terça-feira, 27 de julho de 2010

OS SEGREDOS DAS MONTANHAS DA SÁBIA CHINA

Roberto Rillo Bíscaro

Por um lado, a China tem sido construída como um local místico, dotado de sabedoria e sensibilidade milenares. Por outro, é pintada como um país, autoritário, onde os costumes empedrados por gerações impedem a modernização, ainda que o sucesso econômico recente coloque o país como o próximo na linha sucessória pra “rei do mundo”.
Ambas visões são estereótipos pra facilitar nosso entendimento de locais tão cultural e etnicamente díspares, ao qual chamamos simplesmente de “Oriente”. Como todo estereótipo, o caráter redutor dessas idéias cega pras nuances em cada sociedade.
A moderna China aboliu os casamentos arranjados, onde noivas são compradas e têm que se conformar com uma vida de escravidão sexual. Entretanto, que haja uma lei coercitiva não significa que a prática cultural não mais exista. É esse o tema do filme Mang Shan (2007), co-produção sino-germânica, dirigida por Li Yang.
A recém-graduada Bai Xuemei aceita um emprego que promete ser moleza: ela viajaria pelo interior da China com 2 outras pessoas, comprando ervas medicinais a preços reduzidos. Há um quê de tentar enganar os “simplórios” camponeses na jogada. A simpatia de Bai os faria vender sua produção abaixo do custo. Os pais da moça estavam endividados com sua educação universitária e tinham outro filho pra educar. Assim, a urbana Bai Xuemei vê a oportunidade de aliviar seus pais. A insistência na importância do dinheiro durante toda a narrativa mais do que justifica a motivação da moça em aceitar o trabalho. Certa vez, Ronald Reagan afirmou que não havia almoço grátis nos EUA. Na China de Li Yang, não há sequer carona grátis!
Ao chegar numa remota aldeia incrustada entre maravilhosas montanhas, a jovem toma um copo d’água e, ao acordar, constata que seus companheiros de viagem a haviam deixado pra trás. Sem dinheiro ou documentos, Bai descobre que fora comprada pela família de camponeses pra ser esposa de um dos filhos. Mantida em cativeiro, estuprada, agredida e humilhada, a jovem á aconselhada a resignar-se pelas demais moças da aldeia, todas na mesma situação de escravidão.
A narrativa de Mang Shan é lenta e cheia de contrastes irônicos. Mesmo quando não encarcerada, a amplidão da região pronde foi transportada serve como prisão pra Bai. Em meio às imagens de violência psicológica e física, somos brindados com imagens estonteantes de cartão postal, daquelas que vemos em revistas chiques de turismo ou nos National Geographics da vida e alimentam parte do estereótipo de harmonia com a natureza e paz dos campezinos.
A frustração do espectador diante das fracassadas tentativas de fuga de Bai aumenta com o desconsolo da personagem, especialmente quando ela constata que a lei não tinha o poder que sua mentalidade urbana atribuía a ela.
O desfecho é sangrento, mas construído sem sangue à mostra, dentro da lógica da progressão psicológica da protagonista. Bai faz o que tem que fazer pra se livrar da situação em que se encontra. Se conseguirá a liberdade, não sabemos; pelo menos, jamais desiste de buscá-la.
A última imagem de Mang Shan é o rosto da atriz Lu Huang, que interpreta Bai. Diametralmente distinto do da menina no trem, do início do filme. Mesmo que obtenha a liberdade, Bai jamais terá aquele rostinho novamente...
Abaixo o trailer e os rostos diferentes de Bai

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