Na segunda-feira, Melissa Gallucci, analista de conteúdo, do jornal Primeira Mão, de São Paulo, me contatou perguntando se me disporia a conceder entrevista. Claro que topei na hora! O blog, afinal, foi criado pra dar visibilidade aos albinos e jamais perco a oportunidade de expor nossos problemas e também soluções pra alguns deles.
Pouco tempo depois, o repórter Murilo Lisboa me enviou uma série de excelentes perguntas. Respondi na terça-feira à noite, depois que voltei dum par de aulas. A entrevista foi publicada no site do jornal ontem e talvez saia na edição impressa também. Vamos torcer, assim atingiremos mais gente ainda.
Agradeço à Melissa e ao Murilo pela oportunidade e pelo espaço dedivulgação de nossa causa. Isso nos ajuda muito.
Eis a entrevista.
Luta pela inclusão dos albinos na sociedade
23 de setembro de 2009 - 14:28
Por Murilo Lisboa
Preconceito, dificuldades financeiras e problemas de saúde. Esses são apenas alguns dos percalços a que são submetidos os portadores de albinismo. Conversamos com Roberto Rillo Bíscaro (42 anos), albino de família humilde residente em Penápolis, no interior de São Paulo.
Apesar das dificuldades econômicas e físicas impostas pelo albinismo, Roberto se formou em Letras e hoje é professor de inglês e literatura, com doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Com o intuito de chamar a atenção para os problemas que muitos albinos enfrentam no país, Bíscaro criou o Blog do Albino Incoerente (http://albinoincoerente.blogspot.com/), em que se pode encontrar todo tipo de informação que encontro a respeito do tema: notícias de jornal ou revistas, sites de interesse e histórias pessoais.
Confira abaixo a entrevista completa:
1- O que é o albinismo?
Existem várias formas de albinismo, mas, de modo geral, o albinismo caracteriza-se pela ausência de pigmentação na pele, olhos e pelos do corpo. A substância que dá cor às partes do corpo chama-se melanina. Nós, albinos, nascemos sem essa substância, por isso somos tão branquinhos! O albinismo ocorre com mais freqüência na população afro-descendente, mas manifesta-se em qualquer grupo étnico.
2- Quando começou a se interessar e divulgar o assunto?
Iniciei o blog no dia 1º de fevereiro deste ano. Percebi que havia muito pouco sobre o assunto reunido em um lugar só e fui começando a reunir essas informações num único lugar. Para se ter uma ideia, sequer sabemos quantos albinos existem no Brasil porque não constamos do Censo do IBGE; desse modo, somos invisíveis aos olhos do poder público. Há também uma série de concepções errôneas sobre os albinos. Tem gente que acha que albinismo provoca retardamento mental, o que é falso. Eu mesmo sou professor doutor, não há nada de errado com meu cérebro. Infelizmente, somos muito mal representados por parte da mídia. Há uma quantidade enorme de filmes que nos retratam como vilões ou seres com poderes sobrenaturais, quando, na verdade, somos apenas seres humanos como quaisquer outros, apenas não temos pigmentos. Veja o filme O Código Da Vinci, por exemplo, onde o vilão é albino. Esse é apenas um dentre vários exemplos que poderia citar. Isso contribui muito negativamente para a nossa imagem, porque pode passar a ideia de que somos psicologicamente desajustados. Por isso, no blog, conto histórias pessoais e de outros albinos, gente como qualquer outra com os mesmos problemas, sonhos e felicidades etc.
3- Que tipo de barreiras os albinos têm de transpor durante a vida?
Muitos albinos têm sérios problemas visuais, além de não podermos nos expor muito ao sol, devido à ausência de pigmentação. Tais problemas porém, podem ser minimizados com óculos, óculos de sol ou protetor solar. A maior barreira que os albinos enfrentam é a falta de informação sobre a condição, que leva ao preconceito e à exclusão do mercado de trabalho, por exemplo. Muitos albinos não conseguem emprego e, por esse motivo, não podem comprar protetor solar, essencial para nós. Assim, cria-se uma barreira econômica para muitos de nós. Defendo no blog que o governo deve adotar políticas públicas de saúde para essa parcela da população. Uma das medidas necessárias é a distribuição gratuita de protetor solar a albinos, a fim de evitar câncer de pele, afinal, a prevenção sairia muito mais barata aos cofres púbicos do que o tratamento da doença. Orgulho-me em dizer que meus esforços nesse sentido começam a dar resultado. Tramita desde agosto na Assembléia Legislativa de São Paulo, o Projeto de Lei 683 – de autoria do deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) – que se aprovado garantirá a distribuição grátis de protetor solar e óculos aos albinos residentes no estado.
Muitas crianças albinas não conseguem concluir sequer o ensino fundamental porque não enxergam o quadro. Assim, as políticas de inclusão devem contemplar também este grupo.
4- Há muito preconceito contra os portadores de albinismo?
Infelizmente, há. Quando criança e adolescente fui bastante agredido verbalmente por crianças e até por adultos, que me chamavam de “vovô”, “rato branco”, “Branca de Neve”, “doente”. Ainda escuto alguns desses apelidos hoje, mas não fazem mais efeito porque consegui vencer profissionalmente, mas, quando se é criança e adolescente isso pesa muito porque é nessa época que formamos nossa auto-estima e nossa auto-imagem, então, tudo isso dói muito e pode ser prejudicial. Certamente, nem todos os albinos conseguem vencer essa etapa e permanecem a vida toda com a auto-estima baixa.
5- O albino possui limitações que o impossibilitam de alguma atividade?
Não podemos nos expor muito à luz do sol porque não temos pigmentação, então não bronzeamos. Muito pelo contrário, podemos ter queimaduras até de terceiro grau se não tomarmos cuidado. Isso sem contar que a longo prazo podemos desenvolver câncer de pele. Como muitos de nós não possuímos pigmentação nos olhos, somos extremamente sensíveis à claridade, tendo que usar óculos de sol. Também, muitos albinos possuem visão sub-normal – alguns são praticamente cegos -, então temos que usar óculos e até mesmo aparelhos mais sofisticados – e caros! - para auxiliar na visão. Desse modo, albinos devem evitar atividades ou profissões que exijam longa permanência ao sol. Existem filmes, por exemplo, que trazem personagens albinas como atiradores de elite. Absurdo, não? Mas, isso já aconteceu mais de uma vez…
6- Quais são os cuidados que um portador de albinismo deve ter com a saúde?
Usar protetor solar com fator bem elevado, de 30 para cima, de três em três horas, todos os dias, não importa se faça sol ou não. Isso é vital – e caro! – para diminuir o risco de câncer de pele. O ideal seria usar roupas de manga comprida e chapéus também. Ou seja, quanto mais protegidos do sol, melhor. Consultas regulares ao oftalmologista e dermatologista também são importantes. Ser albino é caro, por isso insisto na adoção de políticas públicas de saúde para essa população.
7- Essa é uma doença hereditária ou transmissível?
O albinismo não é contagioso. Para que uma pessoa nasça albina é necessário que ambos os pais possuam o gene e que, além disso, esse gene se manifeste. Se a pessoa “perdeu a chance” de ser albino no nascimento, jamais o será.
8- Você conhece algum caso especial ou curioso sobre o albinismo?
É comum achar que todo albino não enxergue bem de longe, entretanto, sei de casos de albinos que não enxergam bem de perto. Têm hipermetropia. Vou aproveitar essa questão para desfazer um mito: muita gente considera curioso que um casal de negros tenha filhos albinos. Pois não é nada curioso. A incidência do albinismo entre afro-descendentes é maior do que entre outras etnias.
9- Já passou por alguma situação constrangedora por causa da doença?
Muitas. Na verdade, quase o tempo todo. As pessoas me encaram muito; às vezes, param de caminhar para me encarar. É muito desagradável isso. Às vezes, eu paro também e encaro de volta. Daí elas se tocam do horrível que é e saem sem jeito. Também é comum ouvir comentários em voz meio alta como “coitado” ou “que homem feio!”. As pessoas podiam tentar guardar suas opiniões para si próprias. Eu não ligo mais, até porque, tem gente muito interessante que me acha lindo, mas há albinos que certamente se sentem feridos com esse tipo de comentário.
10- Acha que haverá cura para a doença num futuro próximo?
A engenharia genética e a pesquisa com células-tronco podem trazer surpresas no futuro, mas não creio que no futuro próximo. Entretanto, há auxílios óticos poderosos e também os cuidados que mencionei anteriormente. Isso tudo, aliado à cooperação das outras pessoas – isto é, para que o preconceito diminua – tornam a vida de um albino bastante normal e comum.
11- Existe alguma ação do governo para divulgação da doença?
Tenho notado muito pouco nesse sentido, por isso uma das bandeiras do blog é chamar a atenção para esse assunto. É necessário que as escolas estejam prontas para discutir o assunto e integrar os alunos com albinismo, que frequentemente são vitimas de bullying. Também é urgente que o governo ajude aqueles albinos que não tem condições a comprarem protetor solar. Caso contrário, podem morrer cedo devido ao câncer de pele.
12- Os albinos têm vergonha de se mostrar?
Eu, particularmente, jamais tive vergonha de me mostrar, apesar das agressões verbais que sofri. Fiz teatro na adolescência, participava de todos os eventos na escola, saía com os amigos, viajava, enfim, curtia a vida o quanto podia. Sei de casos de albinos que são reclusos, sim. Entendo perfeitamente porquê seja assim, mas jamais dei esse gostinho a quem me ofendia. Eu fiz exatamente o contrário: fui à luta e me doutorei na melhor universidade deste país. Sou profissional respeitado, viajo sozinho até para o exterior. Vergonha deveria ter é quem tem preconceito, essa coisa tão mesquinha e pequena.
13- Que recado você deixaria para os portadores de albinismo?
Vão à luta! Ficar em casa escondido com pena de si mesmo não mudará a situação do mundo aqui fora. Preconceito existe, mas também há muita gente que não o tem. E essas são as pessoas mais interessantes, acreditem. Os albinos do estado da Bahia deram um exemplo fabuloso quando criaram a Associação das Pessoas com Albinismo da Bahia (APALBA). Lá, os albinos já recebem protetor solar grátis há alguns anos. Só o fato da pessoa sair na rua, socializar já ajuda na diminuição do preconceito. Quanto mais gente se familiarizar conosco, mais chances há de o preconceito diminuir. Somos branquinhos, mas não podemos deixar nossas vidas passarem em branco. A vida é curta demais para permitirmos isso!
O link para acesso do Primeira Mão e da entrevista é esse:
http://blog.primeiramao.com.br/index.php/2009/09/23/luta-pela-incluso-dos-albinos-na-sociedade/
(Abaixo, Peter Gabriel – um de meus heróis – cantando Lay Your Hands on Me.)
Estou fazendo um trabalho sobre albinismo e agora me dei conta de como o preconceito é mesquinho e repugnante...
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