domingo, 7 de março de 2010

ENTREVISTA COM O POETA FLÁVIO ANDRÉ SILVA

O escritor albino Flávio André Silva, autor do livro A Última Luz de Narciso, me enviou outra amostra de seu labor literário.

O GRÃO

Mundos distantes se tocam
E se cruzam o tempo todo,
Mas eis que agora
Os nossos se chocaram numa colisão tamanha
Que nossos pensamentos se misturaram
E fomos colocados frente a frente...
Fitando, tocando, coexistindo!

Sinto toda sua vontade de gritar;
Ouve todo meu desejo de correr;
Impressiona-me essa força singular
E livre igual a você desejo ser.

Enquanto sou o principal
Grão de areia do castelo
De sua vida,
Você é a rainha de meu castelo
Sem a qual tudo enegrece.

Num universo de possibilidades
Só enxergo um grão de areia
A favor de nós dois...
E é o grão mais lindo que existe.


Conforme prometido, eis a entrevista que fiz com Flávio:

Roberto - Quando você começou a escrever? O que te levou a isso?
Flávio - Comecei a escrever criativamente muito cedo, entretanto posso figurar os doze anos de idade como um ponto-marco, pois foi a partir daí que comecei a fazê-lo com mais frequência. Acredito que o que me levou a escrever mais foi ter começado a jogar RPG: viver histórias diferentes, com vários personagens; isso me lançou no mundo das tramas. Sempre amei ler, mas a partir daquele momento, comecei a tecer meus próprios personagens fixos e tramas mais complexas do que o usual e esperado para alguém daquela idade, mas com menor empenho.

Roberto - Há poetas que você sente que influenciam seu trabalho diretamente?
Flávio - Gosto de Carlos Drummond de Andrade, apesar de ter recebido uma crítica (muito bem escrita por um amigo meu) comparando a estrutura escolhida para A ÚLTIMA LUZ DE NARCISO a uma obra de Augusto dos Anjos. Entretanto, acredito que também bebi de outras fontes, como é o caso do Ultra-Românticos Álvares de Azevedo e o próprio Lord Byron, passando pelo incrível Fernando Pessoa e desejando um dia alcançar a singeleza de Clarice Lispector.

Roberto - Seu livro é dividido em três partes distintas. Quais os critérios utilizados para estabelecer essa divisão?
Flávio - O livro traça, através de seus três capítulos, uma trajetória ascendente em direção ao íntimo humano. O primeiro capítulo (BANDEIRAS RASGADAS E PLANOS EM VOLTA DA FOGUEIRA DO TEMPO) fala sobre planos, conquistas e desejos. O segundo capítulo (PÁGINAS MANCHADAS POR CANÇÕES SILENCIOSAS E PALAVRAS QUE NÃO DEVERIAM SER DITAS), depois de mergulhar em si, retrata as dores e tristezas ante o mundo que nos cerca. O terceiro e último capítulo (O FAROL E A SINGELEZA DO SER QUE NÃO É) vem trazer nova luz e esperança para a busca de algum sentido na vida, falando de amor; não apenas o amor real, mas também o platônico, o fraternal e o amor puro e sem reservas.
Depois de tanto ler meus escritos, ficou de certa forma fácil notar a semelhança temática entre alguns deles, justamente por causa da época, ou motivo pelos quais os escrevi. Pensei em várias outras formas de separação, mas esta me pareceu a mais sensível e direta, justamente por conta desta história de ascensão: desde o momento quando se fazem muitos planos para o futuro e para a vida sem a necessidade de prazos, passando pela derrocada, quando tudo parece ruir porque algo deu errado, levando o mundo consigo, até o momento atual, quando é preferível focar uma direção (o farol) e lembrando-se dos planos que construiu e das coisas que já passou ao cair, decide-se levantar, dar a volta por cima e fazer a vida ter mais cor, mais um sentido pessoal. Sei que parece prólogo de livro de auto-ajuda, mas é o que fiz comigo: olhei para trás e gostei de me ver envolvido nos planos adolescentes de outrora e decidi deixar para trás as coisas ruins que passei. Prefiro vê-las como os degraus que me trouxeram até aqui.

Roberto - Você tem algum processo próprio pra escrever seus poemas? Quero dizer, você os escreve de uma vez só, ou frases vão aparecendo e você vai guardando até compor um poema, enfim, qual é seu processo de criação?
Flávio - Aprendi com o teatro, que ás vezes - repito: às vezes - o processo é mais satisfatório que o produto final. Como isto se aplica? Estar em processo de um texto é maravilhoso, empolgante, frustra de vez em quando, mas sempre o resolve e, por fim, conclui a obra. Chegado a este ponto, pouco se tem a fazer, além de começar outro texto para experimentar aquele processo novamente.
Creio que cada fase da vida favoreça um processo criativo diferente: quando mais novo, buscava as rimas que completassem minha idéia e só me levantava quando estivesse satisfeito com tais versos. Cheguei em uma fase em que as rimas perderam o status de "condição básica" para se ter um poema, passei portanto a priorizar a poesia, embora nunca tenha abandonado de vez as rimas, e nesta época ainda me frustrava se não conseguia terminar um poema/poesia numa só sentada. Hoje meu processo é mais livre no sentido em que decidi não ignorar nenhuma linha de pensamento; decidi não tolher nada. Se a ideia que me veio só contempla uma frase, então é ela que vou registrar e guardar. Já me flagrei escrevendo três poemas simultaneamente, dados os ritmos e temas diferentes para, em outra ocasião, pegar novamente aquela folha e extrair as conexões, e, se o clima vier, preencher as lacunas de cada um. Um rapaz certa vez me disse que este processo faz de meus textos poemas, 'prosa em verso' ou mesmo poesia marginal, mas nunca poesia pura, pois eu não sentia, eu apenas juntava frases. Isso de juntar frases não está errado, entretanto não escrevo uma só linha (um só verso) que não me traga algum sentimento e não concluo um só texto que não me comunique algo. Ainda ocorre de sentar e escrever algo do princípio ao fim, mas se não ocorre, não me frustro. Simples assim. Priorizo a poesia sobre o poema.

Roberto - Qual o impacto do albinismo na sua escrita?
Flávio - Não seria sincero ao dizer "todo", da mesma forma que não posso dizer "nenhum", pois quando escrevo não imagino que são mãos albinas que seguram e arrastam a caneta pela superfície do papel, ou que contraem as teclas do computador em busca de um resultado legal. Mas, é inegável que o fato de ser albino me encheu de características (que estão longe de ser específicas a este grupo), deixam claro minha história de vida, dificuldades e superações. Não tento ser exemplo de nada, mas adoro quando reconhecem minhas vitórias, acima de minhas limitações.
Todavia me perguntei sobre o porquê de não tentar escrever algo focado no "universo albino", assumindo, com ressalvas, que isso exista. Vou, então, escrever algo cujo protagonista ou um dos protagonistas seja um personagem albino e posto aqui no blog, seja conto, seja capítulo de uma coisa maior, para que me deem suas opiniões.


A Última Luz de Narciso pode ser adquirido diretamente com Flávio. Funciona assim: a pessoa interessada manda um e-mail pro Flávio com seu endereço, ele o responde com seus dados bancários e assim que houver a confirmação do depósito, o livro é enviado pelo correio.

AUTOR: Flávio André SilvaE-MAIL: sorrisoalbino@hotmail.com TEL.: (11) 6683-3293

(Outra pérola do Flávio Venturini pra ilustrar esta postagem sobre o poeta Flávio André.)

Um comentário:

  1. Você faz a diferença, e não preciso ressaltar ( vc já sabe! )... porém em palavras expresso de maneira estranha e ao mesmo tempo singela minha inexplicavelmente gratidão pelo lindo trabalho...
    ... Obrigada estranho mais coerente que já vi! rsrsrs

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