sábado, 18 de julho de 2009

O INFERNO SARTREANO NA ARGENTINA

Roberto Rillo Bíscaro

Certa vez, durante um chic jantar em Buenos Aires, um amigo argentino também muito chic (ou cheto, como dizem por lá) me relatou que o primeiro local do planeta onde o diretor Ingmar Bergman havia feito sucesso fora na Argentina. Segundo o portenho, a febre então se espalhou pelo resto do mundo. Se é que Bergman alguma vez tenha sido febre... Não sei porque essa anedota veio à minha cabeça quando decidi ver a versão cinematográfica argentina pra Huis Clos, originalmente escrita pro teatro pelo francês Jean Paul Sartre, em 1944. A adaptação argentina é de 1962 e mantém o título original francês, que em português recebe o nome de Entre Quatro Paredes.

3 personagens se digladiam numa sala-de-estar no inferno. Sim, o inferno sartreano é uma sala de estar burguesa, especificamente decorada para lembrar o Segundo Império. E isso é muito importante, embora alguns gostem de dizer que a peça é apenas sobre relacionamentos entre indivíduos, sobre a “existência” e não trata dessas questões “meramente” políticas, transcendendo-as. Se não tratasse, por que Sartre fez questão de dizer aos montadores que a maldita sala tinha que lembrar o período do Segundo Império??!! Pra quem não se lembra o Segundo Império francês foi o período da consolidação burguesa como classe não mais revolucionária. Engraçado como os “moderninhos” gostam de se esquecer de 1848... É que certamente esses “moderninhos” sequer sabem da existência do livro L'IDIOT DE LA FAMILLE, a biografia do Flaubert, escrita por Sartre e que fornece pistas importantes pra sacar sobre o que realmente o filósofo francês estava falando no seu Huis Clois. Embora seja realmente um grupo de gente se machucando durante cerca de uma hora (no filme, um pouco mais) – e eu deva confessar que já passei da época de ter muito saco pra essas coisas – a peça vai muito mais fundo do que em apenas problemas meramente pessoais.

A montagem argentina pra cine perde a pista sobre a sala decorada à moda do Segundo Império, mas isso certamente deve ocorrer com a maioria das montagens, inclusive, e especialmente, pra teatro. Desse modo, a impressão que se tem é de um monte de gente com histórias algo aberrantes e que gritam muito e riem muito histericamente. O senso de isolamento e confinamento da peça – Huis Clos significa Sem Saída – é diluído com a inclusão de flashbacks que dão conta da história pregressa das 3 personagens que foram parar no inferno com cara de quarto de hotel. Em termos cinematográficos, no entanto, isso deixa a película um pouco menos arrastada do que seria, caso as personagens apenas narrassem os motivos que as jogaram pro andar de baixo. Ou seja, o filme tem seus problemas específicos quando quis transferir pra outro veículo uma peça tão asfixiante como a de Sartre. Mas a obra do filósofo também tem seus pontos “sem saída”, basta ler a ótima análise que dela faz o Peter Szondi.




Um comentário:

  1. Lucas Martins Stigliano1 de julho de 2010 às 13:34

    ficou bárbaro o texto Robert, infelizmente só fui vê-lo hoje; já tinha lido uma "sinopse" da peça, gostaria de saber de você tem ela na íntegra, e se possível me enviar!
    Parabéns pelo ótimo blog. Sucesso!

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