sábado, 12 de junho de 2010

ARTE EM TEMPOS DE GUERRA E PAZ

Bentinho e Capitu. Por décadas, a relação de ciúme e suposta traição entre as 2 personagens vem instigando leitores e propiciando discussões em salas de aula, com direito até a júris simulados pra decidir se a moça com olhos de ressaca é ou não “culpada” (que só se conheça a versão de Bentinho, parece não importar muito...).

A questão do ciúme impera numa sociedade que preza tanto o psicológico, o individual. E é importante. Igualmente crucial é o problema do desnível social das 2 personagens e como a relação delas fala muito a respeito de certos comportamentos e abafamentos de classe no Brasil. É quando se presta a devida atenção a este componente da trama, que se percebe com maior nitidez a importância social da arte, que resolve simbolicamente contradições nas quais nos inserimos.

A tragicomédia Turneja (2008) tematiza justamente o papel social da arte e do artista. A produção sérvia se passa no inverno de 1993, em meio às atrocidades étnicas da guerra na Bósnia.

Um grupo de atores de Belgrado é convencido a fazer uma rápida turnê pelas cidades bósnias devastadas pelo conflito. Dinheiro fácil é a motivação da trupe, que vive no isolamento da cidade grande, sem ter ciência da situação enfrentada no quintal de casa. Ao sair da zona de segurança belgradense, os artistas percebem não apenas a dura realidade duma guerra em que não se consegue distinguir com precisão grandes diferenças entre os oponentes, mas também que sua fama pouco vale em cidades bombardeadas ou perante uma população que perdeu tudo sem saber direito por quê.

O processo de tomada de consciência daquela realidade leva um dos atores a gritar “o que querem de mim? eu sou apenas um ator!”, repetindo Klaus Maria Brandauer, em Mephisto (1981), no qual um artista vende a alma ao nazismo.

O filme sérvio insiste na função social da arte ao mostrar como um escritor consegue insuflar o ódio étnico por meio de discursos e textos inflamados. Também mostra como o sujeito paga a conta, ao cair na mão dos muçulmanos. Os mesmos muçulmanos que, perante um trecho duma tragédia grega, poupam os pescoços da trupe.

Turneja pode ser bastante útil pros que (ainda) acreditam numa suposta autonomia da esfera estética e pra artistas com egos inflados, que se crêem insubstituíveis...

A produção pode ser assistida no You Tube, com legendas em inglês.

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