Dia de estréia na nova fase do blog. Toda quarta-feira, contaremos com uma crônica escrita pelo professor José Carlos Sebe Bom Meihy. Amigo íntimo de mais de 10 anos e excelente cronista, o historiador aceitou meu convite para compartilhar seus textos com os leitores do Albino Incoerente. Aprecio o modo como seus textos alinhavam historias pessoais e temas sociais, imprimindo dimensão coletiva ao que, em princípio, parecem “causos” particulares. Zeca, por que você não reúne suas crônicas e as publica em livro?
A crônica de hoje trata sobre adoção e lança perguntas conseqüentes sobre o tema, a partir de alguns exemplos reais. Não é por acaso que há albinos no texto. Há algumas semanas, “encomendei” crônica sobre o tema, já com segundas intenções...
ADOÇÃO DE FILHOS: compromisso e alienação.
José Carlos Sebe Bom Meihy
Por uma razão ou outra, o tema da adoção de filhos sempre me rondou. E me comove. Imensamente. Por motivos combinados, ao longo de minha vida é quase rotineiro acompanhar casos de pais/filhos adotivos. E não poderia ser de outra forma, pois os jornais multiplicam informações sobre “adoção internacional”, “filhos de casais do mesmo sexo” e casos esdrúxulos como o do advogado Antonio Fernandes da Silva, de 46, filho adotivo de Plácido da Silva Mendes, que matou recentemente o pai em favor de um seguro de 2 milhões de reais. As histórias de más e boas experiências evocam sentimentos pendulares: ora bons, ora maus.
Recentemente, ouvi um apelo que me abateu. Um casal lindo, de albinos, pessoas que conheci em uma aventura militante, resolveu adotar uma criança. Enternecido, fiquei pensando na beleza desta história. Aliás, todo caso desse amor é emocionante. Conheceram-se numa dessas salas de relacionamento da internet e ele, que tinha namorada firme, sentiu-se atraído pela interlocutora distante. Ao se comprometer com o bate-papo diário, aos poucos, ambos foram se ligando sentimentalmente. Ninguém entendia o que se passava. Ele rompeu o caso antigo, veio do Espírito Santo a São Paulo conhecer a Cinderela Albina. Foi olhar e decidir. Casaram-se.
Eu os vi juntos numa sessão de fotos do incrível Gustavo Lacerda, que corrigia um grave equívoco cultural de considerar os albinos como não fotogênicos. E como foi arrebatador acompanhar o registro. Juro que nunca vi amor melhor expresso: ambos se entreolhando, misturando toques, afetos e desejos.
Pois bem, este casal, ciente das possíveis conseqüências de prole sem pigmentação, optou pela adoção. Atento a acompanhar o caso, busquei na internet informações e me deparei com um endereço que, entre outros, captou minha atenção: http://www.adocaobrasil.com.br/dep0718.asp
Diria que o site é modesto, despretensioso até, mas cativante. Mergulhei fundo na sessão “depoimentos”. Li todos. São declarações arrancadas do mar das realidades mais positivas e sinceras. Confesso que a debilidade das redações deu lugar, facilmente, às leais convicções de amor. São pessoas buscando dimensão para a própria vida, filhos atestando a singularidade de “ser escolhido”. Não faltam dificuldades e protestos, mas, sobretudo, sobram esperanças de dias melhores. Não sei o que acontecerá com o caso dos pretendentes pais albinos, mas desde já assevero a lição de busca de eternidade no amor familiar.
Por acaso, outra situação me liga ao tema da adoção. Tenho um vizinho, pessoa solitária, mas de lar organizado com uma empregada eficiente, muito distinto advogado. Conversamos ocasionalmente em encontros fortuitos. Soube que ele está em luta na justiça para adotar uma criança. Por ser só, ainda que tenha condições materiais para garantir sustento de uma criança, padece situações em que a burocracia emperra melhor sorte para tantos desvalidos da condição familiar.
Reconheço a prudência da lei e tenho em mente a figura da procuradora Vera Lucia Gomes, acusada de maus tratos com crianças em fase de adoção. Mas ela é exceção entre tantos experimentos bons. E torço para que meu vizinho consiga convencer os burocratas a fim de proporcionar um lar para eventual “filho do coração”.
Vale transpor a discussão para o plano da justiça social. Quando será que vamos acordar para a consideração de que temos cerca de 40 milhões de crianças em “estado de abandono”. Quarenta milhões é a população da Argentina e isso nos sobra como uma geração candidata a “meninos de rua”. No limite, a questão com que temos que nos defrontar é de ordem cultural: o que vale mais, o risco de experiências positivas ou a manutenção de gerações de marginais que vivem sem a oportunidade de afetos mínimos?
Ainda no plano político, questiona-se a eficácia de vetos ou barreiras à adoção internacional. Valeria a pena supor que a nacionalidade brasileira vale mais do que a condição humana? Em época de eleições, entre tantos temas frívolos, seria virtuoso ver algum candidato relacionar as discussões sobre adoção.
Recomendo, para terminar, que ouçam no site http://www.filhosadotivosdobrasil.com.br/ a fala de um filho adotado que inscreve seus dilemas nos problemas legais para conseguir informações elementares sobre a própria identidade. O universo de problemas abertos por essas circunstâncias é enorme. Maior, porém, a alienação de quantos acham que a adoção é problema doméstico de quantos o tem como patrimônio pessoal.
(Interpretada por Sérgio Reis, a canção Filho Adotivo cai como luva para ilustrar a relação de amor entre pais e filhos adotivos. Prestem atenção na letra.)
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
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Obrigado pelo modo com que retrata minha história com a Fernanda. Breve postarei aqui algumas coisas a respeito desta nova fase de minha vida e da nova formação de minha família.
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