terça-feira, 1 de setembro de 2009

PRO CARLOS EDUARDO

Não faz nem 3 horas e algo divertido aconteceu. Enviei um link do U2B a um amigo dizendo-lhe que aquele seria um dos próximos filmes a que assistiria. Trata-se dum filme de ficção-científica/super-herói japonês dos anos 60. Os leitores sabem que vivo vendo esses filmes antigos porque sempre comento alguns aqui. O amigo respondeu o email dizendo que há horas em que acredita que tenho 12 anos de idade. Não foi patada, fora ou comentário ríspido. Ele estava brincando comigo, como eu sempre brinco com ele. Ele me conhece muito bem e sabe que sempre tenho alguma “segunda intenção” em tudo que escolho assistir ou ler. Falo muito em diversão, diversão, diversão, mas não sei se sei me divertir! De qualquer modo, o divertido do email é que chegou bem no momento em que via outro filme pra crianças de 12 anos! Chama-se The Gamma People (1956), produção anglo-americana.

2 jornalistas – um britânico e outro norte-americano – que estão se dirigindo à Áustria pra cobrir um festival de música, acabam perdidos num obscuro (e fictício) país no coração da Europa, chamado Godavia. O país é isolado do resto do mundo, uma vez que não há telefone, telégrafo, sequer rádios, TVs ou automóveis. Logo descobrimos que a população vive com medo e à mercê dum cientista maluco que usa raios gama pra criar gênios e imbecis, estes últimos para servirem os primeiros. Todos, porém, têm algo em comum: são robotizados.

O filme ataca em várias frentes. 11 anos após o término da Segunda Guerra ainda era “necessário” lembrar ao mundo que os alemães eram “bárbaros”, então todo mundo que é malvado tem sotaque alemão. Digamos que esse procedimento era uma espécie de operação de rescaldo pra dar seqüência à humilhação germânica.

Mas, é claro que o mais premente na época era o ataque ao chamado perigo comunista e o estado totalitário e robotizante que o inglês e o norte-americano acabam por botar abaixo nada mais é do que alusão aos países da Cortina de Ferro. A respeito disso, entretanto, já escrevi diversas vezes aqui e não vou entediar os leitores com o mesmo assunto.

Quero comentar sobre outra coisa desta vez. Sempre digo a meus alunos que as produções culturais nos revelam “que horas são” na História. E também simbolizam o modo como os grupos sociais são tratados na vida real. The Gamma People representa isso com maestria. A produção é anglo-americana, descobri que foi filmada na Inglaterra e empregou, então, muita mão-de-obra de lá. Como disse, um dos protagonistas é norte-americano e o outro inglês. O herói, contudo, é a personagem norte-americana.

É essa personagem que conduz a trama ao desfecho heróico, é ela quem está no centro do clímax da película. Sintomaticamente, a personagem britânica está do lado de fora do castelo onde se dá a punição e derrota do cientista maluco. O inglês é quase puro enfeite na história, merecendo um ou outro momento cômico e uma ou outra frase de efeito (afinal, são tão chiques o humor e a fleuma britânicas, não?). A rigor, ele não apita nada.

Não apita nada assim como a Inglaterra do pós-guerra, cada vez mais subserviente aos EUA, chegando até, em certos momentos, a levar “bronca” da nova metrópole. Mas, sempre se dando ares de super-importância (os filmes “compensatórios” do 007 que o digam!).

A construção e configuração das personagens são elementos formais numa peça, romance ou filme. Já fui taxado de formalista mais de uma vez por insistir na importância da concatenação entre forma e tema. Só que a forma é conteúdo social sedimentado; é aí que se encontra o que realmente me interessa nas produções culturais.

Este post é dedicado ao Carlos Eduardo, que outro dia me pediu um exemplo quando afirmei que o social numa obra de arte é a forma.

(Abaixo, vídeo da canção 51st State, da banda New Model Army, que afirma que a Inglaterra é o 51º estado norte-americano.)

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