Elizabeth Gaskell foi a romancista que mais próxima chegou de Charles Dickens quando o assunto era escrever sobre os paradoxos e detalhes da experiência urbana. Mas isso não significa que os dois autores tenham o mesmo significado e dito a mesma coisa. As cidades de onde e sobre a qual escreviam com mais freqüência, eram bem distintas: Londres, no caso de Dickens e Manchester, no caso de Gaskell. A última localiza-se no norte da Inglaterra e, durante boa parte do século XIX situou-se no centro dos conflitos industriais explícitos. Não que em Londres não existissem conflitos industriais, mas em Manchester estes eram muito mais concentrados e acirrados pelo fato de uma porcentagem muito maior da população dedicar-se apenas á atividade industrial, contrariamente à miríade de ocupações existentes na capital do reino.
A dicotomia entre um sul mais aristocrático e rural e um norte mais burguês e industrial aparece com força no romance North and South, publicado entre 1854-5, por Gaskell. A jovem Margaret Hale, acostumada à tranquilidade dos campos sulistas é forçada a se mudar para a cinzenta e suja Manchester (disfarçada sob o nome de Milton), bem no coração da agitação operária e constante fuligem de algodão do norte. Lá, conhece o industrial John Thornton. No começo os dois se estranham, mas durante o romance um vai vencendo os preconceitos regionais e de classe que os separavam até o inevitável final feliz do folhetim, que não se furta a apresentar herança inesperada, mal entendidos e quase todos os ingredientes da fórmula.
Há pouco, terminei de ver a adaptação pra TV feita pela BBC em 2004. As diferenças entre sul e norte são bastante bem mostradas, como o choque que a puritaninha Margaret leva no princípio quando Thornton lhe estende a mão. Homens e mulheres não se davam apertos de mão no mundo da classe-média metida a elegante ao redor e em Londres. Também aparece com força a dura situação em que viviam os operários, sob péssimas condições de vida, além do preconceito de ambos os lados: Margaret no fundo desprezava a atividade comercial e industrial de Thronton e este desprezava o estilo cavalheiresco, ou o que restava dele, do sul.
Obviamente, não poderia deixar de haver falhas como a idealização cênica do sul. Esses filmes que mostram a vida no campo como tão tranquila e arcádica se esquecem de que existem trabalhadores que dão o sangue pra que tudo aquilo seja verdejante. E o que dizer da constante nuvem de algodão da tecelagem de Thornton, que jamais deixava a sobrecasaca do moço branquinha de fuligem?
De qualquer modo, a adaptação é competente, mas dessa vez tenho mais senões do que costumeiramente. Os 2 primeiros capítulos são um pouco lentos e a ação folhetinesca acontece com força mesmo nos 2 últimos. É que nesses 2 primeiros a série se debruça mais na descrição da vida dos trabalhadores, na preparação duma greve, suas conseqüências etc.
O pessoal do guarda-roupa devia estar em greve ou sem verba porque Margaret passa a minissérie praticamente toda com um vestido e um chapéu apenas! Onde quer que ela vá está sempre com a mesma roupa (também sem resquícios de algodão, afinal ela é a heroína) e o mesmo chapéu. Tudo bem que o norte da Inglaterra deve ser friozinho e talvez não se transpire tanto, mas com esse guarda-roupa tão restrito não deu pra não imaginar o cheirinho da loló da indumentária. Bluergh!
Entretanto, pra variar a trilha sonora é deslumbrantemente linda. Ouçam um trecho da música de abertura. A cena do vídeo é a primeira vez que Margaret adentra a tecelagem e a descreve como um “inferno branco”. Plasticamente esses fiapos de algodão flutuando podem até serem bonitos, mas imaginem os pulmões dos pobres dos operários.
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