terça-feira, 26 de maio de 2009

DOSSIÊ MOÇAMBIQUE

Portadores de albinismo: Experiência de segregação narrada na primeira pessoa

A VIDA de portadores de albinismo, uma anomalia que resulta da falta de pigmentação, tem sido marcada ao longo de anos por um misto de segregação, que vai desde a estigmatização, passando pela falta de acesso a cuidados básicos de saúde, progressão no ensino e ainda o acesso ao emprego. Nalguns casos o abandono acontece no seio familiar. Contudo, ainda que esporádicos, existem também exemplos de conquistas e sucessos na vida profissional e não só. Recentemente, o Ministério da Saúde realizou na capital do país um encontro tido como inédito, pois do que se tem na memória não há relato de um acto similar a nível do governo. Os participante tiveram a oportunidade de expressar as suas mágoas no dia-a-dia. O ministro ouviu, ficou motivado e prometeu fazer algo para que parte dos problemas sejam minimizados num futuro não distante, tendo prometido igualmente, proporcionar informação básica sobre o fenómeno de que muitos cidadãos estão privados. A nossa Reportagem ouviu alguns cidadãos, entre pais e testemunho de uma portadora.
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Janeiro de 2009:: Notícias

HÁ FALTA DE INFORMAÇÃO - ANA GABRIELA LOPES EUGÉNIO
ANA Gabriela Lopes Eugénio, professora, considera de sério o problema de falta de acesso a cuidados básicos de saúde com que se confrontam muitos concidadãos a braços com a falta de pigmentação. Para ela, o problema reside fundamentalmente na falta de informação.
“Felizmente, não tenho sentido na pele os problemas de estigmatização, mas a medir pelo número de pessoas que me têm procurado para pedir conselhos sobre cuidados a ter com a pele acredito que há um grande défice de informação”, disse.
Professora, casada e mãe de uma filha, Ana Gabriela dá se por uma mulher feliz porque os complexos da cor da pele não têm espaço no seu ego. Teve sempre apoio no meio familiar. Na escola, sobretudo durante a infância, um e outro colega fez troça da sua situação, facto que a incomodou, naturalmente, mas que conseguiu superar graças ao conselho dado pelos pais no sentido de saber conviver com a anomalia.
“Nalgum momento esqueço-me até da cor que a minha pele têm e isso só me vale bastante porque em qualquer meio eu me insiro facilmente. Sou extrovertida, muito influente mas não pela minha característica mas sim pela auto-estima”, explicou.
Na família, Ana Gabriela conta que em nenhum momento sentiu um tratamento diferente, embora chegou a pensar que seus pais castigavam-na porque ela era privada de muita coisa, desde desfrutar da praia, consumo de mariscos, citrinos e muitos passeios, o que segundo ela acontecia porque seus pais tinham alguma informação. “Era uma forma de me proteger. Aliás, todas as pessoas da minha cor deveriam seguir estas práticas”, realça.
A nossa entrevistada é professora na Escola Secundária Emílio Guebuza, namora há 10 anos e casada há dois. Do casamento nasceu uma menina de um ano com uma pele escura. Na sua relação afectiva nunca houve espaço para discriminação.
Um dos problemas comuns nas famílias com filhos albinos tem sido a separação de casais, alegadamente porque as esposas são as culpadas pela situação, um posicionamento que regra geral encontra eco nos familiares dos esposos. Sobre como Ana foi recebida na família do seu marido, tendo em conta que ele tem pele escura ela disse não ter se apercebido de algum sinal de segregação, mesmo no tempo de namoro.

GERAR ALBINOS VALEU-ME O FIM DO CASAMENTO - DULCE MARIA
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Janeiro de 2009:: Notícias
DULCE Maria é uma mulher de 42 anos de idade, grande parte dos quais vividos no meio da amargura. A sorte virou-lhe as costas e até ao momento ela e seus filhos vivem de favores de familiares. A vida de Dulce muda de rumo há 14 anos quando viu o seu casamento a terminar, tudo porque em três gestações deu à luz a crianças portadoras de albinismo.
Conta que os anos de vigência do seu casamento foram marcados por momentos turbulentos, pois logo na primeira gestação deu à luz duas crianças um albino e outra escura. O seu marido começou a dar-lhe um tratamento diferente. O albino tinha sérios problemas de pele, facto que fez com que mesmo a sua sogra não desse o cuidado que uma avó dedica a um neto. “Nem sequer dava banho e muito menos pegar na criança. Foram momentos extremamente difíceis, mas sozinha consegui superar. Infelizmente a criança acabou falecendo”, disse.
A nossa entrevistada conta que passado um espaçamento engravida pela segunda vez e, o fruto dessa gravidez foi, pela foça dos genes, o segundo albino, o que teria complicado a situação. Já a terceira gestação e última da qual nasceu outro albino marcou o fim de uma relação de 14 anos.
“Estou separada há 14 anos. Ele está em Inhambane e eu cá em Maputo a viver na casa de um tio que tem dado assistência a mim e aos meus dois filhos, porque um dos três, por sinal o mais velho, ficou lá em Inhambane. O pai impede-o de qualquer aproximação comigo”, conta com tristeza no rosto.
Conta que agora passa privações e o agravante é que o seu ex-marido não a quer ver perto do filho mais velho. “A única forma de eu me comunicar com ele é por via do telefone”.
Dulce Maria diz a não haver na sua família, história de albinismo. Contudo, não tem a mesma informação sobre se na do esposo existam ou não, restando-lhe apenas carregar uma culpa que provavelmente não seja dela.
O consolo da senhora é que o seu tio e a sua mãe apoiam-na e os dois filhos estão a estudar muito bem, apesar de terem problemas de visão e terem dificuldades na leitura, sobretudo quando estão a uma distância das letras.


TENHO ORGULHO DAS MINHAS FILHAS - FELISMINA AUGUSTO
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Janeiro de 2009:: Notícias
COM duas filhas portadores de albinismo, Felismina Augusto pode hoje dar-se por orgulhosa por ter as meninas a gozar de boa saúde e com uma beleza de invejar a qualquer um, facto que se deve à obra de caridade das missionárias em serviço no Centro de Saúde da Polana-Caniço, próximo da sua zona residencial.
Conta nos a sua história na primeira pessoa: Quando tive a minha primeira filha albina o meu marido foi ao hospital para vê-la e não se conteve quando deparou com algo que ía contra as suas expectativas e questionou: é isso que queres levar para casa? Chegou a insinuar que eu deixasse a criança no hospital, o que não acatei, tendo de seguida levado a menina para casa.
Felismina Augusto recorda com tristeza a reacção do seu marido e o tratamento que passou a ter de seguida porque, segundo ela, nada foi igual para ela. “Quando nasceu a segunda menina, mesmo tendo tido algum tempo de convivência com a primeira, ele não reflectiu melhor e/ou conformar-se com o que Deus nos havia dado, a reacção foi igual à primeira. Ele dirigiu-se a mim agressivamente e nestes termos, como se eu tivesse encomendado nalgum lugar, uma criança albina. Outra vez? Como é que vou passear com ela e ter coragem de mostrar meus amigos? Mas sabendo o que me custou ter estas crianças de forma alguma daria ouvidos a ele e lutei. Graças a Deus, com ajuda que tive, hoje são adolescentes e gozam de boa saúde.
Conta que com o apoio das irmãs de caridade do Centro de Saúde da Polana-Caniço foi possível ter uma boa assistência e conselhos que ditam a beleza que tanto é elogiada e para completar elas estão a estudar e muito bem.
Conta que o único problemas das suas filhas está na visão. Elas não têm óculos de vista.
E têm tido dificuldades para ler o que estiver distante. Na escola sentam-se sempre na primeira fila para conseguirem acompanhar as aulas devidamente.
Diz com satisfação que no bairro da Maxaquene, onde ela vive, e mesmo na rua, as pessoas elogiam-na bastante pelo aspecto das suas filhas e perguntam sempre o que ela faz. “Eu não dou mariscos porque alguém me disse que não era aconselhável e tomo outros cuidados”.

CUIDADOS DA PELE
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Janeiro de 2009:: Notícias
A PELE de uma pessoa portadora de albinismo necessita de muitos cuidados, pois caso contrário ela ficará sempre com lesões. Sobre o que a professora Ana Gabriela faz para não ter problema similar é o uso do chapéu de palha que proteja não só a cabeça como também os ombros e os braços, do sol.
“Desde pequena tive cuidados em termos de alimentação. Acredito que muitos concidadãos com problemas similares, e sem informação, trabalham debaixo do sol sem protecção, levam suas crianças à praia, machamba, etc.. Quando se consegue mariscos para uma refeição é o que toda a família consome, incluindo um portador do albinismo, o que não é aconselhável. Quando a família trabalha na machamba todos os filhos terão naturalmente que ajudar e quando aparecem manchas no corpo de um albino são tidas como normais e alega-se a natureza do indivíduo.”
No tocante a cuidados médicos, Ana Gabriela disse haver problemas sérios, a medir pelos relatos dos seus colegas que muitas vezes têm sido receitados cremes bastante onerosos e por conseguinte não conseguem comprá-los. “É que os cremes recomendados a pessoas portadoras de albinismo são extremamente caros”, exemplificou.

O QUE É ALBINISMO
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Janeiro de 2009:: Notícias
A PALAVRA albinismo deriva do latim albus (branco), e significa incapacidade de um indivíduo ou animal de fabricar um pigmento denominado melanina (do grego melan, que significa negro), que dá cor à pele e protege da radiação ultravioleta tanto do sol como de qualquer dispositivo artificial, como as câmaras de bronzeamento artificial.
Ela é responsável por dar a cor ao cabelo, olhos e pele, protege da radiação do sol e de qualquer outro dispositivo artificial do género. Por isso os albinos geralmente têm o cabelo e a pele brancos em razão da falta do pigmento. A íris fica rosa e a pupila bem vermelha, pois é o reflexo do sangue.
As pessoas ou animais com albinismo têm muito pouca ou nenhuma pigmentação nos olhos, pele ou cabelo. Os cabelos as sobrancelhas e as pestanas são totalmente brancas ou de um amarelo muito pálido, a tez é extremamente clara e os olhos podem chegar a ser rosados. A despigmentação com que nascem não se modifica com a idade.
O albinismo é causado por diferentes alterações dos genes, essa disfunção é universal e afeta tanto a mulher como o homem, além dos animais. A pessoa albina deve evitar ficar exposta por muito tempo ao sol ou a qualquer luz muito forte, porque tem mais chances de ter problemas nos olhos cancro da pele. O albinismo é mais frequente entre negros.


UNICEF DEFENDE DIREITOS DOS ALBINOS
Maputo, Quinta-Feira, 8 de Janeiro de 2009:: Notícias
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) lançou recentemente um apelo para a adopção de uma acção concertada para travar a recente onda de assassinatos de albinos na Tanzania, e conduzir os principais responsáveis à Justiça.
Um comunicado de imprensa publicado no portal das Nações Unidas refere que “o UNICEF condena estes actos hediondos, que constituem uma violação sistemática dos direitos humanos individuais e que devem ser tratados de uma forma vigorosa”.
Informações da Associação dos Albinos da Tanzania referem que mais de 35 albinos foram assassinados durante o ano transacto sendo provável que muitas outras mortes tenham ficado por reportar.
Apesar das inúmeras campanhas de educação cívica, os sacrifícios humanos de albinos, ainda constituem uma prática muito frequente em várias regiões de África.
Aliás, em vários países africanos não constitui surpresa encontrar uma notícia no jornal reportando o assassinato de um albino.
Na Tanzania regista-se um recrudescimento de assassinatos de albinos. Por isso, as autoridades locais já prometeram lançar uma campanha contra os curandeiros, que são acusados de estarem por detrás dos assassinatos.
A população albina na Tanzania ameaça abandonar o país e procurar refúgio noutros países se as autoridades forem incapazes de controlar a onda de assassinatos contra este grupo populacional.
Esta prática brutal de assassinar membros da comunidade albina para a extracção de partes do seu corpo para a produção de poções magicas e amuletos para a “acumulação de riqueza” já se alastrou até ao vizinho Burundi, onde vários albinos, incluindo crianças, foram assassinados durante os últimos meses.
As autoridades tanzanianas já detiveram 173 suspeitos, incluindo cinco mulheres da Polícia, em conexão com os assassinatos e estão a oferecer protecção aos albinos em todo o país.
Recentemente, o Presidente tanzaniano, Jakaya Kikwete, condenou publicamente estes actos, tendo exortado para uma penalização mais severa dos assassinos.
O UNICEF manifestou a sua satisfação com a adopção destas medidas, mas exige a ajuda do sistema judiciário, os média, os líderes religiosos e políticos para a erradicação destas práticas supersticiosas que incitam os assassinatos.
Aquele organismo das Nações Unidas tenciona igualmente trabalhar com o Governo tanzaniano, agências das Nações Unidas na Tanzania e outras partes interessadas “para assegurar que os albinos, à semelhança de outros cidadãos, desfrutem do seu direito fundamental à vida, liberdade e protecção”. – AIM
ANABELA MASSINGUE

(Encontrado em http://www.jornalnoticias.co.mz/pls/notimz2/getxml/pt/contentx/406142)


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