sexta-feira, 4 de junho de 2010

TCHECOV NA TURQUIA


Roberto Rillo Bíscaro

Acabei de ver Mayis Sikintisi (1999), do turco Nuri Bilge Ceylan.

Um cineasta vem á cidade natal para rodar um filme e utiliza seus próprios parentes como atores e técnicos. Ao longo de 2 horas vemos os problemas cotidianos de cada uma dessas personagens, que efetivamente pouco conseguem se comunicar uma com as outras. Não é coincidência que a obra é dedicada ao dramaturgo russo Anton Tchecov, mestre da representação do desespero e solidão de cotidianos cinzentos.

Mayis Sikintisi não é desesperado e deprimente, porém. Como sua inspiração russa, Ceylan nos mostra personagens imersas em suas próprias problemáticas, sem contudo, pintar cenários pesados de dor. Melancolia descreve melhor o filme, que não deixa de ter momentos de ironia e humor sutil também. É a força do cotidiano novamente em ação, certamente derivada do cine iraniano: o filme de Ceylan é parente do cine de Kiarostami.

O diretor usou membros de sua própria família para interpretar os membros da família do diretor imaginado do filme. Os pais da personagem que dirige o filme elaborado em Mayis Sikintisi são os progenitores de Ceylan. Metalinguagem e jogos de espelhos. Na simplicidade da trama subjaz tremenda sofisticação conceitual, narrativa e formal. A cena onde um garoto tampa os olhos alternadamente pra ver uma foto e a câmera adota seu ponto de vista é um achado!

Muzzafer, o cineasta da ficção, não ouve ninguém a seu redor. Seu pai é obcecado com a aquisição dum bosque nas cercanias (as cerejas de Chekov...e de Kiarostami?), seu tio tenta desabafar sobre a dor e solidão que experimenta após a perda da esposa, seu primo sonha em ir pra Istambul (A Moscou das 3 irmãs chekhovianas?),o pequeno Ali obcecado por um relógio musical. Enfim, todos, estão às voltas com seus próprios dilemas cotidianos, que dariam ótimos filmes, que mereciam ser ouvidos, mas para os quais Muzzafer não está atento. Mas, Ceylan sim... Nova sofisticação: Muzzefer ignora o que Ceylan se recusa a fazê-lo, a saber, entender as agonias, desejos, alegrias, frustrações e raivas do dia-a-dia, ouvi-las e representá-las.

O trabalho dos atores é excelente, especialmente o de Emin Ceylan pai dos diretores, tanto em nível ficcional, quanto na vida real. Aliás, os enquadramentos de câmera durante algumas cenas de Emin na floresta, me lembraram demais os usados por Adolfo Aristarain - diretor argentino de Lugares Comunes (2002) – pra filmar Federico Luppi. Sexagenários, de cabelos e bigodes brancos, Emin e Federico tinham muito em comum em termos de aparência, na época. O diretor argentino pode ter visto Mayis Sikintisi...

Sou eu quem demoro pra ver filmes, mas tudo bem, as coisas acontecem quando tem que ocorrer. Sorte eu ter visto esse pequeno tesouro turco numa chuvosa noite de outono. Chekhov certamente aprovaria minha escolha de clima.

(Alguém picotou e disponibilizou uma versão legendada em inglês no You Tube.)

Um comentário:

  1. Dr. Albee, vc conhece algum filme que trata sobre a Máfia Israelense? Se souber ou se tiver alguma outra indicação pra me passar, como um livro ou autor, eu agradeço muito.Você já viu tantas coisas, quem sabe possa me ajudar.

    BJ

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