A proposta do blog não é apenas coletar e coligir dados extraídos de outros sites e fontes. Sempre que possível, procuro produzir nosso próprio material. No mais das vezes, isso ococrre quando relato minhas experiências pessoais ou no caso - infelizmente ainda raro - de algum albino relatar sua história. Também tenho aproveitado oportunidades pra entrevistar pessoas ligadas a questões pertinentes ao assunto central do blog.
Foi o que ocorreu recentemente quando enviei uma série de questões à Profa. Dra. Lilia de Azevedo Moreira, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), valiosa colaboradora da APALBA. Lilia gentilmente atendeu meu pedido e abaixo está o resultado. Obrigado à professora Lilia pela excelente entrevista.
DR. ALBEE: Em primeiro lugar gostaria que você se identificasse para os leitores: nome, onde trabalha, em que área de pesquisas atua etc.
DRA. LILIA: O meu nome é Lilia Moreira. Sou bióloga e geneticista, com doutorado na USP, onde iniciei meus estudos em Genética Humana e Citogenética, que atualmente continuo desenvolvendo. Sou professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde coordeno o Programa Genética na Prática Social (Genética em Articulação com a Sociedade).
DR. ALBEE: Há um artigo seu e de seu grupo de pesquisa publicado no blog. Quando e como nasceu o interesse em desenvolver trabalho acadêmico voltado para a questão do albinismo?
DRA. LILIA: Iniciei a pesquisa acadêmica sobre o albinismo em decorrência do trabalho realizado no Programa Genética na Prática Social, em que atendemos indivíduos e famílias da comunidade geral, para a realização de exames genéticos, esclarecimentos sobre diferentes afecções genéticas e orientação sobre riscos reprodutivos.
DR. ALBEE: É impressão minha ou o albinismo na academia é meio invisível como na sociedade em geral?
DRA. LILIA: Também concordo! Acredito que a falta de pesquisas científicas pode explicar porque, neste novo século, ainda persiste a falta de conhecimentos sobre o albinismo e esta falta de conhecimentos é um estímulo para a manutenção de superstições e mitos. Não se levando em conta trabalhos iniciais no âmbito da Genética Humana, desenvolvidos em meados do século passado, a maioria das publicações atuais, em termos da literatura mundial, tem sido referente à população africana. Estudo sobre o albinismo na África como uma questão de saúde pública, publicado no periódico BMC Public Health em 2006 (http://www.biomedcentral.com) faz uma revisão da literatura cientifica disponível, encontrando inicialmente 306 publicações. Retirando notícias, resumos ou artigos incompletos, restaram apenas 15 publicações! Em língua portuguesa, são também pouquíssimos os trabalhos científicos completos, publicados em periódicos indexados.
DR. ALBEE: Como você entrou em contato com a APALBA e qual a natureza da sua atuação neste grupo?
DRA. LILIA: Em 2005, orientei em nosso Programa Genética na Prática Social uma jovem mãe, com dois filhos albinos, e ela me convidou para realizar uma palestra na APALBA, Associação de Portadores de Albinismo do Estado da Bahia, fundada em 15 de março de 2001, da qual a mesma participava. Atendi ao convite e constatei o interesse da associação por alternativas positivas de luta pela causa do albinismo, entre as quais o conhecimento científico. Assim, durante cerca de um ano proporcionamos a cerca de 40 famílias, da capital e do interior da Bahia, esclarecimentos sobre o albinismo e, ao final, com o consentimento das famílias e da associação, registramos os dados que nos pareceram mais relevantes, no primeiro dos trabalhos escritos por nossa equipe, sobre o albinismo: “O perfil do albinismo oculocutâneo na Bahia” publicado na Revista de Pesquisas Médicas e Biológicas da UFBA, em 2007. Para a realização deste e de outros estudos que tem resultado em publicações científicas, tenho contado com a valiosa parceria da Dra. Shirlei Cristina Moreira, médica dermatologista, funcionária do Ministério da Saúde e Membro Fundador da APALBA, além dos nossos estudantes, estagiários do Laboratório de Genética Humana e Mutagênese.
DR. ALBEE: Já vi vários indicativos de que certas regiões apresentam maior porcentagem de pessoas com albinismo do que outras. Isso realmente procede? Se sim, existe uma explicação científica?
DRA. LILIA: Sim, o albinismo oculocutâneo (OCA) é uma característica presente em todas as etnias, sendo estimado que 1 em 17000 pessoas apresente uma das diferentes formas de albinismo. Entretanto, enquanto o OCA 1 (Albinismo oculocutâneo tirosinase negativo: sem formação de melanina) ocorre em cerca de 1 em 40000 pessoas na maioria das populações, a freqüência do OCA2 (Albinismo oculocutâneo tirosinase positivo: com formação de pequena quantidade variável de melanina), é bem maior na etnia negra. Em negros afro-americanos ocorre na proporção de 1 em 10000 enquanto que em caucasianos, em cerca de 1 por 36000 pessoas. Estes dados explicam porque embora não haja estatísticas oficiais, presume-se que exista um número maior de albinos em estados como a Bahia, com maior ancestralidade africana ou em algumas comunidades remanescentes de quilombos.
DR. ALBEE: Uma questão que às vezes vem à tona é se o albinismo é uma doença. Como vocês da área científica o denominam?
DR.A. LILIA: Eu, pessoalmente, considero o albinismo como uma condição genética que pode ocasionar problemas à saúde, mas a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão (CID-10) lista o albinismo entre as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, no seu Capitulo IV.
DR. AlBEE: Tenho lido diversos textos que tratam o albinismo como “mutação”, distúrbio etc. Esses termos, de alguma forma, não poderiam contribuir para uma visão negativa do albinismo? Digo, se o albinismo fosse tratado como “característica genética” e não como mutação, por exemplo, isso não poderia contribuir para desestigmatizar um pouco a imagem que muitos possuem sobre a falta de pigmentação?
DRA. LILIA: Concordo com o seu ponto de vista e até por isso mesmo sempre me refiro ao albinismo como uma condição genética!
DR. ALBEE: Parece-me que a Bahia é o estado mais avançado em termos de direitos e proteção às pessoas com albinismo. Você poderia nos dizer quais as conquistas das pessoas com albinismo no seu estado e também se tais medidas realmente funcionam na prática.
DRA. LILIA: As conquistas alcançadas devem-se à APALBA, entidade que reúne mais de 200 associados com albinismo e que desenvolve um programa de trabalho que tem permitido transformar a exclusão social que muitas pessoas com albinismo enfrentam. Entre os benefícios às pessoas com albinismo, já efetivados neste Estado estão o passe livre, a distribuição gratuita de protetor solar e o Benefício de Prestação Continuada da Previdência Social (BPC), às pessoas com albinismo que apresentem visão subnormal ou baixa visão, após perícia médica, se a situação estiver de acordo com os critérios das leis correspondentes.
DR. ALBEE: Que medidas deveriam ser tomadas, em âmbito nacional, a fim de proporcionar melhor qualidade de vida ás pessoas com albinismo?
DRA. LILIA: Inicialmente, seria excelente se as conquistas alcançadas pela APALBA, que estão de acordo com as disposições do Decreto Federal 5296/04, que estabelece normas gerais e critérios básicos para o atendimento e promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência, fossem extendidas para os demais Estados. Alem disso, a aprovação final do Projeto de Lei 3638/04 que assegura aos albinos os direitos básicos nas áreas de educação, saúde e trabalho, traria uma grande contribuição à qualidade de vida da pessoa com albinismo.
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
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Li com muita satisfação a entrevista com a Dra. Lilia Moreira. Além de ser grande conhecedora do Albinismo, suas causas e consequências, ela vivencia o dia a dia dessa população um pouco esquecida pela sociedade. Conheço a Dra. Lília e todo o trabalho que ela vem realizando na Bahia.
ResponderExcluirAproveito a oportunidade para parabenizá-la e agradecer por nos dar tantas informações a respeito do assunto.
Abraços
Maria Odete Moschen
Vitória- ES
Ótima entrevista, perguntas muito bem elaboradas e esclarecedoras é esse tipo de informação que a população necessita para conhecer melhor o assunto
ResponderExcluirvivemos em uma sociedade em que o humano tornou-se secundario. a busca desenfreada por prestigio social, status, bens materiais tem nos afastado de questoes tao importantes quanto esta dos problemas enfrentados pelos portadores de albinimo. adorei as informacoes e desejo ter mais informacoes sobre este assunto. sou professora talvez possa contribuir para quebrar os preconceitos.
ResponderExcluirOla Boa Noite, venhor por meio deste primeiramente agradecer de todas as formas cabiveis esta grande entrevista com profissionais totalmente conehcedeores do tema tao significante e eficaz para nossa sociedade que ainda esta aquem dos problemas relacionados ao Albinismo. Sou portador do Albinismo, sou Sociologo e gostaria que por favor Professor vc entrasse em contato comigo pois tenho um grande proejto e gostaria muito de coloca lo em pratica este ano meu email para contato é projetocultural@hotmail.com agradeço o espaço aqui proposto e parabens pelos seus trabalhos
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