Achei um conto com personagem albina no blog Midnight Shadow
http://ouivodaraposa.blogspot.com/
A autora, Roxy Foxy, explicita, em nota de rodapé, a intenção de conferir imagem de “normalidade” à pessoa com albinismo. Que bom, Roxy Foxy! Precisamos de mais representações culturais com essa mesma aspiração.
Alvorecer
Os passos que dava do quarto até o banheiro pareciam escorregar, como se patinasse pelo piso de tacos do apartamento. Parou em frente ao espelho, o grande espelho que colocara na parede para se obrigar a olhar para si mesmo, e encarou o fantasma que olhava de volta. Pálido, desbotado, com cara de doente por causa dos cinco dias que estava passando sem dormir direito, sorriu fracamente para o espelho e pegou o frasco de protetor solar na bancada da pia.
Derramou parte do conteúdo do frasco na palma da mão e começou a espalhá-lo pelo rosto, testa, nariz, queixo, bochechas, cada parte do seu rosto branco era coberto de loção, item imprescindível para sair de casa. Depois de espalhar protetor pelo corpo, passou a mão pelos cabelos se olhando novamente no espelho.
- Ah, foda-se!
Voltou ao quarto sem fazer barulho e abriu o guarda-roupas, pegando uma camiseta e uma bermuda antes de fuçar todo o interior atrás de um boné. Vestiu-se em silêncio e saiu do quarto na ponta dos pés, voltando ao banheiro para novamente se olhar no espelho e sair de casa para sua caminhada matinal.
O bom de caminhar bem cedo, pensava, era o fato de o sol estar fraco, ter acabado de amanhecer, além, é claro, da falta de pessoas para olhá-lo como se vissem um alien. Sempre se sentira incomodado com isso e a questão só se agravara na adolescência, período em que qualquer estudante considerado estranho ou diferente é sumariamente excluído dos grupinhos mais populares. Mas agora as coisas eram diferentes.
Trabalhava em um escritório de contabilidade onde conhecia a todos e ninguém mais se espantava com sua aparição.
Passo após passo, metro após metro, sua caminhada evoluía e pensava em quantas coisas tivera de passar para conseguir olhar para si mesmo hoje. Quanta insegurança, quanto medo de rejeição, quanto nervosismo... Passado, porra! Esquece isso, Álvaro! Idiotice pensar nisso agora. Tinha uma vida boa agora. Casa, trabalho, noiva. Coisas que toda pessoa normal quer para si. O que estava pensando? Ele era normal! Tinha pernas, braços, cabeça, um cérebro, nenhuma parte de seu corpo faltava, e ainda tinha a petulância de se achar anormal? Ingrato.
Passou pela padaria e encontrou seu Felipe, o proprietário, fazedor dos melhores pães que conhecia e que sempre fora extremamente simpático com ele. Foi com parte do café da manhã que ele chegou em casa, pondo as chaves em cima do criado-mudo e ouvindo o barulho do chuveiro sendo fechado. Lavínia vinha saindo do banho enrolada na toalha laranja florida e sorria de forma deliciosa. Sua pele morena de sol e suas curvas sinuosas pareciam flutuar pelo corredor sem tocar o chão.
- Bom dia, amor! - ela o envolveu com os braços e o beijou.
- Eu tô todo suado, querida...
- Não tem problema, eu tomo banho de novo. Dessa vez você me ajuda... - sussurrou maliciosamente, arrastando - para dentro do banheiro.
De repente, todas as suas dúvidas e frustrações pareciam sumir, como que diluídas e levadas pela água do chuveiro. Perfeitamente normal.
Nota: Infelizmente eu não tenho nenhum amigo albino pra colocar na foto do post. Então a foto ficou sendo de um personagem meio contraditório que é o Silas, de O Código DaVinci. Digo contraditório porque ele é retratado de forma negativa, um fato criticado pelos próprios albinos. Na minha opinião, o Silas não é vilão por ser albino nem por ser monge, e nem sequer é vilão, é apenas uma pessoa que faz o que acha certo por uma coisa em que acredita. Quanto ao fato de os albinos raramente serem retratados de forma positiva, bem, eu tô fazendo a minha parte.
(De presente pra Roxy Foxy, o Roxy Music e sua chiquérrima Same Old Scene.)
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