Tenho notado que a geração mais nova pensa que Kylie Minogue apareceu em algum momento da primeira década deste século. Enganam-se, fofos. A diminuta australiana surgiu numa novela de seu país natal, caiu nas graças dos produtores ingleses Stock, Aitken & Waterman e estourou nas paradas em 1988, com seu primeiro álbum. Desde então, tirando um período de queda no fim da década de 90, Minogue tem desfrutado fenomenal sucesso mundial, exceto nos EUA, que só ligaram pra The Loco-Motion. Azar deles; não sabem o que estão perdendo.
Kylie tentou mudar a orientação da carreira em meados da década de 90 e o resultado foi desanimador em termos de aceitação popular. Em 2000, a volta pra cima com o álbum Light Years, repleto de faixas dançantes, que é o que La Minogue sabe fazer bem. Um dos melhores álbuns pop da década, sem dúvida.
A década seguiu com outros álbuns dance criticamente aclamados; sucesso de vendas; permanência constante na mídia européia, japonesa, sul-americana, (seja de fofoca, de moda, de saúde, seja musical); uma luta travada publicamente contra um câncer no seio e namorados bonitões, sempre do continente europeu, franceses ou espanhóis.
Kylie Minogue é muito esperta; sempre de olho no que rola nas pistas de dança underground e gay, contrata produtores descolados pra transformarem essas influências em coisas mais palatáveis pras paradas de sucesso. Não foi diferente com Aphrodite, novo álbum da deusa, em grande parte produzido por Stuart Price, que já repaginou o som de Madonna e trabalha com os queridinhos Scissor Sisters (Kylie também está trabalhando com eles, ela não é boba!).
Se Light Years abriu a década de 00 como obra-prima dance, Aphrodite abre a década de 10 com o mesmo status! Não há nenhuma faixa fraca, o bombardeio de beats é praticamente incessante. Nada de baladas; a única faixa mais chillinzada é Everything is Beautiful, que de modo algum é lenta, apenas um pouco mais calma. Algo como o olho do furacão dançante e alegre de referências techno, disco, electro, synth pop e tantas outras que fazem com que Aphrodite necessite repetidas audições pra se digerir tudo. O duro é prestar atenção em referências quando a vontade é sair pulando e dançando por aí! Pra andar na rua, fazer esteira, pra ser tocado integralmente em boates, escutado no carro, Aphrodite não deixa o corpo quieto.
O álbum abre com All the Lovers, encharcada de teclados saídos do melhor synth pop oitentista como Gary Numan, Ultravox e John Foxx (e fazendo ref(v)erência ao vovô Kraftwerk). Get Outta My Way faz jus ao nome: é uma locomotiva que começa com tecladinho, entra uma batidinha, a voz de Kylie, falando que alguém é chato, enquanto o som vai se encorpando.... Aos 54 segundos, o trem-bala dispara e você tem que sair do caminho, senão ela atropela mesmo. Me joguei na frente pra ser atropelado e foi muito bom! Em Put Your Hands Up, a gente acaba atendendo ao pedido mais manjado em dance music, afinal, foi Kylie quem mandou erguer as mãos. Como desobedecer a Afrodite australiana?
A faixa título tem batida marcial pra gente marchar dançando e sair disparando flores e amor ao invés de armas químicas e balas. Too Much começa com os teclados nervosos da contemporaneidade, daí entra um pianinho martelado que lembra algum italo-house dos 90, Kyie falando que é too much, too much e daí a furiosa batucada dance nos fustiga por mais de 3 minutos.
Em Cupid Boy, La Minogue diz que está no paraíso. A essa altura do álbum, o ouvinte já está no décimo-sétimo céu com a cantora.
Uma das versões do nascimento da divindade grega Afrodite dá conta de que Cronos cortou a genitália de seu pai Urano e a jogou no mar. Formou-se uma espuma branca que, misturando-se à água, deu origem à deusa do amor. Afrodite, pois, tem a ver com o amor carnal, sexo, fonte geradora de vida e gozo.
Aphrodite é a celebração do amor e do prazer. Não necessariamente sexual. Tesão por dançar, por se mexer. O álbum palpita de energia. É vital. Como os batimentos cardíacos.