Na manhã seguinte à publicação da matéria na Folha de São Paulo, recebi email dum albino, parabenizando-me pelo trabalho em prol da causa albina. Trocamos alguns emails e finalmente nos falamos por telefone num sábado. Não antes de ter ligado um par de vezes sem ter me achado em casa. Semestre passado, sábado era meu dia mais atribulado em termos de lecionar: ficava fora de casa geralmente das 8 da manhã às 3 da tarde.
Quando finalmente conseguimos nos falar, Miguel, com voz simpática e muito desembaraçado, atendeu a meu pedido e decidiu compartilhar conosco um pouco de sua história.
Agradeço à disponibilidade e generosidade do Miguel em contribuir pra causa albina. São ações dessa natureza que ajudam a propagar nossas experiências e chamar a atenção pra nossos problemas e necessidades.
História do Miguel
Olá, meu nome é Miguel José Naufel. Moro em Mococa, S.P. Sou um portador de albinismo. Tenho 50 anos. Nasci em 07/01/1959.
Na minha infância, comecei a perceber que era diferente das outras crianças porque usava óculos de lentes grossas, cor verde escura, tinha cabelos brancos, pele clarinha, cor de rosas. Os apelidos eram muitos: cotonete, vovô, branca de neve, Papai Noel, ceguinho e muito mais. Não podia jogar futebol, não podia brincar de pega-pega, não podia nadar porque o cloro das piscinas me fazia mal .Na adolescência, as coisas se complicaram pois as meninas fugiam de mim. Lembro-me que, devido a minha baixa visão, não podia copiar as lições do quadro-negro; então, tinha que pedir um caderno de alguém da classe. Quando chegava em casa, minha mãe copiava as lições em letras grandes nos meus cadernos. Algumas aulas eu gravava em fitas k7, pois tenho boa memória auditiva. Quando pedia um caderno emprestado, o que era normal, minha mãe dizia: “peça a uma menina, a letra delas é melhor para entender.” Aí era um problema, elas sempre negavam. Eu sofria com a rejeição das mulheres. Quando completei 17 anos, tive que me apresentar ao exercito. Sabia que iria ser dispensado, mas teria que passar pelo exame médico. No dia de me apresentar no quartel havia mais de 80 jovens e o sargento gritou: “todos sem roupa! Fiquem em fila.aí.” Atrás de mim, havia um crioulo enorme e ai começou a gozação ... Quando chegou minha vez, o sargento me chamou e disse: “Naufel, o que está escrito mo quadro- negro?” Eu respondi: “Onde está o quadro?” ,foi um risada só. Claro que fui dispensado de servir o exército. Bem esta é uma de muitas historias que vivi.
Em 1995, me animei com os computadores e resolvi fazer algo pela causa dos albinos. Prestei vestibular na UNIP, campus São José do Rio Pardo, afinal, os computadores poderiam me ajudar a cursar direito. Na inscrição pedi os exames em letras ampliadas ou um leitor; e assim passei no vestibular. Cursei 3 semestres e durante todo este tempo protocolei pedidos de bolsa, alegando que devido a minha baixa visão, não me encaixo no mercado de trabalho. Não obtive resposta da faculdade, e, um belo dia ao chegar no campos, haviam instalado roletas na porta do prédio e quem estivesse com a mensalidade atrasada não poderia mais frequentar as aulas. Assim, acabou o meu sonho.
Hoje, tenho dificuldade de me encaixar no mercado de trabalho devido à baixa visão. Contribuí por alguns anos com a previdência social e estou numa luta para me aposentar. A vida me deu grandes lições; vivo em paz com o mundo e com todos. Sou muito espiritualista. Se eu não sofresse de albinismo não teria a compreensão da vida como tenho hoje.
Quanto ao protetor solar, aqui em Mococa é muito quente e eu não tenho saído muito durante o dia, então tenho usado muito pouco. Protetor solar é muito caro.
Miguel José Naufel, Mococa, SPMiguel76@itelefonica.com.br
Miguel_naufel@hotmail.com
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
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Infelizmente ser diferente ainda causa repulsa. Sou prova viva das dificuldades enfrentadas por este albino, que muitas vezes, por "ignorância" alheia,"viu" e ainda "vê" muitas portas se fecharem a oportunidade de interação real na sociedade,produzir com remuneração. Se ser "Preto" é duro, ser "Branco" é pior.Um grande Abraço a Todos esses "Branquinhos".
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