Roberto Rillo Bíscaro
Ana Muylaert foi a vencedora do Festival de Brasília, ano passado com seu segundo longa, É Proibido Fumar. Durval Discos, seu primeiro filme, era sobre o cotidiano sem novidades, dum cara refugiado nos anos 70, que subitamente, sofre uma reviravolta. Um filme muito bom. É Proibido Fumar guarda algumas semelhanças com seu predecessor, entre elas, a boa qualidade.
Baby (Glória Pires, ótima) é uma professora de violão solteirona que vive solitária no apartamento herdado da mãe e apega-se a situações triviais, como brigar com as irmãs por um sofá vermelho deixado por uma tia. Doida pra arrumar um companheiro, entusiasma-se com a mudança de Max pro apartamento vizinho. Interpretado pelo titã Paulo Miklos, Max tem sonhos de fazer carreira musical de sucesso, mas é obrigado a tocar samba num restaurante, além de ainda não ter se desvencilhado de Estelinha, sua ex-mulher. 2 vidas situadas no passado e nos sonhos irrealizados, na banalidade cotidiana da maioria de nós.
Baby e Max iniciam relacionamento e as diferenças, também tão triviais, começam a surgir. Baby é fã de Chico Buarque, Max tenta convencê-la de que Jorge Benjor é mais músico. Ela fuma desesperadamente e o namorado pede que largue o hábito. Ela atende ao pedido não porque queira, mas pra agradar o parceiro. O desenrolar dos fatos deixa implícito que certas decisões devem ser tomadas porque realmente desejamos e não pra satisfazer aos outros.
Enciumada e estressada com a falta da válvula de escape da nicotina, Baby começa a espionar Max e, depois dum encontro entre este e a ex-mulher, acontece uma reviravolta na trama, que aponta pro fato de que a vida mais comum pode tomar outro rumo (mesmo que as mudanças não sejam tão drásticas na aparência) duma hora pra outra. Também salienta a importância dos não-ditos nas relações humanas. Nem tudo precisa ser verbalizado.
A reviravolta e a solução da trama são narrados sem fogos de artifício, mas isso não significa que haja falta de criatividade ou talento. Pelo contrário, a forma narrativa está em consonância com o tema do inesperado que pode ocorrer em qualquer vida e que quase sempre acontece sem os tais fogos.
Utilizando vários elementos extra-dialógicos pra caracterizar as personagens (o apartamento repleto de plantas e as roupas de Baby dizem muito..) e a música pra acrescentar níveis á história (uma cena inicial com uma ária de Carmen ao violão, enquanto Baby dirige, adianta que algo dramático pode acontecer, afinal, óperas são puro drama), É Proibido Fumar prova vez mais que Muylaert sabe como contar uma história e que ninguém ou nenhuma vida é “simples”.
Apenas uma cena destoa desse conjunto harmonioso. Na verdade, uma linha de diálogo. No elevador, Baby comenta com um vizinho sobre como o filho cresceu rápido. Ótimo, isso reforça a cotidianidade do filme, quem não faz esse tipo de comentário? Como um raio, o avô cochicha: “Já tem pentelho”. Longe de ser pudico, creio que isso é pra outro tipo de comédia. Muylaert provou que sabe misturar com competência diversos gêneros num só filme, mas essa frase é desnecessária, porque força muito a barra pra platéia rir.
É Proibido Fumar é uma das razões pelas quais o cinema nacional deve ser visto com olhos sem preconceito e precisa ser prestigiado.
Abaixo o trailer, com a cena do elevador...
Nenhum comentário:
Postar um comentário