O Homem; As Viagens
Carlos Drummond de Andrade
O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo,
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra..
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte -ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vénus.
O homem põe o pé em Vénus,
vê o visto — é isto?
idem
idem
idem.
.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só pra te ver?
Não vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato que é o Sol, falso touro
espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene,
insuspeitada alegria
de con-viver.
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