Recebi mais uma história de vida duma pessoa com albinismo, o Flávio André, que conheci pessoalmente em outubro, na sessão de fotos no estúdio de Gustavo Lacerda.
O poeta albino incorporou links de seu próprio blog pra enriquecer de detalhes sua sensível narrativa.
GUINADA ALBINA – A HISTORIETA DE MINHA VIDA
Nasci no dia mundial da saúde e ainda assim sou albino, tenho miopia, astigmatismo, nistagmo, tinha crise convulsiva e atualmente sou acometido por uma alergia misteriosa.
Fui uma criança com medo (http://miopiavirtual.blogspot.com/2008/09/lona-de-retalhos-pegadas-polarid_02.html) de tudo que se movesse sem me deixar ver direito o que era.
Sou o irmão do meio, meu irmão mais velho chama-se Fábio Júlio (sim a intenção era mesmo ser Fábio Júnior, mas o cara do cartório “não deixou”), eu me chamo Flávio André (Flávio é bonito, André é bonito, mas fala sério que os dois juntos não parece nome de personagem das novelas da Talia?) e minha irmã Franciele (*assim mesmo, sem nome composto... Também acho que nem precisava). Todos os três com nomes iniciados com F. Coisa de minha mãe que tem os irmãos todos com R: Roberto, Raimundo, Rosaly, Ronei e Ronildo! Já o caso dela é diferente porque ela é gêmea. As gêmeas se chamavam Tereza e Terezinha (sei que parece nome de dupla sertaneja, mas já deu pra ter uma idéia da criatividade da família para nomes). Infelizmente não cheguei a conhecer minha tia Tereza, pois esta morreu ainda criança ao cair de uma rede.
Dou voltas para que conheçam um pouco de minha família antes de falar de mim mesmo (como se esta introdução já não falasse de mim).
Desde pequeno soube que era albino. Foi explicado para mim ainda novinho para poder responder de imediato quando me perguntassem, deste modo, tendo menos problemas com as brincadeiras das outras crianças dizendo que eu era adotado. Tentei fugir de casa várias vezes quando era criança, por vários motivos como este, mas nunca ia muito além do portão da minha casa e voltava chorando pra minha mãe super arrependido ( http://miopiavirtual.blogspot.com/2008/10/as-incansveis-fugas-de-alvinho-o-grande.html). Uma coisa que aprendi na vida é que, apesar de lindas, as crianças sabem ser cruéis!
Elas me colocavam toda uma infinidade de apelidos. A imaginação delas não tinha limites e isso me deixava muito fulo! O pior deles era ALEMÃO DA ÁGUA DOCE,pois vinha acompanhado de uma musiquinha que ouvia quase todo o recreio:
“Alemão da água doce / Deu um peido e ficou doce!”
Lembrar que já chorei muito por causa dessa musiquinha idiota... Lembro também que me chamavam até de coelho da páscoa! O que me lembra de meu coelho de estimação com nome de urso que foi morto por um cachorro com nome de gato (http://miopiavirtual.blogspot.com/2009/01/o-triste-fim-do-coelhinho-puff.html).
Fui orientado pela sábia professora Sheila, do primário, a não dar importância a tudo que falavam de mim ou das histórias de terror que contavam das quais hoje acho graça, mas que me faziam chorar de medo. Graças a ela, a escola me trouxe muitas coisas boas, além do óbvio.
Foi lá que aprendi que ou encarava o mundo e as pessoas de cabeça erguida, aceitando quem eu era ou seria o coitado pelo resto da vida. Tá que fui o coitado por muitos anos ainda, mas isso mudou.
Só pra constar eu não sou adotado mesmo: Minha mãe é “parda” (assim consta em um de seus documentos), e minha família é puxada para os negros e índios (uma vez que minha vó é filha de índia, pelo menos é o que lembro de ter ouvido ela contar), logo acreditei (persuadido pelas crianças mais velhas) que meu pai fosse albino também, mas, aos 7 anos, quando finalmente conheci meu pai (http://miopiavirtual.blogspot.com/2009/01/queda-de-meus-cones-o-nascimento-de.html), descobri que não era. Descobri também que pai é bem mais que aquele cara que envolveu sua mãe, mas a pessoa, a figura protetora que te cria e te dá subsídios para crescer como gente. Naquele dia, no meu aniversário de 7 anos descobri que minha mãe era também meu pai. E não precisava de outro. Mesmo porque, ele ficou por perto por quase um mês e desapareceu novamente.
Já estava acostumado a ser o menino sem pai da turma. Mas, somente depois de grande entendi que alguns de meus colegas se achavam melhores que eu por conta disto...
Fui uma criança difícil, um pré-adolescente problemático socialmente e com a saúde sempre mostrando sinais de que minha data de aniversário era uma piada do destino: “dia mundial da saúde! Háhá! Pra você não!”. Sei o quanto minha mãe sofreu para me levar a hospitais e ficar sempre comigo. Conheci quase todos os hospitais de minha cidade e alguns das cidades vizinhas. Hoje venci mais este detalhe.
No meu aniversário de 11 anos, tive uma crise nervosa e cai no choro porque queria morrer! Não queria ter nascido... Onze anos!!
Naquela idade eu já tinha sofrido calado mais do que a maioria de meus amigos seria capaz de suportar aos gritos e pontapés. Ás vezes, sentia as dores do mundo por não ter nenhuma em mim para sofrer. Lembro que minha mãe e um amigo da família me confortaram naquela noite de 7 de abril de 1995. Tive vergonha depois, por ter feito minha mãe chorar por aquilo e passei a amá-la ainda mais.
Tão novo, já sofria de amor por várias meninas que não queriam nada comigo (sim, com esta idade) por eu ser feio e branco demais. Sofria por sair com amigos e ver eles se acertando com as meninas e eu ficar sempre vigiando ou esperando num canto. Já sabia que não precisava ser negro para ser alvo de racistas e todo tipo de gente maldosa.
Hoje meu coração está completo e fico de certa forma feliz por ter passado por tais infortúnios para entender o valor de alguém lhe estendendo a mão e aceitando seu beijo.
Aos 12 anos, tive minha primeira festa de aniversário. Éramos pobres e não dava para fazer 3 festas de aniversário por ano. Lembro bem de todos os indícios daquele dia, dos preparativos para a festa surpresa. Sempre fui muito observador (dado o tempo que ficava de fora das coisas legais). Lembro claramente de dado momento do dia quando minha mãe, entendendo que eu já sabia, sussurrou ao passar do meu lado: Tá sendo uma trabalheira. Finge que você não sabe, tá?” To quase às lágrimas ao escrever isto, mas foi um dos melhores momentos da minha vida. A “surpresa esperada” e o melhor de tudo: o segredo com minha mãe.
Fato semelhante ocorreu no meu aniversário de 20 anos, mas quem sussurrou foi meu amigo Alessandro, e foi a primeira vez que alguém perguntou na minha cara por que eu era tão melancólico. Hoje ele sabe e o amo muito por isto.
Neste momento da vida eu já tinha desistido das religiões e de certas companhias negativas. Já tinha me envolvido com o teatro e com a música e, mais uma vez falando de minha mãe, por mais que ela sempre arrumasse um defeito para um ou outro, sempre esteve em minhas apresentações e shows, sempre foi assistir e defender, babar a cria e mostrar que estaria ali comigo. Sempre.
Pulando um bom pedaço da historia, veio a Fernanda na minha vida, mas para encurtar essa parte podem conferir aqui (http://miopiavirtual.blogspot.com/2008/10/9-meses-brancos.html) e completo esse capítulo dizendo que hoje estamos casados, temos dois gatos de estimação (que me lembram com tristeza de meu primeiro gatinho (http://miopiavirtual.blogspot.com/2009/01/mis-manchinha.html), mas hoje sei que não tive culpa e que isso nunca mais se repetirá. Meus gatos chamam-se Açúcar (sim é isso mesmo: Açúcar) e Kioko, que quer dizer “criança feliz” em japonês (assim li na internet). Temos uma vida próspera e feliz.
Ainda vejo as pessoas olharem para mim na rua, mas hoje, até gosto da exibição.
Participamos (eu e minha esposa) de uma matéria para o jornal interno Folha Universal sobre o albinismo e recentemente em um programa da rede Record chamado Câmera Record, postado aqui no blog pelo Roberto. http://www.albinoincoerente.com/2009/11/sobre-o-camera-record.html
Agora, completando minha lista de realizações, escrevi finalmente meu primeiro livro de poesias - também postado aqui (http://www.albinoincoerente.com/2010/01/literatura-albina.html ) pelo Roberto - e estou em busca de minha maior realização: engravidar com minha esposa e ser pai!
(Percebi que Flávio e eu compartilhamos o amor por gatos. Tenho 3 atualmente... Espero que ele também curta a gata todo dia, Marina Lima!)
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
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Estou tão feliz por vocêis ...como se fosse comigo ...
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