Outra manhã nublada em Penápolis. Novamente aproveitei o dia propício às pessoas com albinismo pra fazer algumas coisinhas pendentes e necessárias. Passei protetor solar com filtro fator 50, vesti minha camisa de manga comprida, coloquei guarda-chuva e 2 pares de sapatos que necessitavam meias-solas na mochila, peguei o mp3 player e saí.
Primeira parada: farmácia pra comprar remédio pra mama. Pelo menos 2 alunas atuais minhas trabalham lá. Paguei com cartão de crédito e segui meu caminho.
Segunda parada: sapataria; não a sapataria onde consertaria os calçados gastos, mas uma que vende sapatos novos. Escolhi 2 pares de sapatênis. Detesto sapato de amarrar; gosto somente de calçados com velcro ou aqueles que basta a gente enfiar no pé e pronto. Acho uma perda de tempo ficar amarrando sapatos! 15, 20 segundos desperdiçados, e sempre tenho tantos afazeres... Adoro coisas tipo “plug and play”. Pelo menos uma das meninas da sapataria foi minha aluna, isso sem contar que o filho do dono foi aluno também.
Fui ao caixa – onde havia um ex-aluno esperando pra pagar e puxou papo – e depois de 2 ou 3 tentativas a caixa me disse que a máquina provavelmente estava com defeito porque o cartão estava bloqueado. Enquanto ela tentava eu comentara que havia recém feito compra no cartão, daí a conclusão de que o defeito era da máquina.
Ela me encaminhou pra filial da loja, dizendo que eu poderia pagar lá. Ela enviaria os sapatos por um dos entregadores e quando eu chegasse provavelmente já estariam lá. Uma vez que a filial era no caminho da outra sapataria e eu tiha que passar no banco antes, disse a ela que não havia problema e fui.
Terceira parada: banco. Tinha um cheque pra depositar. Estratégia de sobrevivência albina pra vocês: a fim de evitar ter que carregar os óculos de leitura, sempre copio em letras grandes os valores de cheques a depositar ou de contas a pagar. Desse modo, não preciso pedir ajuda a ninguém. Estão vendo porque os 15 ou 20 segundos de amarrar um sapato me fazem falta?? Há coisas que preciso fazer que as pessoas com visão normal não precisam. Na verdade, até ajudei uma senhora com dificuldades de operar o caixa eletrônico hoje. Concluída a tarefa, fui à sapataria.
Quarta parada: filial da sapataria. As sacolas com os sapatênis estavam realmente à minha espera. Qual não foi minha surpresa, orem, ao constatar que o cartão e crédito estava bloqueado pra valer! Teria que ligar pra financeira e resolver o problema. Logicamente, não tinha o 0800 deles comigo, então teria que ir pra casa, ligar de lá e voltar à sapataria apenas amanhã, uma vez que evito sair de casa à toa no período da tarde. Saio à tarde pra ganhar dinheiro, mas não pra gastar! Fiquei contrariado, mas não azedo, fazer o quê? Teria que voltar amanhã, não adiantava ficar de mal humor. Enquanto estava no caixa da filial, outra ex-aluna apareceu e me disse oi.
Quinta parada: a sapataria pra consertar os sapatos velhos. Lá deu tudo certo e não vi ex-aluno algum, mas conversei animadamente com o dono porque sempre levo sapatos velhos lá. Aliás, vi um par de botas lindíssimo. Não resistirei à tentação e mandarei fazer um igualzinho pra mim. Devem ficar lindas com a bombacha argentina e o cinturão com a fivelona que tem as minhas iniciais. Quando ele me disse o dia pra buscar os sapatos, já planejei que só então passaria na outra sapataria pra pagar/pegar os sapatos novos. Desse modo, “economizaria” uma saída ao sol. Outra estratégia de sobrevivência albina pra vocês.
Nem andara 2 quadras, quando eis que o celular toca e as preces que não fizera foram atendidas. Era uma moça da financeira comunicando-me que devido a 2 tentativas errôneas de digitação do código de segurança do cartão, o mesmo havia sido bloqueado. A caixa da primeira sapataria digitara o código errado. Considerando-se que são 3 números iguais, devo concluir que não apenas as pessoas com visão subnormal cometem esses deslizes. Ao invés de ficar bravo com a moça, encarei o incidente como mais uma prova de que devemos valorizar o que temos, mesmo que seja pouco, e deixar de chorar tanto pelo que não temos. Mesmo assim, não posso deixar de dar uma espetada em proprietários resistentes à contratação de pessoas com deficiências: qualquer um pode errar, mesmo quem não tem deficiência.
Enquanto explicava a situação à moça da financeira e ela desbloqueava o cartão, cheguei novamente à filial da sapataria. Paguei a compra, mas os sapatênis já haviam sido levados pra matriz. Sem crise porque a matriz fica mesmo no caminho de casa. Passei lá, peguei as compras e, à saída, um ex-aluna me puxou pela calça, me cumprimentou entusiasticamente e me apresentou sua filhinha de uns 2 anos. Linda menina. Quem conviveu comigo sabe bem que se for esperar eu enxergar vai cansar de esperar. Tem que me cutucar ou chamar, senão a baixa visão, a claridade e a distração me farão passar do lado e nem me dar conta da pessoa.
Finalmente, pude voltar pra casa. Andei, no mínimo, uns 2 kms e meio.
Não contei isso tudo pra hedonisticamente me expor como se estivera num dos BBBs da vida. Contei pra vez mais mostrar que uma pessoa com albinismo pode levar uma vida perfeitamente satisfatória e que, apesar da diferença, temos os mesmos problemas que qualquer um enfrenta, escolhemos nossos próprios sapatos, nos preocupamos em combinar as botas com o cinturão e a bombacha de gaúcho. Tudo bastante banalmente igual a você que leu o post e tem visão normal e pigmentos. Ser diferente é normal.
Agora à tarde? Agora à tarde tenho que finalizar uma correção de texto, iniciar uma tradução, responder algumas mensagens relativas ao blog e começar a preparar uma aula sobre a Semana de Arte Moderna de 22.
Mas, antes, vou dar uma descansadinha. Se usasse sapatos de amarrar, teria 15, 20 segundos menos pra isso!
(Abaixo, a canção Sapato Velho, do Roupa Nova, em sua versão original, de minha meninice.)
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
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que bacana vc se lembrar dessa musica, adorei!
ResponderExcluiracho q vou te copiar e postar no blog tbm...
o que é bom tem que ser lembrado.
bjs!
Qdo vc passar dos 40, começará a lembrar de um monte de coisas esquecidas, aguarde!! rsrsrs
ResponderExcluirAcho incrível sua capacidade de relatar detalhes. Adoro. É muito intimista seu blog, seus textos todos.
ResponderExcluirEu só faria uma ressalva, Roberto: ao ajudar a senhora no caixa, poderia orientá-la a nunca mais pedir ajuda a estranhos, e sim de funcionários do banco.
E maravilha esse papo de sapataria. Estamos todos voltando às sapatarias para poupar o planeta. Como sou vegana, meus sapatos geralmente duram muito pouco. Se tomo chuva,
bye bye.
Bye bye, again.
Jura.