terça-feira, 25 de maio de 2010

TATUAGEM ALBINA















Nos últimos dias, tenho encontrado alguns contos com personagens albinas. Eis um deles:

A tatuagem do albino
Afonso Loureiro

O Pedro é azarado. A mãe diz que nasceu virado para a Lua e isso explica muito do que lhe tem acontecido de mal na vida. Para começar, nasceu albino, com todos os inconvenientes de o ser, agravados pelo facto de viver nos trópicos e os protectores solares não serem baratos.
Cresceu com um grupo de amigos quase da mesma idade, que moram nas casas que dão para o pátio comum, com a grande mangueira no meio. Treparam todos à mangueira e quase todos racharam a cabeça uma ou outra vez por de lá terem caído abraçados a um ramo fininho com uma manga sumarenta na ponta. O Pedro via-os de dentro de casa e, ao final da tarde, quando podia andar cá fora sem franzir os olhos, tentava imitá-los. Dizem que foi por ter caído mais vezes que os outros que ficou assim, um bocadinho menos esperto, um bocadinho mais ingénuo.
Alguns dos amigos mais crescidos, para se armarem em homens fortes, começaram a fazer tatuagens. A partir de certa altura, o que distinguia os meninos dos homens era a tatuagem e quanto maior, melhor. Implicitamente entenderam que esse era o sinal de entrada na vida adulta. O Pedro foi ficando para o fim do grupo dos meninos. Pouco saía de casa e não sabia onde poderia fazer uma tatuagem.
Um dia, para se sentir integrado, saíu bem cedo à procura de um artista. Foi perguntando e acabou por encontrar um rapaz que lha fazia por cem dólares. O Pedro nem hesitou e mandou desenhar um Che Guevara no ombro, como viu aos amigos. Infelizmente, como nasceu virado para a Lua, o tatuador sem recomendações que encontrou estava a iniciar-se na profissão. O Pedro foi o seu primeiro cliente e o desenho não se parece nada com o acordado, mas , pelo menos, não o consegue ver bem, nem mesmo torcendo muito o pescoço e anda contente exibindo a prova de que já é homem na pele rosada.

Os amigos gozam com ele, porque parecenças da tatuagem com o revolucionário argentino, nem o cigarro com que o desenharam servirá e é inaudito que o Che Guevara alguma vez tenha usado o Afro de Bob Marley. Conta quem o conhece que “lhe estigam por causa da tatuagem do Hoji-ya-Henda!“.
Mas nem tudo são tristezas, porque o Pedro, na sua ingenuidade, acha que riem com ele e anda orgulhoso da sua tatuagem do guerrilheiro angolano.

(Encontrado em http://afonsoloureiro.net/blog/?p=4418)

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