Roberto Rillo Bíscaro
O modo como os grupos sociais são representados culturalmente reflete o modo como são tratados na “vida real”. Basta uma rápida olhada na literatura, teatro e cinema pra nos darmos conta disso. Vejam como os judeus são representados em Shakespeare e Walter Scott, o homoerotismo no romance O Bom Criolo, de Adolfo Caminha, ou como os negros são tratados na obra de José de Alencar. Uma leitura atenta de O Demônio Familiar, do autor de Iracema (mito fundador do Brasil, que exclui o negro), certamente desmontará um pouco a visão “nobre” de alguns dos argumentos favoráveis à Abolição, que aprendemos na escola, ou pelo menos, que eu aprendi.
Pelo exposto, entende-se porque não posso concordar com a afirmação dum albino que disse certa vez não se incomodar com a péssima representação que temos na mídia, mormente no cinema. Se não me falha a memória, li isso durante a celeuma criada devido ao nefasto O Código da Vinci, que vez mais repetiu a representação da pessoa com albinismo como um ser do mal.
O fato de existirem personagens albinas vilãs ou com poderes sobrenaturais por si só não teria tanto problema se pudéssemos contar com representações positivas também. Mas, o que ocorre é exatamente o contrário: existem apenas representações vilanescas, paranormais, problemáticas. Desse modo, nós albinos, temos sim que protestar e exigir representações que nos mostrem como pessoas mais “normais”, com qualidades e defeitos como quaisquer outras. Diversos grupos minoritários lutaram e ainda lutam por isso. Basta ver o caso dos gays e dos negros. Hoje já contamos com diversas representações positivas desses grupos. Dificilmente um seriado ou novela atuais não trazem personagens gays, lésbicas, negras criados de forma pró-ativa, positiva. Há um par de anos, um amigo envolvido com criação midiática me escreveu que alguns grupos negros estavam reclamando porque numa determinada novela todas as personagens negras tinham cunho negativo. Cobri os grupos protestantes de razão.
Não se trata de febre politicamente correta de minha parte. Acontece que representações negativas pesam muito mais sobre grupos oprimidos do que sobre os não oprimidos. Assim, uma novela ou filme que apresente personagens negras que tenham apenas traços negativos, reforçará estereótipos arraigados na cultura. Uma cultura bastante hostil a eles, vide o desespero de alguns brancos revoltados com as cotas pra negros nas universidades.
No caso dos albinos, ou somos representados negativamente/como espetáculo circense de mal gosto, refletindo o preconceito e os mitos que nos cercam ou simplesmente não somos representados, refletindo nossa própria invisibilidade social.
Segunda-feira à noite, vi outro filme que nos representa negativamente. Um filme de terror norte-americano, produzido este ano, chamado Albino Farm. O enredo é típico; 4 jovens perambulam pela zona rural e acabam numa cidadezinha no meio do nada onde todo mundo apresenta alguma anomalia genética. 3 dos jovens são bastante idiotas e 1 nem tanto. Em filmes de terror esse recurso é pro espectador saber de antemão qual personagem vai sobrar ou permanecer até o final no enredo; geralmente é uma mulher. A pergunta que fica é o que alguém “especial” fica fazendo andando com gente idiota, não???
Os jovens se encontram em viagem de pesquisa prum trabalho de História; a idéia é coletar lendas e fatos curiosos da cultura local. Ao ouvirem falar da tal fazenda dos albinos, insistem em visitá-la, a despeito das advertências. Ao chegarem à fazenda são brutalmente torturados e mortos pelos habitantes, nenhum albino, mas todos horrivelmente deformados. Máscaras muito mal feitas, aliás.
A mocinha “especial” consegue escapar depois que um dos outros idiotas dá a vida pra salvá-la e termina por refugiar-se em uma grande tenda que serve de igreja pra comunidade. Lá dentro, vemos o único albino do filme. Um pastor louco interpretado por um péssimo “ator” não-albino, o qual, somos levados a entender, é o mentor espiritual daquela comunidade de fanáticos religiosos deformados. Bem ao estilo dos filmes de terror dos anos 70 – pós-Rosemary’s Baby (1968) – a heroininha se dá mal no fim da película.
Ou seja, se a comunidade é composta por fanáticos religiosos portadores de algum tipo de anomalia ou mutação, o fato de o albino ser o sustentáculo dessa loucura toda coloca-o no topo da pirâmide da vilania, loucura e deformidade física e psicológica. Lembrem-se que o nome do filme salienta o albinismo e há apenas uma personagem albina. Enfim, outra personagem com albinismo desabonadora, manipuladora e louca.
Afirmei repetidas vezes neste blog que o roteirista, novelista ou escritor que retratar uma personagem com albinismo destituída de qualquer poder paranormal, vilania ou desequilíbrio provavelmente estará trazendo às telas uma grande novidade, Uma personagem albina que tenha família, trabalhe e/ou estude, enfim, uma pessoa como tantas outras, mas que tem uma peculiaridade: não ter pigmentação. Até quando os autores brasileiros vão insistir em continuar a perder essa oportunidade? A Inglaterra já teve até um participante albino num Big Brother. E aqui, como ficamos?
Percebo que tanto nos filmes quanto em seriados ou novelas, tais personagens sempre representam "o outro", diferente de "nós", sempre se destacando pela diferença e não pelo próprio conteúdo, assim negros representam a sexualidade à flor da pele sempre prontos a servir, seja como empregados, objeto sexual ou vítimas do preconceito, albinos como seres diferentes que podem representar qualquer coisa (nunca uma pessoa normal), o nordestino nunca é o empresário bem sucedido cheio de mulheres bonitas a sua volta, ou seja Dr. Albee, o considerado "diferente" é explorado e analisado como "diferente". Num mundo cada vez mais globalizado, onde o geral é o que importa, teremos muito trabalho para impôr nossas reivindicações. Vamos à luta!
ResponderExcluir