O artigo abaixo foi publicado pela Revista de Ciências Médicas e Biológicas (vol.6, número 1, janeiro/abril de 2007). Infelizmente, as tabelas e gráficos se perderam na transposição do artigo em pdf pro documento do Word para o qual copiei-o, a fim de prepará-lo pra postagem no blog. Entretanto, o link pra acesso online encontra-se abaixo do artigo.
Perfil do albinismo oculocutâneo no estado da Bahia.
Lília Maria de Azevedo Moreira (PhD. Professora titular de Genética. Laboratório de Genética Humana e Citogenética. Instituto de Biologia. Universidade Federal da Bahia-UFBA. Salvador. BA)
Shirlei Cristina Moreira (MD, Médica dermatologista.)
Iago Teles Dominguez Cabanelas (Bolsista IC PIBIC/CNPq.)
Luciane de Melo Rocha (Graduanda em Farmácia. Faculdade de Farmacia. Universidade Federal da Bahia-UFBA. Salvador. BA)
ResumoO albinismo é um conjunto heterogêneo de distúrbios genéticos que afeta a produção de melanina, podendo levar à hipopigmentação da pele, dos pêlos, cabelos e olhos. O objetivo deste trabalho foi analisar aspectos genéticos e agravos à saúde decorrentes do albinismo oculocutâneo. Foi feita uma amostragem de conveniência, utilizando-se como instrumento de coleta de dados questionários semi-estruturados aplicados a 40 probandos (23 mulheres e 17 homens) de famílias associadas a APALBA (Associação dos Portadores de Albinismo da Bahia). Os albinos eram filhos de pais normalmente pigmentados, portadores do alelo recessivo mutante. A maioria (65%) refere hereditariedade, com mais de um caso na família, e origem étnica predominantemente negra. A ocorrência do albinismo está associada a dificuldades e desvantagens, conseqüências do distúrbio genético e da segregação social. O diagnóstico usual do albinismo segue critérios clínicos, embora já existam métodos laboratoriais que identificam algumas mutações. A falta de assistência aos afetados contribui para a baixa da visão e a ocorrência de câncer de pele. O estudo indica a necessidade de um novo modelo de atendimento ao albino, com medidas de prevenção aos danos à saúde, que também incluam, nos casos indicados, testes laboratoriais com técnicas da biologia molecular que possam contribuir para o aconselhamento genético da condição.
Palavras-chave: albinismo; baixa visão; aconselhamento genético; OCA1; OCA2.
Correspondência para
Lília Maria de Azevedo Moreira
Rua Barão de Geremoabo, 147 - Campus de Ondina.
40 170-290. Salvador - BA - Brasil.
E-mail: lazevedo@ufba.br
INTRODUÇÃO
O albinismo consiste de um conjunto heterogêneo de distúrbios genéticos na síntese de melanina que podem levar à hipopigmentação da pele, dos pêlos, cabelo e olhos. Essa condição resulta de alterações em um ciclo complexo de reações metabólicas que causam redução ou ausência congênita da produção de melanina.
Os albinos podem ser afetados por todos os efeitos danosos da exposição à radiação solar, como o eritema solar, o foto-envelhecimento, assim como por lesões pré-malignas e malignas, patologias que podem ocorrer desde a infância. Uma das principais conseqüências do albinismo é a baixa visão, que pode estar reduzida de forma variável, a depender do tipo de albinismo e da quantidade de melanina ocular, não sendo rara uma acuidade medida como 20/200, que é considerada cegueira legal. A pessoa com albinismo pode apresentar diferentes graus de deficiência visual, classificada de acordo com os valores de acuidade visual corrigida no melhor olho em: moderada (20/70 a 20/200); grave (20/200 a 20/400); profunda (acima de 20/400). Freqüentemente ocorre estrabismo, com prejuízo na percepção de profundidade, pela falta de coordenação entre os olhos, fotofobia e nistagmo, devido aos movimentos rápidos e involuntários dos olhos na horizontal, o que também contribui para a baixa visão.
Embora o albinismo tenha sido inicialmente descrito como exemplo de característica gênica simples, pesquisas atuais têm evidenciado que se trata de um distúrbio complexo. A heterogeneidade fenotípica é conseqüência de diferentes mutações. As principais categorias do albinismo são o oculocutâneo (OCA) e o ocular (OA). A subclassificação dessas formas, de acordo com o distúrbio enzimático e a localização gênica, é apresentada na Quadro1. Há ainda a
forma parcial e síndromes raras, que apresentam albinismo associado a patologias sistêmicas que incluem: S. Chediak-Higashi, S. Hermansky-Pudlack e S. Griscelli.(2)
O albinismo oculocutâneo é de herança autossômica recessiva, e não há diferenças clínicas entre as suas formas. No entanto, o albino tirosinase-positivo (OCA2), em comparação ao OCA1, pode apresentar uma melhor acuidade visual na idade adulta, como também desenvolver certa quantidade de pigmento.(3) Como os critérios fenotípicos para a diferenciação das formas de albinismo oculocutâneo são muito sutis, foi proposto o teste de análise do bulbo piloso (4) que, devido à possibilidade de resultados falsos-positivos e negativos, atualmente é utilizado para identificar com segurança apenas o OCA1A. Rocha e Moreira (5) acreditam que a abordagem mais confiável para distinguir os dois tipos de albinismo é o sequênciamento das mutações, corroborando o ponto de vista de Carden e colaboradores (6) de que o diagnóstico atual do albinismo não é apenas clínico, pois, com os avanços da pesquisa molecular, é possível reconhecer muitas das diferentes formas, de acordo com as mutações genéticas presentes.(7)
Por questões éticas, os testes laboratoriais para diagnóstico do albinismo devem ser oferecidos apenas para famílias que já apresentam casos de albinismo, não sendo indicados como métodos de screening da população geral, em relação à condição. O diagnóstico pré-natal pode ser realizado com material obtido por amniocentese, entre a 16a e18a semanas de gestação, proporcionando esclarecimento precoce à família e suporte apropriado para a criança com albinismo, que normalmente não apresenta distúrbios maiores de desenvolvimento.
As mutações que envolvem o OCA1 afetam a tirosinase, enquanto que as responsáveis pelo OCA 2 comprometem o funcionamento de uma proteína conhecida como proteína P. (2,7,8,9) Ao contrário do que ocorre com o albino OCA1, a tirosinase em OCA2 não é alterada, porém está comprometida devido ao funcionamento incorreto da proteína P. Essa proteína, responsável pelo controle do pH, é encontrada na membrana dos melanossomos, organelas celulares onde é armazenada a melanina. O pH melanossomal é de fundamental importância para a atividade da tirosinase. O albinismo oculocutâneo marrom (BOCA) constitui uma categoria de OCA2 exclusiva de africanos e afro-americanos. Acredita-se que esse distúrbio resulte de uma mutação
fraca, que se expressa em atividade reduzida da proteína P. Os cabelos e a pele são castanhoclaros, a íris, cinza e a acuidade visual de 20/60 a 20/150. Com o tempo, o cabelo e a íris escurecem, mas a pele permanece despigmentada. O albinismo oculocutâneo 3 (OCA3), anteriormente denominado OCA vermelho ou rufo, é causado por mutação no gene que codifica
a proteína 1, relacionada à tirosinase (TRP1). Em decorrência da mutação, há uma desregulação da tirosinase, e é sintetizado o pigmento marrom ao invés da melanina preta.
Existem dois tipos de melanina, a eumelanina (preta e marrom) e a feomelanina (amarela e vermelha), e a biossíntese das duas melaninas segue rotas diferentes. A tirosinase está envolvida nos dois primeiros passos da síntese de pigmentos e, a partir da Dopaquinona, a melanina formada pode ser a eumelanina ou a feomelanina (FIGURA 1). Embora a oxidação da tirosina pela tirosinase seja requerida para a síntese de ambos os tipos de pigmentos, a ativação do receptor 1 da melacortina (MC1R) promove a síntese da eumelanina às expensas da feomelanina. Observações em ratos mutantes demonstraram que mutações que envolvem proteína P afetam a produção da eumelanina, mas não da feomelanina. (7) Portanto, a proteína P determina o tipo de melanina que é produzida, o que poderia estar associado à freqüência mais elevada de albinismo oculocutâneo tirosinase-positivo em populações negras.
O albinismo oculocutâneo ocorre na freqüência geral de 1 em 15000 em todos os grupos raciais. (2) Atinge populações de todas as etnias, embora OCA 2 seja mais freqüente em negros. (8,10) O OCA1 ocorre em cerca de um em 40000 indivíduos na maioria das populações. O OCA2 é mais freqüente em afro-americanos e africanos, ocorrendo 1 em 10000 desses indivíduos, enquanto que, em caucasianos, a freqüência é estimada em 1 por 36000. Alaluf e colaboradores (11)quantificaram a expressão de numerosos mediadores da pigmentação humana em diferentes etnias, incluindo tirosina e a proteína 1 relacionada à tirosinase (TRP1). Encontraram pouca variação na quantidade de melanócitos, mas a proteína TRP1 apresentou-se 2,6 vezes mais elevada em africanos e indianos, quando comparada a tipos de pele com pigmentação mais clara. Os autores sugerem que a variação étnica, na expressão da TRP1, indica que essa proteína pode desempenhar um papel significante nas diferenças étnicas e na formação da pigmentação da pele.
O albinismo é um distúrbio estigmatizante, que afeta os portadores e suas famílias. Estudos são escassos em populações brasileiras, e esta investigação teve o objetivo de analisar aspectos genéticos e agravos à saúde decorrentes do albinismo oculocutâneo.
Quadro1: Tipos de albinismo.
Figura 1: Vias metabólicas na síntese
de melanina.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo descritivo por amostragem de conveniência, composta de indivíduos
albinos associados à Associação de Portadores de Albinismo do Estado da Bahia (APALBA), com aprovação da instituição e após a obtenção de consentimento informado, de acordo com as normas bioéticas preconizadas pela Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.
Do total de 200 famílias associadas, 40 (25%) compuseram o grupo amostral do estudo, tomando-se como critério de seleção o interesse e a concordância dos probandos em responder a questionário, respeitando-se os princípios éticos de manutenção da privacidade e sigilo dos entrevistados.
No questionário, foram consideradas as seguintes variáveis:
- Dados pessoais: naturalidade, idade, sexo, estado civil, origem étnica auto definida,
hereditariedade, outros distúrbios genéticos e consangüinidade.
- Albinismo: diagnóstico, expressão, conseqüências e percepção.
- Indicadores sociais: escolaridade, emprego, rendimento e domicílio.
Os resultados obtidos foram expressos em tabelas e gráficos, com utilização do software
Microsoft excel® versão Office 2000.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As características analisadas são descritas no Quadro 2. Comparando-se a origem étnica dos antepassados, verificou-se que 70% dos albinos declararam ascendência negra ou parda, valores semelhantes à distribuição racial no estado da Bahia. Fazem-se necessários estudos populacionais mais abrangentes, com utilização de dados censitários, para confirmar uma possível correlação entre a origem africana e o albinismo, como descrito na literatura para os subtipos OCA2 e OCA3. Entre os albinos, foi registrada uma taxa elevada de anemia falciforme
(5%), o que demonstra uma associação desse grupo com a etnia negra. O diagnóstico do albinismo foi feito de acordo com critérios clínicos e, em 62,5% dos casos, foi reconhecido na infância. Os albinos eram filhos de pais normalmente pigmentados, sendo, entretanto, portadores do alelo recessivo mutante. King et al (4) observam que, na população, cerca de 1 em 70 pessoas pode ser portadora de alelo para o albinismo de caráter recessivo, que não se expressa graças à presença de uma cópia gênica normal para a produção da melanina. A maioria (65%) refere hereditariedade do traço genético, com mais de um caso na família, pela análise mínima de três gerações.
A taxa de consangüinidade de 7,5% pode ser considerada baixa, quando comparada às freqüências de 20 a 30% relatadas na literatura. A Figura 2 compara os danos principais à saúde e o uso de medidas de proteção. A baixa visão foi verificada na totalidade da amostra, em freqüência superior à de 86,8% registrada por Lund e Gaigher. (12) Essas diferenças podem, entretanto, estar associadas à idade, uma vez que o estudo referido foi conduzido com crianças, de 11 a 16 anos, e a presente investigação contempla indivíduos predominantemente adultos.
O estudo evidenciou que uma proporção significante dos albinos que desenvolveram lesões de pele não usava protetores solares, ou usava irregularmente, indicando grave susceptibilidade aos efeitos da radiação solar em regiões tropicais, conforme demonstrado por Hong, Zeeb e Repacholi. (13) Esses autores consideram o albinismo na África como um problema de saúde pública, não apenas pela falta de melanina que torna os afetados prejudicados pela exposição ao sol, mas também pela discriminação social por força da aparência diferente. No presente estudo, quando questionadss sobre a sua percepção sobre o albinismo, 14 pessoas (35%) declaram ser uma característica ruim ou péssima, colocando-se, muitas vezes, como vítima de discriminação, com declarações como: “Sou um ser humano como qualquer outro”, ou “O preconceito vem primeiro da gente”. Entretanto, 30% tinham percepções favoráveis, com muita esperança e posicionamentos como: “Hoje me sinto melhor, pois sei dos meus direitos e luto por eles!”
Lund e Gaigher(12) também referem-se a problemas sociopsicológicos associados ao albinismo na região sub-Saara da África. Observam que 86,8% dos albinos têm menos amigos e 39,5% acham que crianças com albinismo são menos amadas por seus pais; 34,2% gostariam de obter aconselhamento sobre a herança do albinismo. Kromberg e Jenkins (14), verificaram que, de 20 homens e o mesmo número de mulheres albinas, apenas 5 pessoas de cada grupo eram casadas, observando que as atitudes positivas quanto ao albinismo não se estendem a questões de casamento. Os presentes dados não corroboram o referido estudo, visto que um total de 15 pessoas (37,5%) eram casadas ou viviam em uniões consensuais, estimativas mais favoráveis, em termos de inclusão social.
CONCLUSÕES
A investigação mostrou uma maior proporção de pessoas albinas vivendo em precárias condições socioeconômicas e com demanda de serviços sociais e de saúde, evidenciando a falta
de assistência aos afetados. O interesse por esclarecimentos genéticos indica também a necessidade de direcionar estudos para a implementação de testes laboratoriais com técnicas de biologia molecular que permitam identificar diferentes formas de albinismo oculocutâneo entre famílias afetadas e, assim, contribuir para o aconselhamento genético, nos casos hereditários ou em eventuais casamentos entre albinos, como já registrado na literatura.
Os resultados deste trabalho descrevem a realidade de muitos albinos residentes em um estado nordestino, sendo recomendadas outras investigações, com diferentes grupos populacionais, para melhor compreensão da situação do albino no Brasil. Mesmo com as limitações da visão e riscos de câncer de pele, os indivíduos albinos podem viver normalmente, se receberem apoios e recursos apropriados. Essa constatação indica a necessidade de implantação de políticas públicas e de um novo modelo de intervenção na saúde e melhoria na qualidade de vida dos albinos, em que é fundamental a prevenção dos efeitos danosos da radiação, que é mais grave em regiões tropicais como o estado da Bahia.
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REFERÊNCIAS
1 SCHOLL, G. T. (Ed.) Foundations of education for blind and visually handicapped children and youth: theory and practice. New York: AFB Press, 1986.
2 BUYSE, M.L. (Ed.) Birth Defects Encyclopedia. Dover, MA: Dover Center for Birth Defects Information Services, 1990.
3 BISWAS, S.; LLOYD, IC. Oculocutaneous albinism. Arch. Dis. Child., London, v.80, p.565-569, 1999.
4 KING, R.A.; WITKOP, C.J. Detection of heterozygotes fot tyrosinase-negative oculocutaneous albinism by hairbulb tyrosinase assay. Am. J. Hum. Genet., Chicago, v.29, p.164-168, 1977.
5 ROCHA, L. de M.; MOREIRA, L.M. de A. Diagnóstico laboratorial do albinismo oculocutâneo. J. Bras. Patol. Med. Lab., Rio de Janeiro, v.43, n.1, p.25-30, 2007.
6 CARDEN, S.M. et al. Albinism: modern molecular diagnosis. Br. J. Ophthalmol., London, v.82, n.2, p.189-195, 1998.
7 BRILLIANT, M.H. The mouse p (pink- eyed dilution) and human P genes, oculocutaneous albinism type 2 (OCA 2), and melanossomal pH. Pigment Cell Res., Copenhagen, v.14, p.86-93, 2001.
8 BASHOUR, M.; HASSANEE, K.; AHMED, I.I.K. Albinism. 2006. Disponível em: < http://www.emedicine.com/oph/topic315.htm> Acesso em: 16 dez. 2006.
9 STURM, R.A.; TEASDALE, R.D.; BOX, N.F. Human pigmentation genes: identification, structure and consequences of polymorphic variation. Gene, Amsterdam, v.277, n.1/2, p.49-62, Oct. 2001.
10 KING, R.A. et al. Facts about albinism. [2006?] Disponível em: http://albinism.med.umn.edu/facts.htm Acesso em: 27 fev. 2007.
11 ALALUF, S. et al. Ethnic variation in tyrosinase and TYRP1 expression in photoexposed and photoprotected human skin. Pigment Cell Res., Copenhagen,v.16, p.35-42, 2003.
12 LUND, P.M.; GAIGHER, R. A health intervention programme for children with albinism at a special school in South Africa. Health Educ. Res., Oxford, v.17, n.3, p.365-372, June 2002.
13 HONG, S.E.; ZEEB, H.; REPACHOLI, M.H. Albinism in Africa as a public health. BMC Public Health, London, v.6, p.1-7, 2006.
14 KROMBERG, J.G.R.; JENKINS, T. Albinism in the South African negro III: Genetic Counselling issues. J. Biosoc. Sci., Cambridge, UK, v.16, p.99-108, 1984.
15 TREVOR-ROPER, P.D. Marriage of two complete albinos with normally pigmented offspring. Br. J. Ophthalmol., London, v.36, p.107-108, 1952.
(Encontrado em http://www.cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/PDF6/artigo_9.pdf )
Perfil do albinismo oculocutâneo no estado da Bahia.
Lília Maria de Azevedo Moreira (PhD. Professora titular de Genética. Laboratório de Genética Humana e Citogenética. Instituto de Biologia. Universidade Federal da Bahia-UFBA. Salvador. BA)
Shirlei Cristina Moreira (MD, Médica dermatologista.)
Iago Teles Dominguez Cabanelas (Bolsista IC PIBIC/CNPq.)
Luciane de Melo Rocha (Graduanda em Farmácia. Faculdade de Farmacia. Universidade Federal da Bahia-UFBA. Salvador. BA)
ResumoO albinismo é um conjunto heterogêneo de distúrbios genéticos que afeta a produção de melanina, podendo levar à hipopigmentação da pele, dos pêlos, cabelos e olhos. O objetivo deste trabalho foi analisar aspectos genéticos e agravos à saúde decorrentes do albinismo oculocutâneo. Foi feita uma amostragem de conveniência, utilizando-se como instrumento de coleta de dados questionários semi-estruturados aplicados a 40 probandos (23 mulheres e 17 homens) de famílias associadas a APALBA (Associação dos Portadores de Albinismo da Bahia). Os albinos eram filhos de pais normalmente pigmentados, portadores do alelo recessivo mutante. A maioria (65%) refere hereditariedade, com mais de um caso na família, e origem étnica predominantemente negra. A ocorrência do albinismo está associada a dificuldades e desvantagens, conseqüências do distúrbio genético e da segregação social. O diagnóstico usual do albinismo segue critérios clínicos, embora já existam métodos laboratoriais que identificam algumas mutações. A falta de assistência aos afetados contribui para a baixa da visão e a ocorrência de câncer de pele. O estudo indica a necessidade de um novo modelo de atendimento ao albino, com medidas de prevenção aos danos à saúde, que também incluam, nos casos indicados, testes laboratoriais com técnicas da biologia molecular que possam contribuir para o aconselhamento genético da condição.
Palavras-chave: albinismo; baixa visão; aconselhamento genético; OCA1; OCA2.
Correspondência para
Lília Maria de Azevedo Moreira
Rua Barão de Geremoabo, 147 - Campus de Ondina.
40 170-290. Salvador - BA - Brasil.
E-mail: lazevedo@ufba.br
INTRODUÇÃO
O albinismo consiste de um conjunto heterogêneo de distúrbios genéticos na síntese de melanina que podem levar à hipopigmentação da pele, dos pêlos, cabelo e olhos. Essa condição resulta de alterações em um ciclo complexo de reações metabólicas que causam redução ou ausência congênita da produção de melanina.
Os albinos podem ser afetados por todos os efeitos danosos da exposição à radiação solar, como o eritema solar, o foto-envelhecimento, assim como por lesões pré-malignas e malignas, patologias que podem ocorrer desde a infância. Uma das principais conseqüências do albinismo é a baixa visão, que pode estar reduzida de forma variável, a depender do tipo de albinismo e da quantidade de melanina ocular, não sendo rara uma acuidade medida como 20/200, que é considerada cegueira legal. A pessoa com albinismo pode apresentar diferentes graus de deficiência visual, classificada de acordo com os valores de acuidade visual corrigida no melhor olho em: moderada (20/70 a 20/200); grave (20/200 a 20/400); profunda (acima de 20/400). Freqüentemente ocorre estrabismo, com prejuízo na percepção de profundidade, pela falta de coordenação entre os olhos, fotofobia e nistagmo, devido aos movimentos rápidos e involuntários dos olhos na horizontal, o que também contribui para a baixa visão.
Embora o albinismo tenha sido inicialmente descrito como exemplo de característica gênica simples, pesquisas atuais têm evidenciado que se trata de um distúrbio complexo. A heterogeneidade fenotípica é conseqüência de diferentes mutações. As principais categorias do albinismo são o oculocutâneo (OCA) e o ocular (OA). A subclassificação dessas formas, de acordo com o distúrbio enzimático e a localização gênica, é apresentada na Quadro1. Há ainda a
forma parcial e síndromes raras, que apresentam albinismo associado a patologias sistêmicas que incluem: S. Chediak-Higashi, S. Hermansky-Pudlack e S. Griscelli.(2)
O albinismo oculocutâneo é de herança autossômica recessiva, e não há diferenças clínicas entre as suas formas. No entanto, o albino tirosinase-positivo (OCA2), em comparação ao OCA1, pode apresentar uma melhor acuidade visual na idade adulta, como também desenvolver certa quantidade de pigmento.(3) Como os critérios fenotípicos para a diferenciação das formas de albinismo oculocutâneo são muito sutis, foi proposto o teste de análise do bulbo piloso (4) que, devido à possibilidade de resultados falsos-positivos e negativos, atualmente é utilizado para identificar com segurança apenas o OCA1A. Rocha e Moreira (5) acreditam que a abordagem mais confiável para distinguir os dois tipos de albinismo é o sequênciamento das mutações, corroborando o ponto de vista de Carden e colaboradores (6) de que o diagnóstico atual do albinismo não é apenas clínico, pois, com os avanços da pesquisa molecular, é possível reconhecer muitas das diferentes formas, de acordo com as mutações genéticas presentes.(7)
Por questões éticas, os testes laboratoriais para diagnóstico do albinismo devem ser oferecidos apenas para famílias que já apresentam casos de albinismo, não sendo indicados como métodos de screening da população geral, em relação à condição. O diagnóstico pré-natal pode ser realizado com material obtido por amniocentese, entre a 16a e18a semanas de gestação, proporcionando esclarecimento precoce à família e suporte apropriado para a criança com albinismo, que normalmente não apresenta distúrbios maiores de desenvolvimento.
As mutações que envolvem o OCA1 afetam a tirosinase, enquanto que as responsáveis pelo OCA 2 comprometem o funcionamento de uma proteína conhecida como proteína P. (2,7,8,9) Ao contrário do que ocorre com o albino OCA1, a tirosinase em OCA2 não é alterada, porém está comprometida devido ao funcionamento incorreto da proteína P. Essa proteína, responsável pelo controle do pH, é encontrada na membrana dos melanossomos, organelas celulares onde é armazenada a melanina. O pH melanossomal é de fundamental importância para a atividade da tirosinase. O albinismo oculocutâneo marrom (BOCA) constitui uma categoria de OCA2 exclusiva de africanos e afro-americanos. Acredita-se que esse distúrbio resulte de uma mutação
fraca, que se expressa em atividade reduzida da proteína P. Os cabelos e a pele são castanhoclaros, a íris, cinza e a acuidade visual de 20/60 a 20/150. Com o tempo, o cabelo e a íris escurecem, mas a pele permanece despigmentada. O albinismo oculocutâneo 3 (OCA3), anteriormente denominado OCA vermelho ou rufo, é causado por mutação no gene que codifica
a proteína 1, relacionada à tirosinase (TRP1). Em decorrência da mutação, há uma desregulação da tirosinase, e é sintetizado o pigmento marrom ao invés da melanina preta.
Existem dois tipos de melanina, a eumelanina (preta e marrom) e a feomelanina (amarela e vermelha), e a biossíntese das duas melaninas segue rotas diferentes. A tirosinase está envolvida nos dois primeiros passos da síntese de pigmentos e, a partir da Dopaquinona, a melanina formada pode ser a eumelanina ou a feomelanina (FIGURA 1). Embora a oxidação da tirosina pela tirosinase seja requerida para a síntese de ambos os tipos de pigmentos, a ativação do receptor 1 da melacortina (MC1R) promove a síntese da eumelanina às expensas da feomelanina. Observações em ratos mutantes demonstraram que mutações que envolvem proteína P afetam a produção da eumelanina, mas não da feomelanina. (7) Portanto, a proteína P determina o tipo de melanina que é produzida, o que poderia estar associado à freqüência mais elevada de albinismo oculocutâneo tirosinase-positivo em populações negras.
O albinismo oculocutâneo ocorre na freqüência geral de 1 em 15000 em todos os grupos raciais. (2) Atinge populações de todas as etnias, embora OCA 2 seja mais freqüente em negros. (8,10) O OCA1 ocorre em cerca de um em 40000 indivíduos na maioria das populações. O OCA2 é mais freqüente em afro-americanos e africanos, ocorrendo 1 em 10000 desses indivíduos, enquanto que, em caucasianos, a freqüência é estimada em 1 por 36000. Alaluf e colaboradores (11)quantificaram a expressão de numerosos mediadores da pigmentação humana em diferentes etnias, incluindo tirosina e a proteína 1 relacionada à tirosinase (TRP1). Encontraram pouca variação na quantidade de melanócitos, mas a proteína TRP1 apresentou-se 2,6 vezes mais elevada em africanos e indianos, quando comparada a tipos de pele com pigmentação mais clara. Os autores sugerem que a variação étnica, na expressão da TRP1, indica que essa proteína pode desempenhar um papel significante nas diferenças étnicas e na formação da pigmentação da pele.
O albinismo é um distúrbio estigmatizante, que afeta os portadores e suas famílias. Estudos são escassos em populações brasileiras, e esta investigação teve o objetivo de analisar aspectos genéticos e agravos à saúde decorrentes do albinismo oculocutâneo.
Quadro1: Tipos de albinismo.
Figura 1: Vias metabólicas na síntese
de melanina.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo descritivo por amostragem de conveniência, composta de indivíduos
albinos associados à Associação de Portadores de Albinismo do Estado da Bahia (APALBA), com aprovação da instituição e após a obtenção de consentimento informado, de acordo com as normas bioéticas preconizadas pela Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.
Do total de 200 famílias associadas, 40 (25%) compuseram o grupo amostral do estudo, tomando-se como critério de seleção o interesse e a concordância dos probandos em responder a questionário, respeitando-se os princípios éticos de manutenção da privacidade e sigilo dos entrevistados.
No questionário, foram consideradas as seguintes variáveis:
- Dados pessoais: naturalidade, idade, sexo, estado civil, origem étnica auto definida,
hereditariedade, outros distúrbios genéticos e consangüinidade.
- Albinismo: diagnóstico, expressão, conseqüências e percepção.
- Indicadores sociais: escolaridade, emprego, rendimento e domicílio.
Os resultados obtidos foram expressos em tabelas e gráficos, com utilização do software
Microsoft excel® versão Office 2000.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As características analisadas são descritas no Quadro 2. Comparando-se a origem étnica dos antepassados, verificou-se que 70% dos albinos declararam ascendência negra ou parda, valores semelhantes à distribuição racial no estado da Bahia. Fazem-se necessários estudos populacionais mais abrangentes, com utilização de dados censitários, para confirmar uma possível correlação entre a origem africana e o albinismo, como descrito na literatura para os subtipos OCA2 e OCA3. Entre os albinos, foi registrada uma taxa elevada de anemia falciforme
(5%), o que demonstra uma associação desse grupo com a etnia negra. O diagnóstico do albinismo foi feito de acordo com critérios clínicos e, em 62,5% dos casos, foi reconhecido na infância. Os albinos eram filhos de pais normalmente pigmentados, sendo, entretanto, portadores do alelo recessivo mutante. King et al (4) observam que, na população, cerca de 1 em 70 pessoas pode ser portadora de alelo para o albinismo de caráter recessivo, que não se expressa graças à presença de uma cópia gênica normal para a produção da melanina. A maioria (65%) refere hereditariedade do traço genético, com mais de um caso na família, pela análise mínima de três gerações.
A taxa de consangüinidade de 7,5% pode ser considerada baixa, quando comparada às freqüências de 20 a 30% relatadas na literatura. A Figura 2 compara os danos principais à saúde e o uso de medidas de proteção. A baixa visão foi verificada na totalidade da amostra, em freqüência superior à de 86,8% registrada por Lund e Gaigher. (12) Essas diferenças podem, entretanto, estar associadas à idade, uma vez que o estudo referido foi conduzido com crianças, de 11 a 16 anos, e a presente investigação contempla indivíduos predominantemente adultos.
O estudo evidenciou que uma proporção significante dos albinos que desenvolveram lesões de pele não usava protetores solares, ou usava irregularmente, indicando grave susceptibilidade aos efeitos da radiação solar em regiões tropicais, conforme demonstrado por Hong, Zeeb e Repacholi. (13) Esses autores consideram o albinismo na África como um problema de saúde pública, não apenas pela falta de melanina que torna os afetados prejudicados pela exposição ao sol, mas também pela discriminação social por força da aparência diferente. No presente estudo, quando questionadss sobre a sua percepção sobre o albinismo, 14 pessoas (35%) declaram ser uma característica ruim ou péssima, colocando-se, muitas vezes, como vítima de discriminação, com declarações como: “Sou um ser humano como qualquer outro”, ou “O preconceito vem primeiro da gente”. Entretanto, 30% tinham percepções favoráveis, com muita esperança e posicionamentos como: “Hoje me sinto melhor, pois sei dos meus direitos e luto por eles!”
Lund e Gaigher(12) também referem-se a problemas sociopsicológicos associados ao albinismo na região sub-Saara da África. Observam que 86,8% dos albinos têm menos amigos e 39,5% acham que crianças com albinismo são menos amadas por seus pais; 34,2% gostariam de obter aconselhamento sobre a herança do albinismo. Kromberg e Jenkins (14), verificaram que, de 20 homens e o mesmo número de mulheres albinas, apenas 5 pessoas de cada grupo eram casadas, observando que as atitudes positivas quanto ao albinismo não se estendem a questões de casamento. Os presentes dados não corroboram o referido estudo, visto que um total de 15 pessoas (37,5%) eram casadas ou viviam em uniões consensuais, estimativas mais favoráveis, em termos de inclusão social.
CONCLUSÕES
A investigação mostrou uma maior proporção de pessoas albinas vivendo em precárias condições socioeconômicas e com demanda de serviços sociais e de saúde, evidenciando a falta
de assistência aos afetados. O interesse por esclarecimentos genéticos indica também a necessidade de direcionar estudos para a implementação de testes laboratoriais com técnicas de biologia molecular que permitam identificar diferentes formas de albinismo oculocutâneo entre famílias afetadas e, assim, contribuir para o aconselhamento genético, nos casos hereditários ou em eventuais casamentos entre albinos, como já registrado na literatura.
Os resultados deste trabalho descrevem a realidade de muitos albinos residentes em um estado nordestino, sendo recomendadas outras investigações, com diferentes grupos populacionais, para melhor compreensão da situação do albino no Brasil. Mesmo com as limitações da visão e riscos de câncer de pele, os indivíduos albinos podem viver normalmente, se receberem apoios e recursos apropriados. Essa constatação indica a necessidade de implantação de políticas públicas e de um novo modelo de intervenção na saúde e melhoria na qualidade de vida dos albinos, em que é fundamental a prevenção dos efeitos danosos da radiação, que é mais grave em regiões tropicais como o estado da Bahia.
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REFERÊNCIAS
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4 KING, R.A.; WITKOP, C.J. Detection of heterozygotes fot tyrosinase-negative oculocutaneous albinism by hairbulb tyrosinase assay. Am. J. Hum. Genet., Chicago, v.29, p.164-168, 1977.
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12 LUND, P.M.; GAIGHER, R. A health intervention programme for children with albinism at a special school in South Africa. Health Educ. Res., Oxford, v.17, n.3, p.365-372, June 2002.
13 HONG, S.E.; ZEEB, H.; REPACHOLI, M.H. Albinism in Africa as a public health. BMC Public Health, London, v.6, p.1-7, 2006.
14 KROMBERG, J.G.R.; JENKINS, T. Albinism in the South African negro III: Genetic Counselling issues. J. Biosoc. Sci., Cambridge, UK, v.16, p.99-108, 1984.
15 TREVOR-ROPER, P.D. Marriage of two complete albinos with normally pigmented offspring. Br. J. Ophthalmol., London, v.36, p.107-108, 1952.
(Encontrado em http://www.cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/PDF6/artigo_9.pdf )
Olá Roberto (Posso chamá-lo assim...)
ResponderExcluirTenho este artigo e, por enquanto, foi o único que encontrei falando especificamente so albinismo. Espero que os contatos possam suprir esta minha carência...
Abraços.
Bella