava: 'Como vou explicar para a sociedade que tive uma criança branca, sendo negra e tendo um marido negro? Como vou andar na rua?'. Eu sabia que ela era minha filha, mas achava que as pessoas iriam me julgar e apontar o dedo. Não sabia como seria minha reação aos olhares das pessoas para mim.

Eloáh, bebezinha, com a mãe e os irmãos maternos — Foto: Reprodução/Instagram

Antes da alta, um oftalmologista foi chamado para confirmar se ela tinha albinismo ocular também. Eloáh tem o chamado albinismo oculocutâneo, que engloba cabelos, olhos e pele. Não conheço ninguém da nossa família que tem a condição. Lembro que, no pós-parto, a primeira coisa que fiz foi pesquisar o que era albinismo — eu queria me acalmar, estava muito tensa. Então, fui no Google e busquei mais informações. Soube que pessoas negras também poderiam nascer albinas e isso foi me tranquilizando. Eu recém havia parido e estava preocupada em como explicar para as pessoas o motivo de a minha filha ser branca. E, com a graça de Deus, encontrei um médico que, com muita empatia, esclareceu porque ela era albina e falou sobre todos os cuidados que precisávamos ter — sai de lá mais leve.

Eloáh com os pais — Foto: Reprodução/Instagram

No início, eu entendia o que era albinismo, mas não sabia explicar em palavras. E, realmente, muitas pessoas me perguntavam na rua — algumas de uma forma até sarcástica. Teve quem achasse que eu era babá dela. Quando ela me chamava — 'mamãe' —, as pessoas logo olhavam com estranheza. Depois, percebi que nossa missão era educar e informar sempre com educação. Quanto maior o número de pessoas sabendo sobre a condição, mais contribuiríamos para um mundo melhor para ela e para as outras crianças albinas.

Eloáh também sabe sobre sua condição. Quando ela passou a entender melhor, comecei a explicar para que ela conseguisse explicar para os amiguinhos. Eu tenho mais dois filhos do primeiro relacionamento — uma menina e um menino — e o pai dela tem três. Então, ela tem bastante irmãos. No início, alguns tiveram ciúmes não apenas por ela ser bebê, mas também pelo albinismo, já que virou o centro das atenções. Chegavam a falar que ela parecia um bebê reborn. Hoje, felizmente, todos convivem em paz.
Thais e Eloáh — Foto: @aquino_photo/@crioulinhos_ofc

Seus amigos já se acostumaram e sempre que alguém pergunta, ela responde: 'Eu sou albina, eu sou linda'. Mas sua condição vai além da aparência. Como ela tem zero melanina, requer muitos cuidados — precisa de muita proteção solar, pois qualquer exposição pode resultar em queimaduras, além do risco de câncer de pele. Ela toma sol por pouco tempo e somente pela manhã ou finalzinho do dia. Usamos um protetor indicado pelo dermatologista e repassamos, pelo menos, a cada uma hora. Ela tem baixa visão, não tem melanina na retina, então, também precisa de proteção nos olhos. Ela sente muita sensibilidade sem os óculos escuros e, a cada seis meses, faz exame para verificar a vitamina D no sangue.

Enquanto eu não conseguia explicar claramente para as pessoas o que era o albinismo, não saia de dentro de casa. No início, isso mexeu muito comigo. Depois, com 1 ano e três meses, fizemos um book e as agências começaram a nos procurar. Por ter um perfil diferente, ela é muito requisitada. Eloáh realmente chama atenção por onde passa, é uma criança carismática e conversadeira. Hoje, posso dizer que ando tranquilamente com ela pelas ruas e, quando perguntam, explico com clareza porque ela nasceu albina."
Mãe e filha — Foto: @aquino_photo/@crioulinhos_ofc

segunda-feira, 24 de março de 2025

A ACEITAÇÃO DE JULIANA

Influenciadora negra albina reflete sobre reconhecimento racial: 'Não entendia muito bem os meus traços'

Juliana viveu um processo de autodescoberta, superando as dificuldades de se aceitar como mulher negra e albina. Desde criança, lidava com o olhar alheio e os desafios de sua condição genética, mas com o tempo se encontrou. A Marie Claire, ela conta sua experiência: 'Eu mesma me privava de ir a lugares por causa do albinismo'


Juliana Andrade compartilha suas experiências nas redes sociais — Foto: Reprodução/ Instagram

Juliana Andrade, 21, está acostumada a chamar atenção por onde passa desde criança. A paulista nasceu com albinismo, uma condição genética que se caracteriza pela ausência total ou parcial da enzima responsável na síntese da melanina. Com o passar dos anos e o ganho de maturidade, se entendeu também como uma mulher negra.

“Para mim, foi um processo de descoberta. Eu só achava que era albina, então não entendia muito bem os meus traços. O porquê do meu cabelo crespo, o motivo do meu nariz, enfim, dos meus traços no rosto”, diz ela, em entrevista a Marie Claire.

De acordo com estudos publicados pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA, em média uma a cada 17 mil pessoas têm albinismo no mundo todo, e a condição rara afeta com mais frequência pessoas negras.

Aos 13 anos, Juliana entrou para uma agência de modelos em São Paulo, local que foi importante para seu letramento racial. Antes disso, no entanto, suas características passaram a ser motivo de desconforto para ela. “Eu demorei um pouco para entender, até porque teve um período em que eu não queria ser albina, tentava disfarçar”, conta.

Além de não aceitar suas características como albina, ela também questionava os seus traços raciais. “Quando eu era bem pequenininha, a minha maior vontade era ter cabelo liso. Só que, além de ter o cabelo crespo e cacheado, meu cabelo era bem curtinho. Tinha a questão do meu nariz. Ele é grande, e antes eu queria muito fazer uma cirurgia para deixá-lo mais arredondado.”

Logo quando entrou na empresa, a jovem teve outros exemplos para se inspirar. “Fiz aulas de passarela e meu professor tinha dread. Eu achava isso muito legal. Foi nessa época que comecei a deixar meu cabelo crescer e cuidar dele sozinha. Como fui conhecendo várias pessoas, e várias mulheres negras, acabei vendo muitas albinas no Instagram também. Foi aí que comecei a me achar bonita. Depois de entrar na agência, passei a me sentir assim”.

“Foi um processo demorado. Mas, quando entendi, foi algo natural. Fui pesquisando e descobri que eu me encaixava naquele universo, com aquelas mulheres negras albinas. Hoje eu aceito meus traços, assim como aceito meu cabelo, que não tenho mais vontade de alisar. A partir daquela época comecei a me aceitar.”

Jovem passou por processo até aceitar seus traços — Foto: Reprodução/ Instagram

"Já sabia que ia ser o centro das atenções"

Por conta do albinismo, Juliana tem apenas 45% de sua visão. Esse é um dos pontos mais complicados para ela da condição genética. “A pele também é difícil. Preciso tomar muito cuidado com o sol, porque queima fácil, mas, sinceramente, o que eu mais acho ruim mesmo é a questão da vista.”

Em relação a sua aparência, a jovem lembra que era tratada diferente dependendo do lugar em que estava. “Normalmente, as pessoas zoavam. Meu pai sempre me ensinou a lidar bem com isso. Por isso, eu ignorava, fingia que não me importava, mesmo quando, na verdade, me importava.”

“Com o tempo, muitos acabavam se acostumando e paravam de me zoar. Eu me tornava apenas mais uma pessoa na escola, sem chamar tanta atenção. No começo, era bem difícil, porque já sabia que ia ser o centro das atenções. Estudei em nove escolas e, em cada uma, tinha muitas piadinhas e coisas do tipo.”

Já em outra escola, a paulista se lembra de “todo mundo querer ser seu amigo” por ela ser albina. “As pessoas me elogiavam por conta da minha cor e do meu cabelo. Acho que a maioria nunca tinha conhecido alguém albino. Tem lugares onde sou muito bem recepcionada porque as pessoas me acham linda e outros onde não sou bem tratada, principalmente porque me acham estranha.”


A representatividade nas redes sociais
Pela falta de discussão sobre o albinismo nas redes sociais, Juliana recebe muitas perguntas nas redes sociais e até mesmo comentários pejorativos. “Quando entrei nesse assunto, alguém me perguntou se eu era negra ou albina, e eu respondi que sim. Depois disso, recebi vários comentários de pessoas que não entendiam e, além de não entenderem, não aceitavam. Desconsideravam tudo o que eu passei e o que sou”, diz.

“Desde 2020, quando comecei a seguir alguns perfis de albinos, eu achava muito interessante. Tinha muita vontade de fazer o mesmo [conteúdo], só que ficava receosa de receber muitos comentários ruins.”
Juliana cria conteúdo sobre albinismo nas redes sociais — Foto: Reprodução/ Instagram

Mesmo assim, ela passou a levar seus vídeos mais a sério. “Era uma coisa que não dava para esconder. As pessoas me perguntavam, queriam saber, falavam sobre isso. E o que me motivou. Tem uma galera que faz ‘hate’, mas também tem gente legal que manda mensagem e fala que gosta dos meus vídeos principalmente as pessoas albinas.”

“O que mais me motiva é receber mensagens de mulheres albinas, dizendo que se identificam, que gostam muito do que eu faço, que também gostariam de fazer algo semelhante. Isso é a parte mais legal para mim: conhecer várias histórias de pessoas albinas, conversar, trocar experiências”, declara.

Para Juliana, suas vivências até aqui a fizeram se libertar de algumas amarras da sociedade. “Eu mesma me privava de ir a lugares por causa do albinismo, pensava: 'Não vou, porque as pessoas vão me olhar demais'. Ou 'não vou usar essa roupa, porque sou muito chamativa'. Hoje em dia, eu não me importo mais. Eu faço o que me faz sentir bem, o que eu gosto, independente da opinião dos outros sobre mim ou minha aparência. O que aprendi é que não devemos nos importar com a opinião dos outros, porque isso afeta muito. E é um processo até a gente se aceitar de verdade.”

domingo, 23 de março de 2025

DIFICULDADE PARA ADQUIRIR PROTETOR SOLAR

Mãe relata dificuldade de manter estoque de protetores solares para filho albino: 'R$ 700 por mês'

Moradora de Votorantim (SP) diz que o filho, de dois anos, usa cerca de oito tubos dos produtos por mês. Dermatologista explica que a condição genética torna a pessoa mais suscetível a desenvolver doenças de pele, como o câncer.
Por Larissa Pandori, g1 Sorocaba e Jundiaí

Leonardo Sebastião da Cruz, morador de Votorantim (SP), foi diagnosticado com albinismo, além de problemas na visão causadas pelo distúrbio genético — Foto: Arquivo pessoal

Uma moradora de Votorantim (SP) relata estar enfrentando dificuldades para arcar com os custos das compras de protetor solar e loção pós-sol, produtos necessários para evitar que o filho, que tem albinismo, sofra lesões na pele.

Daniele Cristina Sebastião Vianna, mãe de Leonardo Sebastião da Cruz, de dois anos, conta que o menino foi diagnosticado com albinismo ao nascer e que a equipe médica que atende Leonardo recomenda que a criança passe protetor solar fator 60 a cada três horas.

"Hoje o Leonardo está usando um tubo e meio, dois tubos de protetor solar por semana mais um tubo de pós-sol por semana. São oito tubos por mês só de protetor solar e quatro de pós-sol", relata.

A falta de melanina também causa problemas nos olhos de Leonardo, o que é comum em pessoas albinas, pois, conforme o Ministério da Saúde, possuem uma hipopigmentação na íris e na retina.

Como a pigmentação dos olhos tem a função de filtrar a luz, a visão fica distorcida e a claridade incomoda ao entrar luz em excesso. Por isso, conforme Daniele, Leonardo precisa usar óculos com lentes escuras quando exposto ao sol.

"Nos olhos ele tem hipermetropia, nistagmo [movimento rápido e involuntário dos olhos], astigmatismo, baixa visão e albinismo ocular", explica.
Mãe de Leonardo diz que o menino tem problemas na visão e precisa usar óculos com proteção solar — Foto: Arquivo pessoal

Daniele, que é mãe solo e tem outra filha, de oito anos, diz que tem contado com a ajuda de doações para manter o estoque necessário dos produtos solares para Leonardo. Segundo a mulher, o gasto com protetor solar chega a R$ 700 por mês.

"Eu cuido dos dois sozinha. Eu não recebo pensão, não recebo nada. Corro atrás, mas não estou conseguindo arcar com esse gasto, que tem ficado entre R$ 650 e R$ 700 por mês", lamenta.

Daniele divulga a rotina com o filho em um perfil nas redes sociais, no qual também pede doações para conseguir manter os gastos com os itens usados por Leonardo.
Moradora de Votorantim (SP) relata dificuldades em arcar com custos de produtos para tratamento de filho albino — Foto: Arquivo pessoal

Maior risco de câncer de pele

Conforme especialistas, o albinismo é um distúrbio genético caracterizado pela ausência total ou parcial de melanina, o pigmento que dá cor à pele, aos pelos e aos olhos, e protege o DNA das células contra os raios nocivos do sol. Segundo o Ministério da Saúde, há 21 mil albinos no Brasil.

A dermatologista Karem Corrêa e Silva explica que a condição torna a pessoa mais suscetível a desenvolver doenças de pele, que é considerada o maior órgão do corpo humano.

"Não temos dados confiáveis ainda dos pacientes brasileiros, mas sabe-se que os albinos que vivem no Brasil acabam tendo cânceres de pele precocemente, pois nosso país tem um alto índice de radiação ultravioleta", destaca a médica.

'Albinos que vivem no Brasil acabam tendo cânceres de pele precocemente, pois nosso país tem um alto índice de radiação ultravioleta', destaca dermatologista — Foto: Arquivo pessoal

Para estes pacientes, o uso do protetor solar e de equipamentos de proteção é extremamente necessário, conforme a especialista.

"Pois o câncer de pele se forma por meio do efeito cumulativo na pele. Ademais, os itens previnem também queimaduras solares, já que os albinos são mais suscetíveis aos danos e não têm a proteção natural. A queimadura pode chegar até segundo grau."

A médica explica a maneira ideal de aplicar o protetor solar: "A quantidade que usamos para áreas expostas ao sol seria de nove colheres de chá, sendo uma para o rosto, quatro para as pernas, duas para braços e duas para o tronco. Isto teria que ser repetido pelo menos duas a três vezes ao dia".

Produto não é entregue pelo SUS

Daniele diz que procurou a Secretaria Municipal da Saúde para saber se poderia retirar os produtos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), porém, conforme o Ministério Público, o protetor solar não é fornecido gratuitamente pelas unidades de saúde.

"O Ministério da Saúde informa que o protetor solar não faz parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) do SUS", explica.

O g1 também questionou as secretarias municipal e estadual da Saúde sobre a possibilidade de fornecer os produtos à família de Votorantim.

A Secretaria de Estado da Saúde disse que a incorporação, exclusão e alteração de medicamentos, produtos e procedimentos compete ao Ministério da Saúde, por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde. Conforme a pasta, até o momento, não há incorporação do produto para o tratamento de albinismo.

Já a Secretaria da Saúde de Votorantim não se pronunciou até a publicação desta reportagem.

Para Daniele, os produtos que fazem parte das medidas de proteção para pessoas albinas deveriam ser oferecidos pela rede pública de Saúde.

"Acho que deveria ser fornecido de graça, porque protetor solar para pessoa com albinismo é um produto de uso contínuo e não é barato de manter", completa Daniele.

MAIS UM ARTIGO ACADÊMICO ONLINE

 Aspectos psicossociais e iniquidades no âmbito da saúde que atingem a população com albinismo

Introdução: O albinismo constitui um conjunto de distúrbios genéticos hereditários onde há produção deficitária de melanina, pigmento responsável pela coloração da pele, do cabelo e dos olhos. Sua incidência global chega a ser de 1:20.000 indivíduos espalhados de forma irregular pelos países. Objetivo: O presente trabalho buscou identificar aspectos psicossociais e iniquidades no âmbito da saúde que atingem a população com albinismo. Método: Foi realizada uma revisão integrativa usando os descritores “Albinism AND Public Health” nas bases de dados PubMed, Web of Science, Scopus, Science Direct e Scielo. Não houve restrição quanto ao período de amostragem, idioma disponível ou localização geográfica. Resultados: Entre os 435 artigos encontrados, doze foram selecionados para compor o escopo deste trabalho que aborda a estigmatização e seu impacto na autopercepção, integração familiar e social, assim como a materialização das questões socioeconômicas e da falta de informação no acesso à saúde e à educação. Conclusão: A revisão verificou diversos aspectos psicossociais e processos de iniquidades na vivência de pessoas com albinismo que trazem impactos diretos no acesso à saúde. Os resultados obtidos evidenciam a insuficiência de dados sobre a população com albinismo em território nacional.

Link para baixar/ler o artigo online

https://www.researchgate.net/publication/389860859_Aspectos_psicossociais_e_iniquidades_no_ambito_da_saude_que_atingem_a_populacao_com_albinismoPsychosocial_aspects_and_health_inequities_that_affect_the_population_with_albinismAspectos_psicosociales_e

ALBINO NO TRÁFICO!

Denarc prende indígena albino por tráfico de drogas em bar no Cai N’água

A Polícia Civil por meio do Departamento de Narcóticos (Denarc), prendeu um indígena albino por tráfico de drogas. O caso ocorreu nesta sexta-feira (21/03), em um bar na região do Cai N’água, centro de Porto Velho.

De acordo com informações apuradas pela equipe do Jornal Eletrônico Portal de Rondônia, os agentes cumpriam um mandado contra o acusado que é apenado monitorado, quando flagraram o traficante com várias porções de drogas entre maconha, cocaína e crack, balança de precisão, maquininhas de cartão, além de uma grande quantia em dinheiro trocado.

O apenado monitorado foi preso e encaminhado para a sede do Denarc.

A ação faz parte da Operação Narke e Fronteira Segura, que é vinculada a Protetor de Dívidas e Fronteiras do Ministério da Justiça.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

SURPRESA ALBINA

"Eu não entendia como um casal negro teve uma criança branca e loira", admite mãe de menina albina

Thais Cristina, de Carapicuíba (SP), já tinha dois filhos quando deu à luz Eloáh. Na época, ela ficou em choque ao se deparar com um bebê branco — "Eu pensava: 'Como vou explicar para a sociedade que tive uma criança branca, sendo negra e tendo um marido negro?'", lembra. Hoje, com 7 anos, a menina é modelo e a família fala com orgulho sobre a condição


Os longos cabelos cacheados e platinados de Eloáh, 7 anos, e sua pele extremamente branca chamam atenção por onde ela passa. Tanto que a pequena é uma modelo bastante requisitada pelas agências. Mas, no parto, a mãe, que é negra e tem outros dois filhos, admite que o sentimento foi de surpresa. "O meu primeiro impacto foi de não conseguir abraçá-la. Eu não entendia o que estava acontecendo — como um casal negro teve uma criança branca e loira? Eu fiquei com os olhos estatelados para o pai dela, com medo de ele me questionar porque ela era branca", lembra Thais Cristina, de Carapicuíba, São Paulo.

"A médica viu que eu estava assustada e disse: 'Mãe, calma, ela é albina'. Foi quando a abracei, mas continuava surpresa. Eu não estava relaxada — ainda não sabia o que era albinismo. Eu sentia medo e pensava: 'Como vou explicar para a sociedade que tive uma criança branca, sendo negra e tendo um marido negro?", afirma.

Eloáh tem o chamado albinismo oculocutâneo, que engloba cabelos, olhos e pele. Portanto, sua condição vai além da aparência. Os cuidados com o sol são muitos — a pequena não sai sem protetor solar, chapéu, óculos e possui baixa visão. Em depoimento exclusivo à CRESCER, a mãe contou como são os cuidados e de que forma tem contribuído para que a filha e outras crianças albinas encontrem um mundo melhor e mais informado. "Hoje, posso dizer que ando tranquilamente com ela e, quando perguntam, explico com clareza porque ela nasceu albina", afirma.

Eloáh com a mãe, Thais — Foto: @aquino_photo/@crioulinhos_ofc

"Sempre comentei com meu marido sobre o desejo de engravidar novamente e ter o acompanhamento do pai do bebê de perto — nas consultas, ultrassons, no nascimento, segurando minha mão. Eu não tive isso com meus dois primeiros filhos do primeiro relacionamento, então, decidimos tentar. Parei com o anticoncepcional, mas, cerca de um mês depois, desisti — minha caçula já estava com 8 anos e fiquei com receio de começar tudo de novo. Decidi fazer um teste de gravidez antes de voltar a tomar anticoncepcional e estava lá: o 'positivo'. Então, costumo dizer que Eloáh foi planejada, desisti no meio do processo, mas Deus já tinha abençoado.

Minha gestação foi muito tranquila — trabalhei até o fim e não tive nenhuma alteração, nada de diferente. Na época, eu frequentava a igreja e lembro de o pastor colocar a mãe na minha barriga e dizer: 'Essa é uma promessa de Deus na sua vida. Ela vai ser diferente de tudo o que você já viu. É para você cuidar e honrar o anjo dele'. Eloáh nasceu de parto normal e, quando a vi pela primeira vez, era uma criança muito branquinha, muito gordinha (4,5 kg) e grande (56 cm). O meu primeiro impacto foi de não conseguir abraçá-la. Eu não entendia o que estava acontecendo — como um casal negro teve uma criança branca e loira? Eu fiquei com os olhos estatelados para o pai dela, com medo de ele me questionar porque ela era branca. E ele lá, chorando, emocionado. Me ajudou, deu força e cuidou de mim.

A médica, vendo que eu estava assustada, disse: 'Mãe, calma, ela é albina'. Foi quando a abracei, mas continuava muito surpresa. Eu não estava relaxada — ainda não sabia o que era albinismo. Eu sentia medo e pensava: 'Como vou explicar para a sociedade que tive uma criança branca, sendo negra e tendo um marido negro? Como vou andar na rua?'. Eu sabia que ela era minha filha, mas achava que as pessoas iriam me julgar e apontar o dedo. Não sabia como seria minha reação aos olhares das pessoas para mim.

Eloáh, bebezinha, com a mãe e os irmãos maternos — Foto: Reprodução/Instagram

Antes da alta, um oftalmologista foi chamado para confirmar se ela tinha albinismo ocular também. Eloáh tem o chamado albinismo oculocutâneo, que engloba cabelos, olhos e pele. Não conheço ninguém da nossa família que tem a condição. Lembro que, no pós-parto, a primeira coisa que fiz foi pesquisar o que era albinismo — eu queria me acalmar, estava muito tensa. Então, fui no Google e busquei mais informações. Soube que pessoas negras também poderiam nascer albinas e isso foi me tranquilizando. Eu recém havia parido e estava preocupada em como explicar para as pessoas o motivo de a minha filha ser branca. E, com a graça de Deus, encontrei um médico que, com muita empatia, esclareceu porque ela era albina e falou sobre todos os cuidados que precisávamos ter — sai de lá mais leve.

Eloáh com os pais — Foto: Reprodução/Instagram

No início, eu entendia o que era albinismo, mas não sabia explicar em palavras. E, realmente, muitas pessoas me perguntavam na rua — algumas de uma forma até sarcástica. Teve quem achasse que eu era babá dela. Quando ela me chamava — 'mamãe' —, as pessoas logo olhavam com estranheza. Depois, percebi que nossa missão era educar e informar sempre com educação. Quanto maior o número de pessoas sabendo sobre a condição, mais contribuiríamos para um mundo melhor para ela e para as outras crianças albinas.

Eloáh também sabe sobre sua condição. Quando ela passou a entender melhor, comecei a explicar para que ela conseguisse explicar para os amiguinhos. Eu tenho mais dois filhos do primeiro relacionamento — uma menina e um menino — e o pai dela tem três. Então, ela tem bastante irmãos. No início, alguns tiveram ciúmes não apenas por ela ser bebê, mas também pelo albinismo, já que virou o centro das atenções. Chegavam a falar que ela parecia um bebê reborn. Hoje, felizmente, todos convivem em paz.
Thais e Eloáh — Foto: @aquino_photo/@crioulinhos_ofc

Seus amigos já se acostumaram e sempre que alguém pergunta, ela responde: 'Eu sou albina, eu sou linda'. Mas sua condição vai além da aparência. Como ela tem zero melanina, requer muitos cuidados — precisa de muita proteção solar, pois qualquer exposição pode resultar em queimaduras, além do risco de câncer de pele. Ela toma sol por pouco tempo e somente pela manhã ou finalzinho do dia. Usamos um protetor indicado pelo dermatologista e repassamos, pelo menos, a cada uma hora. Ela tem baixa visão, não tem melanina na retina, então, também precisa de proteção nos olhos. Ela sente muita sensibilidade sem os óculos escuros e, a cada seis meses, faz exame para verificar a vitamina D no sangue.

Enquanto eu não conseguia explicar claramente para as pessoas o que era o albinismo, não saia de dentro de casa. No início, isso mexeu muito comigo. Depois, com 1 ano e três meses, fizemos um book e as agências começaram a nos procurar. Por ter um perfil diferente, ela é muito requisitada. Eloáh realmente chama atenção por onde passa, é uma criança carismática e conversadeira. Hoje, posso dizer que ando tranquilamente com ela pelas ruas e, quando perguntam, explico com clareza porque ela nasceu albina."
Mãe e filha — Foto: @aquino_photo/@crioulinhos_ofc


quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

ALBINISMO NO RIO GRANDE DO SUL

Falta de políticas públicas e emergência climática expõem cada vez mais população albina no Rio Grande do Sul

Estado não possui dados sobre o número de albinos residentes no território ou um serviço especializado para eles
19 dez, 2024
Bianca Brandalise, moradora de Porto Alegre, é uma das 21 mil pessoas albinas no país / Fotos: Bárbara Bertoncini


No dia 21 de novembro de 2024, o Ministério da Saúde instituiu um Grupo de Trabalho Nacional para organizar a linha de cuidado para as pessoas com albinismo no Brasil. A iniciativa busca assegurar o atendimento integral às pessoas com albinismo, abrangendo ações de prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos e cuidados paliativos, em conformidade com as diretrizes da Política Nacional de Saúde Integral da Pessoa com Albinismo. O projeto final será encaminhado às instâncias deliberativas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Apesar do avanço nacional, a falta de políticas públicas para pessoas albinas e a desinformação em relação a essa condição ainda são uma realidade no Rio Grande do Sul. De acordo com a Secretaria da Saúde, o estado não possui dados sobre o número de pessoas albinas residentes no território, nem um serviço especializado específico para o tratamento delas. Em caso de necessidade, os pacientes são encaminhados para oftalmologistas e dermatologistas, visto que a condição genética os torna mais suscetíveis a circunstâncias de saúde específicas, como problemas de visão, sensibilidade à luz solar e maior predisposição ao câncer de pele.

De acordo com a médica geneticista e professora da UFRGS Lavinia Schüler Faccini, o albinismo é uma condição genética hereditária causada pela ausência total ou parcial de melanina, pigmento responsável pela coloração da pele, olhos, cabelos e pelos. “Há diferentes formas de albinismo, o mais tradicional é o que a gente chama de Tipo 1, em que a pessoa tem tanto o cabelo quanto a pele clara. Isso é importante porque, quando a pessoa vai para o sol, ela se queima, ela não se bronzeia”, explica a especialista. Além de facilitar o surgimento de doenças graves de pele, a condição também provoca problemas de visão. “A íris fica sem cor. Não são olhos azuis, são olhos que não têm melanina. Então, os raios ultravioleta vão direto na retina”, ressalta.
A falta de melanina nos olhos faz com que a pessoa albina apresente pouca coloração tanto na retina quanto na íris / Foto: Bárbara Bertoncini

A engenheira Bianca Brandalise, de 28 anos, é uma das 21 mil pessoas albinas no país. O dado faz parte da última estimativa do Ministério da Saúde, realizada em 2022. Natural de Caxias do Sul e moradora de Porto Alegre há mais de dez anos, ela encontrou dificuldades em relação às informações e ao seu diagnóstico específico durante toda a vida. Quando nasceu, seus pais perceberam que a coloração clara de seus cabelos e pele era diferente, mas não tinham conhecimento sobre o albinismo e acreditavam que a falta de melanina estivesse relacionada ao fato de ela ser recém-nascida. “O que despertou essa dúvida na cabeça deles foi a questão, principalmente, da fotofobia. Eles me levavam para o sol e eu fechava os olhos, de uma forma bem incomodada”, relata Bianca. Foi por causa dessa sensibilidade excessiva à luz que os pais da engenheira decidiram procurar um pediatra, o que resultou em um primeiro diagnóstico de albinismo após algumas análises. “Foi um diagnóstico visual, não foi um diagnóstico com exame genético, na época”, acrescenta.

Foi somente no início de 2024, após a passagem pelo Programa Pró Albino, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que Bianca conseguiu ter um diagnóstico em relação ao seu tipo de albinismo e aos problemas visuais causados pela falta de melanina em seus olhos. Apesar de ter se consultado com diferentes oftalmologistas ao longo da vida, ela conta que nenhum dos profissionais possuía conhecimentos específicos sobre as alterações oftalmológicas causadas por essa condição genética. “Antes eu sabia que enxergava mal, sabia que tinha miopia. Conseguia encontrar uma lente ou óculos que desse uma amenizada, mas não resolvia o meu problema visual. Mesmo com lente ou óculos, eu continuo sendo uma pessoa com baixa visão. O que é que tem por trás?”, questiona Bianca.

Para a especialista Lavinia, a falta de atendimento especializado e de um mapeamento da população albina no Rio Grande do Sul é preocupante. “A gente não sabe exatamente quantos são, por não haver um registro. Muitos albinos não chegam nem a realizar consultas com o geneticista”, explica. Essa realidade dificulta a realização de políticas públicas eficazes que atendam a essa população, além de agravar complicações de saúde que poderiam ser evitadas com acompanhamento preventivo e orientações adequadas. Segundo a Secretaria da Saúde do estado, há somente o número de atendimentos individuais para albinos registrados pelo Sistema de informação em saúde para a Atenção Básica.

Guerreiros da Noite: o albinismo entre os Kaingang

Estudos apontam que o albinismo pode ser encontrado com maior frequência em alguns grupos populacionais isolados, que também sofrem com a falta de políticas públicas e a desinformação sobre a condição. O artigo Clusters de albinismo oculocutâneo em populações isoladas no Brasil: um desafio da genética comunitária, identificou 18 agrupamentos espalhados pelo território brasileiro, sendo que sete deles estão localizados em comunidades indígenas, particularmente entre os Kaingang no Sul do Brasil. A doutora Lavinia Faccini, uma das autoras da pesquisa, relata que a prevalência de albinismo nessas comunidades indígenas é de 1/1.000, o que totaliza 17 vezes mais do que a prevalência mundial, que é de 1/17.000. A explicação para essa incidência, de acordo com o estudo, seriam o isolamento e a endogamia, que configura o acasalamento entre parentes.
O albinismo é prevalente entre os indígenas Kaingangs do Sul do Brasil / Foto: Instituto Nacional de Genética Médica Populacional (Inagemp)

Rosa Garcia é Kaingang, moradora de uma aldeia no município de Engenho Velho, localizada a 374 quilômetros de Porto Alegre. Com 54 anos de idade, ela diz conhecer cinco albinos na comunidade. O primeiro caso registrado no local foi há mais de 60 anos e despertou o interesse na aldeia. “Vieram muitas perguntas, era um mistério. Aí os mais velhos, os kuiãs indígenas, ficavam estudando sobre essa menina. O meu pai já era kuiã naquele tempo e descobriu que ela é filha da Lua”, relata. Jorge Garcia, pai de Rosa, era cacique, doutor e conselheiro da aldeia na época. Após observar o comportamento dos albinos que nasciam, passou a chamá-los de Guerreiros da Noite, visto que eles tinham maiores dificuldades quando expostos à luz solar.

Faccini explica que essa alteração genética não chegou recentemente até os Kaingang, o que fez com que eles entendessem de maneira cultural a condição da ausência de melanina ao longo dos anos. “Eles integram muito bem essas pessoas, mas elas têm que sobreviver. Então, elas também são agricultoras dentro da sua terra indígena e realizam outras atividades, precisando de toda proteção”, alerta. A falta de conhecimento sobre o albinismo e de recursos para o cuidado, que ainda é parte da realidade de grupos mais afastados, faz com que essas pessoas sofram com problemas de visão e de pele ao longo de toda a vida. “Faleceu uma albina conhecida minha lá da terra natal. Só que ela capinava, ela ia na roça plantar e trabalhar. Quando a pele dela ficava ruim, dava dó de ver. Os lábios dela ficavam rachados, virava sangue”, revela Rosa sobre uma amiga de uma aldeia distinta, que faleceu sem nunca ter passado por uma consulta médica.

De acordo com Faccini, o apoio que as comunidades indígenas recebem atualmente vem da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), que encaminha os casos para centros especializados, como o Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Outra ajuda parte de universidades e ações comunitárias. Um exemplo foi uma missão de Assistência, Ensino e Pesquisa do HCPA e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), realizada em abril de 2024, que esteve na Terra Indígena do Guarita para conversar com lideranças, moradores e agentes de saúde locais sobre o albinismo e a galactosemia, outra condição genética rara. Na ocasião, as pessoas com albinismo receberam protetor solar e bonés.
 
Kaingangs albinos da Terra Indígena do Guarita recebem protetor solar e bonés / Foto: Instituto Nacional de Genética Médica Populacional (Inagemp)

Apesar das iniciativas, as políticas públicas fazem falta para essas comunidades. De acordo com a Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, o estado não fornece recursos de proteção como filtro solar para albinos. Rosa tem uma neta de quatro anos com a condição, chamada Jéssica Beatriz Cristão, e conta que, embora tenha conseguido atendimento através do SUS para ajudá-la, ainda existem muitas dificuldades em relação ao suporte de óculos de grau e protetores solares. Além disso, deixa claro que não são todos os indígenas que têm condições de procurar a saúde pública. “Eu queria pedir para o Governo cuidar mais desses albinos. Essa menina que eu falei nunca foi atendida como a minha netinha está sendo. Eu queria para todos eles”, ressalta.

Emergência Climática e Cuidados com o Sol

Mesmo em dias nublados ou em ambientes internos, é recomendado que albinos utilizem protetor solar / Foto: Bárbara Bertoncini

A falta de atendimento especializado e de políticas públicas efetivas para a população albina é evidenciada por conta da emergência climática que o Brasil e o mundo enfrentam. De acordo com o setor de hospitais universitários do Ministério da Educação, nos últimos 60 anos, algumas áreas do país registraram um aumento de até 3°C nas temperaturas máximas diárias, ultrapassando a média global e exigindo maiores cuidados quanto à exposição aos raios solares. Também houve um crescimento significativo na quantidade de dias anuais com ondas de calor, que passou de sete para 52 nos últimos 30 anos. Os dados estão presentes no relatório Mudança do Clima no Brasil, divulgado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em novembro de 2024. Com isso, populações mais suscetíveis a doenças relacionadas à exposição solar, como os albinos, ficam expostas e correm mais riscos.

Rosa Garcia conta que as ondas de calor são uma grande preocupação dela como avó de uma criança albina. Mesmo utilizando protetor, roupas compridas e chapéu, Jéssica não pode ficar exposta ao sol por muito tempo, pois apresenta irritações constantes na pele. “Esses dias ela queimou bastante a pele e o couro cabeludo, porque ficou brincando com as outras crianças nas árvores. Daí eu falei para a mãe dela não deixar ela brincar em dias muito quentes”, relata. Para Bianca Brandalise, a emergência climática afeta a população em geral, mas traz complicações em maior escala para pessoas albinas. “O ambiente está ficando mais extremo. No caso dos albinos, o cuidado acaba tendo que ser constante com o uso de protetor solar. Para mim é como escovar os dentes”, brinca.

A especialista Lavinia Faccini ressalta que a redução progressiva da camada de ozônio tem aumentado a incidência de raios ultravioletas, colocando a população albina em situação de risco. Segundo ela, o verdadeiro perigo não é o calor, mas a exposição contínua aos raios UV, que incidem mesmo em dias nublados ou chuvosos. Por isso, conforme mencionado por Bianca, a aplicação frequente de filtro solar deve ser uma medida indispensável na rotina dos albinos, assim como o uso de chapéus e óculos com proteção UV. Faccini também alerta sobre o impacto do desflorestamento para comunidades indígenas com essa condição, já que as árvores oferecem uma proteção natural contra os raios UV. “Muitos deles trabalham como agricultores sem nenhuma proteção, então o risco é bem mais alto”, afirma.

Por fim, Faccini acredita que uma das soluções viáveis para combater os problemas enfrentados pela população albina do Rio Grande do Sul seja a criação de um centro de cuidado multiprofissional para albinos. “A pessoa vem e já recebe a revisão do dermatologista, avaliação oftalmológica, consulta com o dentista e, se necessário, apoio de assistência social e geneticista”, pontua. Além disso, seria realizado o fornecimento de protetores solares e dos demais recursos necessários.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

SUPERAÇÃO ACADÊMICA



Professor da Unicamp, ele investiga o pensamento político brasileiro no contexto latino-americano
Kaysel na Unicamp, onde leciona, acompanhado do cão-guia Jed
Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa Fapesp
Depoimento concedido a Ricardo Balthazar
14:00
22 dez 2024

Quando as pessoas me perguntam se nasci cego ou fiquei assim depois, eu sempre respondo: as duas coisas. Fui diagnosticado com glaucoma congênito bilateral logo que nasci. Enxergava muito pouco, perdi a visão do olho direito aos 9 anos e a do esquerdo aos 22. Como meu pai é oftalmologista, tive acesso a bons médicos e tratamentos. Foram dezenas de cirurgias, que ajudaram a prolongar minha visão, mas sempre soube que um dia iria perdê-la.

Há quase 20 anos não enxergo nada, mas no olho esquerdo vejo borrões de cores variadas. São efeitos visuais provocados por interações físico-químicas no interior do olho. O fenômeno é chamado pelos oftalmologistas de visão entóptica. Certa vez, ouvi um relato do escritor argentino Jorge Luis Borges [1899-1986], que perdeu a visão aos 55 anos, sobre isso. Ele dizia que os cegos não são todos iguais, não veem tudo preto como as pessoas imaginam.

Entrei na Faculdade de Direito da USP [Universidade de São Paulo] em 2002. Mas resolvi sair no meio do segundo ano e pedi transferência para o curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas [FFLCH] da USP. Eu queria uma vida acadêmica dedicada à pesquisa e ao ensino. Minha família tem muitos professores e pesquisadores, e isso me influenciou. Meu pai, Antonio Augusto Velasco e Cruz, e minha mãe, Angela Kaysel Cruz, são professores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, e meu tio paterno Sebastião Carlos Velasco e Cruz foi professor do Departamento de Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas [Unicamp], onde dou aulas atualmente.

O que predominava na ciência política da USP na época era o chamado neoinstitucionalismo, nascido nos Estados Unidos. É a corrente que ainda hoje predomina na área, voltada para o estudo das instituições e das escolhas dos atores políticos, sem muita atenção para a estrutura social em que eles estão inseridos. Aprendi muito, mas me interessava mais pela área de teoria e pensamento político e fui me encaminhando nessa direção, que se tornou minha especialidade.

Dois professores foram muito importantes para mim na USP: Gildo Marçal Brandão [1949-2010] e Bernardo Ricupero, que veio a ser meu orientador na pós-graduação. Quando entrei no mestrado, Brandão estava começando um grande projeto de pesquisa, apoiado pela FAPESP, sobre linhagens do pensamento político brasileiro, e do qual participei desde o início.

Eles me abriram as portas do Departamento de Ciência Política e com eles conheci um grupo de cientistas políticos e sociólogos muito diverso. Nosso objetivo era buscar as linhas de continuidade histórica que organizam o pensamento brasileiro, desenvolvidas no período de quase um século que separa o fim do Império, em 1889, e o fim da ditadura militar [1964-1985]. Foi uma experiência que me fez amadurecer intelectualmente.

No mestrado, desenvolvi um estudo comparado sobre o historiador brasileiro Caio Prado Júnior [1907-1990] e o pensador marxista peruano José Carlos Mariátegui [1894-1930]. No doutorado, examinei a relação que se estabeleceu entre comunistas e nacionalistas nos dois países, em conjunturas diferentes, para refletir sobre a aliança entre comunistas e populistas no Brasil antes do golpe militar de 1964.
Em 2017, com Bernardo Ricupero durante encontro na USPArquivo pessoal

A comparação foi necessária para examinar a evolução do pensamento político brasileiro no contexto latino-americano. A academia brasileira tende a ser muito ensimesmada, como se o Brasil estivesse isolado do continente do qual faz parte e de outras regiões. Ricupero me fez entender a importância de pensar o Brasil como parte de algo maior.

Concluí o mestrado em 2010 e o doutorado em 2014. Estava perto de defender a tese quando surgiu uma vaga na Universidade Federal da Integração Latino-americana [Unila], em Foz do Iguaçu [PR]. Começar a carreira lá foi marcante. Convivia com alunos e professores de vários países e tive uma experiência internacional muito rica sem sair do Brasil. Além disso, como era uma instituição nova e pequena, todos tinham que fazer de tudo. Eu mal havia entrado na sala de aula quando fui chamado a coordenar um curso. Foi uma loucura, mas aprendi muito.

Em 2016, abriram concurso para uma vaga na Unicamp na área de teoria e pensamento político. Tive a felicidade de ser aprovado em primeiro lugar. Concluí em 2024 um pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, e agora estou me preparando para defender minha tese de livre-docência na Unicamp. Ela é baseada em pesquisas que tenho feito sobre o anticomunismo e a extrema direita na América Latina.

Nada disso foi fácil com a minha deficiência visual, claro. Um cão-guia me acompanha todos os dias no trabalho. Ele se chama Jed, e eu o trouxe de uma fundação de Nova York que treina animais para auxiliar cegos. Só uso o braille para ler placas, rótulos e pouca coisa além disso. A literatura especializada disponível em braille é muito limitada. Então, sempre dependi muito da tecnologia e de pessoas que leram para mim em voz alta, como meus pais, minha avó e colegas na graduação.

O aperfeiçoamento dos sistemas desenvolvidos para deficientes visuais, conhecidos como leitores autônomos, que copiam documentos impressos e convertem os textos em áudio, foi fundamental para que eu pudesse fazer o mestrado e o doutorado. Mas ainda dependo da qualidade da digitalização do material que preciso consultar. Há muita coisa disponível na internet, mas nem sempre num formato legível para os programas de computador que me auxiliam na leitura.

Tive muita dificuldade nas pesquisas sobre anticomunismo, porque trabalhei pela primeira vez com fontes primárias. Os arquivos não têm gente disponível para ajudar a procurar o que você precisa. Em geral, trazem a caixa que você pede, e boa sorte. Só deu certo porque consegui financiamento da FAPESP para contratar assistentes de pesquisa, que digitalizaram e editaram os documentos que estudei.

Viajei duas vezes para consultar um rico acervo preservado no Paraguai, que reúne documentos da Liga Mundial Anticomunista, uma rede de extrema direita que atuou durante a Guerra Fria e tinha um braço na América Latina e uma filial no Brasil. Copiamos quase 2 mil páginas de documentos, das quais só consegui ler uma fração até agora. Mas nunca achei que seria fácil. Sempre soube que, para poder ler e trabalhar, teria que recorrer a todos os meios possíveis e imagináveis.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO PARA PESSOAS ALBINAS



Política Nacional de proteção para pessoas albinas é aprovada e vai à sanção

Inciativa, relatada por Bacelar na CCJ, prevê a garantia de acesso à atendimentos especializados e insumos de proteção

Foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, em sessão ocorrida nesta terça-feira (3), parecer do deputado Bacelar (PV/BA) que trata da criação da Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Albinismo. A matéria, que tramitava em caráter conclusivo, vai à sanção.


Segundo a iniciativa, o acesso ao atendimento dermatológico, inclusive ao protetor solar e aos medicamentos essenciais, além do tratamento não farmacológico, da crioterapia e da terapia fotodinâmica, bem como atendimento oftalmológico especializado, assim como às lentes especiais e aos demais recursos de tecnologias assistivas – equipamentos óticos e não óticos – necessários ao tratamento da baixa visão e da fotofobia, são direitos deste segmento da sociedade.

Com uma ocorrência de apenas cerca de 21 mil casos no Brasil, segundo a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps), o albinismo é uma condição genética rara marcada pela ausência total ou parcial de melanina, o pigmento que define a cor da pele, dos olhos e dos cabelos. Estas pessoas estão susceptíveis à graves problemas de pele e oftalmológicos severos, bem como câncer e outras condições clínicas.

Com a aprovação, a Política Nacional preconiza ainda a elaboração e a implementação de cadastro nacional; da estruturação da linha de cuidados e o estímulo à prática do autocuidado, a organização do fluxo da assistência à saúde; a definição do perfil epidemiológico e a formação e a capacitação de trabalhadores para lidar com estes casos.

Em seu relatório, Bacelar afirma que a “proposição assegura à pessoa com albinismo o acesso a atendimento dermatológico, farmacológico e oftalmológico, garantindo o acesso a políticas públicas eficientes a este segmento minorizado da sociedade”, comenta.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

TELMO MARTINS

O modelo Telmo Martins, de Angola, está a lutar contra a discriminação do albinismo. Depois de ter desfilado nas maiores passarelas da região, sonha agora com desfiles na Europa.

A SUPERAÇÃO DE XUELI



Chinesa abandonada pelos pais por ser albina se torna modelo de sucesso

Xueli Abbing foi abandonada ainda bebê por seus pais na porta de um orfanato na China. Nascida com albinismo, uma condição genética rara, sua pele e cabelos claros a tornaram alvo de preconceitos em um país onde a condição é vista por alguns como algo negativo. A política do filho único, vigente na época, agravou a situação, levando muitas famílias a abandonar crianças com deficiências.


Aos três anos, Xueli foi adotada por uma família na Holanda. Sua carreira de modelo começou por acaso, aos 11 anos, quando foi convidada para um desfile em Hong Kong, em uma campanha chamada “imperfeições perfeitas”. Desde então, ela passou a ser destaque em diversas campanhas, aparecendo nas páginas da Vogue Itália e trabalhando com marcas renomadas, como Kurt Geiger.


Hoje com uma grande história de superação e tendo uma carreira exitosa, Xueli utiliza sua visibilidade para conscientizar sobre o albinismo e lutar contra o preconceito enfrentado por pessoas com essa condição. “Quero usar a moda para falar sobre albinismo e dizer que é uma condição genética, não uma maldição”, afirmou em entrevista à BBC. Além disso, ela destaca a importância da inclusão na indústria da moda, onde pessoas com diferenças e deficiências têm ganhado mais espaço.

Apesar das dificuldades visuais causadas pelo albinismo, que reduzem sua visão a 8-10%, Xueli continua a modelar e desafiar padrões estéticos. A modelo acredita que sua condição lhe proporciona uma perspectiva única, valorizando mais a beleza interior do que os padrões convencionais. “Quero que outras crianças com albinismo saibam que podem fazer e ser o que quiserem”, reforça a jovem.

domingo, 24 de novembro de 2024

SERÁ QUE AGORA VAI?

Ministério da Saúde prepara linha de cuidado para pessoas com albinismo

Abordagem integrada e a promoção da equidade são os principais focos do grupo de trabalho nacional criado para organizar projeto para essa população


O Ministério da Saúde instituiu, na quinta-feira (21/11/2024), Grupo de Trabalho Nacional para elaborar o projeto que organizará a linha de cuidado para as pessoas com albinismo.

O objetivo é garantir a atenção integral, com ações de prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento e reabilitação dessas pessoas, além de iniciativas para redução de danos e cuidados paliativos, conforme as diretrizes da Política Nacional de Saúde Integral da Pessoa com Albinismo.

O grupo foi criado por meio da Portaria GM/MS nº 5.703, publicada na quinta no Diário Oficinal da União (DOU).

A coordenação é do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde, da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), do Ministério da Saúde.

O projeto final será encaminhado às instâncias deliberativas do Sistema Único de Saúde (SUS).

“A partir dessa linha de cuidado, o Ministério da Saúde quer reforçar seu compromisso com a promoção da equidade em saúde, promovendo a participação das pessoas com albinismo e dos setores envolvidos na formulação das políticas públicas”, destaca o secretário de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço.

Albinismo
As pessoas com albinismo possuem características que as tornam mais suscetíveis a condições de saúde específicas, como problemas de visão, sensibilidade à luz solar e maior predisposição ao câncer de pele.

Por isso, é crucial desenvolver estratégias de atendimento de saúde que levem em conta essas particularidades, da mesma forma que é importante a orientação familiar ou o aconselhamento genético – em razão da possibilidade de transmissão das características de pais para filhos. A incidência global de albinismo é estimada em uma a cada 20 mil pessoas.

O grupo de trabalho será coordenado de forma adjunta pelo Departamento de Atenção Especializada e Temática da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES).

Participam também representantes dos seguintes órgãos e entidades: Sociedade Brasileira de Dermatologia, Sociedade Brasileira de Visão Subnormal; Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde; e Coletivo Nacional de Pessoas com Albinismo da Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia.

Para a construção da linha de cuidado, o GT deverá considerar a heterogeneidade das experiências no campo da atenção à saúde integral das pessoas com Albinismo, a intersetorialidade, a sustentabilidade orçamentária, o alcance nacional e o protagonismo dos usuários na formulação e na implementação do programa.

O grupo terá duração de 90 dias, podendo ser prorrogado por igual período.