Roberto Rillo Bíscaro
Ontem terminei de assistir ao aclamado Vozvrashcheniye (2003), longa de estréia do diretor russo Andrei Zvyagintsev. Incoomdou um pouco, a ponto de eu não conseguir ver o filme duma só vez.
Inicialmente, vemos um grupo de meninos púberes em cima de um mirante localizado num píer. Um dos garotos incita os outros a pularem nas águas escuras, sob pena de serem percebidos como covardes. O valentão é Andrei, irmão de Ivan, que amedrontado, recusa-se a pular. O menino tem que engolir a humilhação da vergonha, além da violência do irmão metido a macho.
A seguir, a mãe informa aos irmãos que seu pai reaparecera do nada, após ausência de 12 anos. Criados pela mãe e pela avó, o recém-chegado não significava nada pros filhos. Não havia conexão afetivo-emocional entre eles. Pai era apenas uma palavra, cujo efetivo significado, Andrei e Ivan desconheciam.
Os roteiristas escolheram deixar os meninos e a audiência no mesmo nível de informação a respeito do homem. Jamais descobrimos absolutamente nada a respeito do misterioso pai regresso.
Alegando querer recuperar o tempo perdido com os filhos, o homem leva os meninos a uma viagem de pesca, que, a princípio, duraria dois dias, mas acaba se estendendo pra mais. O pai recebe uma ligação e parte em busca de alguma coisa em uma ilha. Também nunca saberemos do que se trata, apenas o veremos desenterrar uma espécie de arca ou baú.
A escassez de informações sobre o passado e as motivações do pai, nos leva a prestar atenção ao relacionamento entre eles e os guris. O sujeito tenta impor-se à força, por exemplo, obrigando que o chamem de pai. Também passa a infligir uma série desagradável de castigos físicos e emocionais nos meninos.
O relacionamento dessas três personagens – as únicas na maior parte do filme – é tenso, cheio de silêncios rancorosos e, especialmente seca. Secura emocional que contrasta com a abundante presença da água, quer sob forma de escuros lagos ou mares internos russos, quer sob forma de chuva torrencial.
Pontuando o elemento sinistro da relação entre pai e filhos, vemos uma cinematografia repleta de cores tristes e frias, como negro, cinza, azul-marinho. Lindas imagens, por sinal.
O outrora valentão Andrei rende-se ao pai facilmente, querendo agradar a todo custo e suportando as humilhações sofridas. O “covarde” Ivan é a figura questionadora dos reais motivos do regresso paterno e opositora à sua tirania. Particularmente, esse foi o elemento que mais me agradou em Vozvrashcheniye. Ivan provou ser forte e valente frente a uma situação realmente conseqüente. Pular dum mirante não é valentia, é risco desnecessário e não prova nada a ninguém.
A reviravolta que marca a transição pro epílogo, fará com que Andrei e Ivan finalmente tenham que cooperar fraternalmente, sinalizando que daí em diante jamais serão os mesmos. De modo não planejado, o pai consegue ensinar algo aos moleques...
O ritmo lento e os diálogos e faces crispadas de Vozvrashcheniye fazem dele uma película um tanto difícil. Por outro lado, mostram enorme madureza do estreante Andrei Zvyagintsev.
(Achei um vídeo com imagens do filme, ao som da maravilhosa música de Pachelbel e Albinoni.)
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