O primeiro super-astro a morrer devido às complicações causadas pelo vírus HIV foi Rock Hudson. A homossexualidade do ator era sussurrada nos bastidores de Hollywood, mas os estúdios criaram uma persona mulherenga pro ator, muito diferente das histórias – tornadas dolorosamente públicas nos anos 80 – que davam conta de festas em sua mansão, nas quais ele enchia a piscina de garotões e batizava todos os loiros de um nome e todos os morenos de outro, apenas pra não ter que se dar ao trabalho de aprender seus nomes, afinal, deviam ser garotos de programa.
Em algum ponto da primeira metade dos anos 80, Hudson foi forçado a sair do armário brutalmente quando não mais era possível esconder o corpo devastado pelo HIV. Falecia, em 1985, um ícone da masculinidade norte-americana abatido por uma síndrome até então associada apenas a gays.
Lembro-me de diversos filmes dele. O cultuado Assim Caminha a Humanidade, co-estrelado com Liz Taylor e James Dean. Também me lembro dum filme-catástrofe, Avalanche, onde ele era o marido da Mia Farrow. Mas, a imagem de Hudson gravada na lembrança é a das comedias-românticas com Doris Day, tipo o delicioso Pillow Talk. A imagem do galã construída pelos estúdios sobrepujava qualquer outra.
Seconds (1966), thriller em preto e branco com um Hudson já 40tão, aparecendo com a face distorcida e fazendo uma personagem atormentada, numa atuação brilhante, acrescentou outra faceta à imagem do ator em minha mente.
A película trata da obsessão pela juventude. Um senhor infeliz com a vida obscura e pautada apenas pela aquisição de bens materiais é “convencido” a submeter-se a uma cirurgia que o transformará em pessoa absolutamente diferente. Tudo é modificado: dentes, impressões digitais e o corpo. Esse senhor gordinho e de cabelos grisalhos se tornará Rock Hudson. A empresa providencia um cadáver pra família do “morto” pensar que está velando seu ente querido, mas na verdade, a nova pessoa está vivinha da silva, gozando uma segunda chance na vida, livre e longe de todo o passado. E, claro, rejuvenescido. A empresa fornece nova identidade, com profissão, títulos acadêmicos e tudo o mais que alguém precisa pra iniciar a segunda vida. A personagem de Hudson, no entanto, entedia-se com a nova vida hedonista queleva e, angustiado, percebe que abandonara uma vida onde obedecera apenas a escolhas feitas por outrem, pra cair na nova vida, na qual também não tinha liberdade de escolha porque tudo era determinado pela tal empresa. Revoltado, decide passar por nova operação pra tentar recomeçar de novo, dessa vez totalmente livre. Só então descobrimos donde vem os cadáveres pras trocas realizadas pela empresa.
O que mais me encantou foram os toques Expressionistas da câmera dando super closes nos rostos dos atores, deformando-as e também extraindo efeitos incríveis de expressividade tristonha, especialmente do ator que faz o coroa que rejuvenesce na pele de Hudson. A boca caída, a face gordinha flácida, filmadas bem de pertinho garantem uma tremenda expressão de tédio e tristeza à personagem. O efeito deformante dos closes provoca sensação de desconforto no espectador, algo como se desejássemos não conhecer tão de perto assim a personagem. A deformidade também desumaniza os rostos e a gente realmente não consegue empatizar com as personagens, gerando certo distanciamento, que nos permite maior liberdade pra perceber o doentio e sórdido de alguns de seus comportamentos.
As possibilidades de leitura de Seconds deve ser fascinante pra qualquer crítico de cinema ou acadêmico interessado em cine. Pra quem curte estudos biográficos está lá de bandeja a confluência entre a falsa biografia do ator inventada pelo estúdio e a nova falsa vida da personagem inventada pela companhia. Pra quem curte estudos míticos, há o tema faustiano da venda da alma, nesse caso por juventude; isso sem contar nas referências explícitas ao mito de Baco e à produção do vinho feitas num plano-sequência que eu particularmente achei um porre! Pros mais afeitos às questões sócio-históricas, fica o significado dum filme que critica o culto à juventude, realizado precisamente numa década em que a juventude queria mudar o mundo.
(Abaixo, apresentação de TV dos anos 70 onde Hudson e Bea Arthur - a Dorothy das Golden Girls - cantam uma divertida canção da Broadway repleta de trocadilhos sobre drogas. Imagino se isso seria possivel na TV atual...)
terça-feira, 8 de setembro de 2009
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Não há duvida que Rock Hudson foi um dos grandes astros de Holywood.
ResponderExcluirAs possibilidades de leitura de Seconds deveM ser fascinanteS pra qualquer crítico de cinema
ResponderExcluirDesculpem o erro de concordância.