Roberto Rillo Bíscaro
Certa vez, durante um chic jantar em Buenos Aires, um amigo argentino também muito chic (ou cheto, como dizem por lá) me relatou que o primeiro local do planeta onde o diretor Ingmar Bergman havia feito sucesso fora na Argentina. Segundo o portenho, a febre então se espalhou pelo resto do mundo. Se é que Bergman alguma vez tenha sido febre... Não sei porque essa anedota veio à minha cabeça quando decidi ver a versão cinematográfica argentina pra Huis Clos, originalmente escrita pro teatro pelo francês Jean Paul Sartre, em 1944. A adaptação argentina é de 1962 e mantém o título original francês, que em português recebe o nome de Entre Quatro Paredes.
3 personagens se digladiam numa sala-de-estar no inferno. Sim, o inferno sartreano é uma sala de estar burguesa, especificamente decorada para lembrar o Segundo Império. E isso é muito importante, embora alguns gostem de dizer que a peça é apenas sobre relacionamentos entre indivíduos, sobre a “existência” e não trata dessas questões “meramente” políticas, transcendendo-as. Se não tratasse, por que Sartre fez questão de dizer aos montadores que a maldita sala tinha que lembrar o período do Segundo Império??!! Pra quem não se lembra o Segundo Império francês foi o período da consolidação burguesa como classe não mais revolucionária. Engraçado como os “moderninhos” gostam de se esquecer de 1848... É que certamente esses “moderninhos” sequer sabem da existência do livro L'IDIOT DE LA FAMILLE, a biografia do Flaubert, escrita por Sartre e que fornece pistas importantes pra sacar sobre o que realmente o filósofo francês estava falando no seu Huis Clois. Embora seja realmente um grupo de gente se machucando durante cerca de uma hora (no filme, um pouco mais) – e eu deva confessar que já passei da época de ter muito saco pra essas coisas – a peça vai muito mais fundo do que em apenas problemas meramente pessoais.
A montagem argentina pra cine perde a pista sobre a sala decorada à moda do Segundo Império, mas isso certamente deve ocorrer com a maioria das montagens, inclusive, e especialmente, pra teatro. Desse modo, a impressão que se tem é de um monte de gente com histórias algo aberrantes e que gritam muito e riem muito histericamente. O senso de isolamento e confinamento da peça – Huis Clos significa Sem Saída – é diluído com a inclusão de flashbacks que dão conta da história pregressa das 3 personagens que foram parar no inferno com cara de quarto de hotel. Em termos cinematográficos, no entanto, isso deixa a película um pouco menos arrastada do que seria, caso as personagens apenas narrassem os motivos que as jogaram pro andar de baixo. Ou seja, o filme tem seus problemas específicos quando quis transferir pra outro veículo uma peça tão asfixiante como a de Sartre. Mas a obra do filósofo também tem seus pontos “sem saída”, basta ler a ótima análise que dela faz o Peter Szondi.
ficou bárbaro o texto Robert, infelizmente só fui vê-lo hoje; já tinha lido uma "sinopse" da peça, gostaria de saber de você tem ela na íntegra, e se possível me enviar!
ResponderExcluirParabéns pelo ótimo blog. Sucesso!