CURUMINS

Índio Branco
por Carlos — Última modificação 18/12/2007 15:34
Família de índios kaigang abriga três albinos na reserva indígena de Serrinha, em Engenho Velho


- Chegaram os federais.
Assim foi a recepção, sem muita cerimônia, feita pelo patriarca da família o índio Antonio Isaias de Moura, o Tonho, que se mostrava apreensivo e ansioso. Talvez não pela presença de visitantes, que com certeza já havia sido anunciada dias antes pelo Capitão da comunidade, quem dera a autorização para realizar a reportagem, mas sim pelo fato de seu corcel azul estar sendo consertado naquele instante.
A cena é comum, já que na Serrinha carro velho em péssimas condições é acessório de luxo. Antes disso quando avistamos a casa, ainda de dentro do carro pode-se ver um rosto espiando da porta, branco, muito branco, um rosto diferente do demais que rodeavam a frente da casa, só ai que tivemos a certeza de que estávamos no lugar certo.
A Terra Indígena da Serrinha esta localizada no norte do estado e abrange áreas dos municípios de Engenho Velho, Constantina, Ronda Alta e Três Palmeiras. De um total de 11.950 hectares de área indígena, os índios Kaingang ocupam cerca de seis mil.
O corcel continuava a ser consertado, rodeado pelas crianças e observado atentamente por todos, principalmente por um rapaz que parecia assustado, tentava se proteger do forte sol das 11 horas e escondia o rosto alvo atrás de um boné já desbotado e todo rasgado. O mecânico era “homem branco”, não era índio, mas sua pele não se comparava à brancura de seu observador, Onorio, 20 anos, um dos três filhos albinos de Tonho. Os outros dois Marizete,15, e Roseléia, 12, completam o trio dos irmãos albinos.
Segundo Tonho, sua esposa Vicentina de Silva, que não estava presente na casa no momento, pois estaria visitando uma irmã na cidade de Nonoai levando junto com ela a filha Marizete, Vicentina teria uma prima Albina, também na reserva indígena de Nonoai.
O albinismo é hereditário, passado de geração em geração, é uma condição genética que impossibilita o individuo ou animal de fabricar um pigmento denominado melanina, que dá cor à pele e protege contra os raios ultravioleta do sol. Estima-se que uma em cada 17.000 pessoas é albina.
Deixamos o local do corcel e fomos convidados a nos sentarmos em frente à casa para de fato conversar sobre os filhos albinos de seu Antonio. Tão logo começamos a conversa, fomos interrompidos pelo som alto de uma musica, mas foi só Tonho dar uns gritos que as crianças desligaram o aparelho de som e se juntaram a nós, sempre muito desconfiadas.
Todos vivem na comunidade indígena de bela vista no interior do município de Engenho Velho, tudo dentro da Terra Indígena da Serrinha. A família é grande, além de seu Antonio e dona Vicentina, são nove filhos e um sobrinho que é criado por eles. Tonho conta que a vida da família não é nada fácil, principalmente a dos filhos albinos.
-Eles não podem fica muito tempo no sol.

Completa ainda que o pouco tempo que ficam usam protetor solar fator 50, para evitar as queimaduras, mais freqüentes nos lábios, bochecha, orelhas e pescoço. A visão é outro problema. Os irmãos albinos usam óculos para poderem estudar e enxergar normalmente, já que o albinismo afeta alem da pele os olhos. Os três também fazem constantes consultas e revisões medicas em Passo Fundo com dermatologistas e especialistas em albinismo. Tudo de graça e por intermédio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Fundação Nacional do Índio (Funai).
Nesse momento Onório, o mais velho dos filhos albinos de seu Antonio deixa o local do conserto do corcel e chega ate onde estávamos conversando com seu pai. De inicio não se mostrou muito interessado no papo, mas a partir do momento em que pedi se ele e seus irmãos estudavam ou tinham desejo em continuar com os estudos, o rumo da conversa mudou. Onorio se mostrou muito empolgado com o assunto de continuar estudando, já esta na segunda série do ensino médio, diz ainda não ter decidido que profissão vai seguir mas garante que irá fazer faculdade.
-Tenho muita coisa na cabeça, ainda não me decidi.
Todos os filhos de seu Antonio em idade escolar estão estudando. As meninas albinas também. Marizete esta na 6ª série do ensino fundamental e Roseléia na 5ª série. Vejo varias propagandas na televisão, professores e intelectuais dizendo que o incentivo para a leitura e os estudos devem partir dos pais, para que assim os filhos possam ver, copiar e imitar, já que o exemplo deve ser dado pela família na figura dos pais. Na pratica posso dizer que isso quase não acontece, falo por mim mesmo. Mas na família de seu Antonio Isaias de Moura, apesar de todos os problemas, o interesse pelos estudos parte dos pais, seu Antonio está na primeira série do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e afirma que pretende pelo menos completar o ensino fundamental.
Já no fim da conversa Tonho contou que e os filhos albinos sofriam com as brincadeiras e gozações por serem diferentes dos demais, mas com o tempo todos se acostumaram com as diferenças e seus filhos convivem normalmente com os demais índios.
Exemplos de superação e incentivo como estes deviam ser copiados por todos, uma família com inúmeras dificuldades financeiras de saúde e até mesmo sofrendo com a discriminação, mas que encara os problemas da vida com coragem, humildade e com aquela força de índio guerreiro.

Ângelo H. Lorini / Da Hora

(Encontrado em http://200.18.45.42:8080/dahora/especiais/indio-branco/)