Há cerca de 2 semanas, recebi email do Gerson, amigo também professor de inglês. Ele me contava que abandonara um dos empregos pra se dedicar a seu futuro doutorado. O jovem trabalhava numa faculdade localizada na cidade de Biriguí, vizinha aqui de Penápolis (SP). Pra quem não sabe, Birigui é a cidade-natal de Reynaldo Gianecchini.
Gerson perguntava se eu não estaria interessado em assumir as aulas. Em caso afirmativo, prontificou-se a me indicar pra coordenadora do curso de Letras e pra diretora da universidade. 8 aulas por semana, que provavelmente poderiam ser agrupadas em 2 noites com 4 aulas cada, visto eu ser de fora.
Adoro trabalhar à noite e um aumento de renda não me faria mal, por isso disse que topava. Na mesma noite, acertei os detalhes com a coordenadora, que consultou meu CV pela internet e concluiu que meu perfil era apropriado. Por telefone, ela indagou se não poderia começar a lecionar na noite seguinte. Não fazia idéia de horários de ônibus pra ir e voltar da cidade, desconhecia qualquer professor daqui que viajasse pra lá, jamais estivera na faculdade e sei me locomover em Birigui tanto como o sei em Saturno! Não hesitei, porém: garanti que às 19:00 do dia seguinte, estaria lá.
Quem tem visão sub-normal sabe que ir a lugares desconhecidos é sempre um desafio maior pra nós. No meu caso, o horário de verão age como complicador: mais tempo exposto ao sol, mais claridade indesejada. Mas, a gente não pode virar refém dessas barreiras; pelo contrário, tem mais é que tentar quebrá-las.
Há alguns anos, provavelmente me sentiria inseguro e perderia o sono, imaginando dificuldades mil pelo caminho. Felizmente, isso ficou pra trás. Resolvi que na manhã seguinte checaria, na internet, horários de ônibus pra Birigui. O segredo era achar um que não chegasse em cima da hora. Estratégia de sobrevivência albina pra vocês: procuro sempre sair de casa com antecedência e chegar aos locais o mais cedo possível. Desse modo, tenho mais calma pra inquirir e descobrir caminhos. Se tiver que andar um bocado como barata tonta, pelo menos não terei que me afobar!
Descobri um ônibus que sai às 17:40. Às 18:20, mais ou menos, chegaria a Birigui. Tempo de sobra pra arrumar meio de transporte até á facul. Chegando à cidade, procuraria algum ponto de moto-táxi.
Não sei se esse meio de transporte existe em todos os lugares, mas, como indica o nome, moto-táxis são motocicletas que atuam como táxis (e são bem mais baratos!)
Desci na rodoviária de Birigui, ainda de óculos escuros, devido ao sol forte. Caminhei por uma espécie de pracinha e nada de moto-táxi. Atravessei o terminal pra averiguar a parte de trás. Nada!
Perguntei a uma senhora se sabia da existência dalgum ponto de moto-táxi ali perto e recebi resposta negativa. Simpática, ela acrescentou que iria pra perto da escola e poderia me deixar nas imediações. Recusei. Não era negócio pra mim: seria mais difícil descobrir caminhos por uma cidade desconhecida. Naquela primeira vez, queria alguém que me deixasse literalmente na porta... Afinal, não tinha idéia do grau de dificuldade que encontraria pra achar meus caminhos dentro da universidade!
Notei que ao pé dum orelhão havia uma série de números de empresas de moto-táxi. Bingo! Estava salvo!
Não foi tão fácil ler os números no chão; eram grandes, mas estavam meio desbotados. A claridade do horário de verão não ajudava nada, mas, franzindo um pouco os olhos, consegui decodificar um e liguei.
Não sabia o nome da rua onde me encontrava, mas não seria isso que me atormentaria, afinal, o mais complicado acabara de fazer... Disse que estava atrás da rodoviária e dei um ponto de referência. Pra completar o serviço e me sentir mais seguro de que seria encontrado, usei o albinismo a meu favor:
- Olha moço, estou numa esquina sentado num banco. Não vai ter erro: eu sou branco, branco, branco! É só você localizar um cara de cabelo branco e mochila, que sou eu!
Quando vi a moto, me levantei enquanto ele estacionava e fui em sua direção. O moço ria que não se agüentava:
- Pô, mano, você não exagerou! Você é branco mesmo, heim?
Tão vendo? Não adianta chorar e reclamar que nos olham, nos encaram etc. Às vezes é realmente constrangedor, mas, quem disse que não pode ser extremamente vantajoso? Eu nem me preocupei ou tive que ficar vasculhando o território procurando pela moto. O moço enxerga bem, ele me encontraria. Fiquei lá, sentadão, ouvindo meu mp3...
No caminho, contei a ele que pegara aulas na cidade, que poderia precisar de seus serviços outras vezes e perguntei se não possuía cartão com o número do celular. Quando chegamos ao portão da facul, ele me deu.
Pronto, agora tenho o cartão dele. Quando precisar voltar lá durante o dia pro exame admissional, já tenho pra quem ligar. Vocês não acham que ele vai se esquecer dum albinão de 1,80, né?
Outra estratégia de sobrevivência albina: procuro sempre ter cartões com números de taxistas e moto-taxistas pra poder usar sempre as mesmas pessoas. Isso facilita muito a vida!
Assim que me despedi dele, comecei a caminhar em direção ao portão da faculdade. De onde ele me deixara, não conseguia realmente distinguir a entrada, mas avancei pronde algumas pessoas caminhavam.
Novamente, não tive dúvida. Fui pro lado dum cara que cruzava a rua, disse que era novo ali e precisava ir até à secretaria. Passando em frente ao prédioo, ele me indicou em qual porta entrar e pronto, foi moleza novamente!
A geografia da instituição é bem simples e, depois de me apresentar na secretaria, a moça me falou que a sala dos professores ficava no bloco colado àquele no qual me encontrava.
Na sala dos mestres, encontrei um ex-professor dos tempos de faculdade que também leciona ali. Teria carona de volta!
Ele teria aula na sala ao lado donde eu teria que ir, a qual, aliás, se localiza no mesmo prédio da secretaria. Bastava eu marcar bem onde eram as salas e o básico pra minha locomoção na faculdade estaria garantido..
Na entrada do bloco onde ficam as classes, a surpresa: Flávio, ex-aluno de mais de 20 anos atrás, cursa o terceiro semestre de Letras!
Enquanto caminhava pelo corredor, em direção à sala de aula, contava por quantas portas passava e marcava pontos de referência pra poder localizar as salas imediatamente quando entrasse sozinho, depois do intervalo. Sempre faço isso porque me dá mais segurança emocional poder ir aos lugares caminhando como quem realmente sabe pra onde está indo. E também porque sou muito distraído (pode não parecer, mas pra eu escorregar pro meu próprio mundo basta um trilionésimo de segundo!)
Foi tudo fácil, sem neurose ou stress. Basta tomar algumas precauções, não ter vergonha de aceitar e explicitar as limitações e acreditar que mesmo com visão sub-normal, podemos fazer um mundo de coisas!
(Esta história terá continuação. Por ora, fiquemos com algumas imagens da Cidade Pérola.)
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
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Sou de BIRIGUI e adoro essa cidade !
ResponderExcluirSeja bem vindo, Professor!
Sou de BIRIGUI e adoro essa cidade!!!
ResponderExcluirSeja muito bem vindo, Professor!