Miguel Naufel, nosso escriba albino sempre de plantão, conta como um menino deficiente superou suas limitações e bateu todos os outros moleques.
O valor do dinheiro
Dinheiro sempre foi um desafio em minha vida, afinal, ninguém vive sem ele. Descobri isso com mais ou menos oito anos de idade.
Nesta fase de minha vida, tínhamos um jogo com as bolinhas de gude. São bolinhas de vidro colorido, que, para nós, quando garotos, era um verdadeiro tesouro! Fazíamos grandes campeonatos de bola de gude. Quem ganhasse adquiria todas as bolinhas dos meninos e ficava com uma bela coleção. Quando as perdíamos nos jogos, ficávamos frustrados...
Chicão, meu melhor amigo, era bom nos jogos de bolinha de gude. Mãos enormes e muita força nos dedos... Ninguém se arriscava a jogar contra ele.
Ele dizia que éramos sócios nas bolinhas. Na realidade, eu nem jogava... As bolinhas eram arremessadas com muita velocidade, e eu não as enxergava devido a minha baixa visão.
Um belo dia apareceu um garoto magrinho e muito rápido, que tinha apenas um dedo em cada mão. Era um garoto deficiente. No campeonato em que ele participou, meu sócio Chicão e os demais garotos ficaram sem bolinhas. O garoto deficiente faturou todas!
- E agora Chicão, como faremos para comprar bolinhas? O garoto ganhou todas.
- Pedir dinheiro ao meu pai nem pensar e o seu nunca tem dinheiro. E agora, Chicão?!
- Calma, calma, Migué... Vou dar um jeito, respondeu Chicão.
No outro dia pela manhã, nada de Chicão. Fui até a funerária de sua família e lá estava ele todo contente, com duas caixas de engraxates: uma em cada mão.
Ele me disse:
- Vamos engraxar sapato pra ganhar dinheiro. Ôce engraxa os pretos, que dá procê ver e eu os marrons.
À tardezinha, estávamos na porta do Paláce Hotel, no centro da cidade de Mococa. Íamos engraxar sapatos dos hospedes...
Depois de alguns minutos engraxando sapatos, fui surpreendido pela presença de meu pai, que me deu uma surra na frente de todos.
O que mais me doeu, foi o pontapé que ele deu na minha caixa de engraxate que se espedaçou no meio da rua.
No outro dia, Chicão gritou na porta de minha casa:
- Migué, Migué, Migué! Quando saí, vi que ele tinha uma dúzia de bolinhas, lindas e novinhas em folha. Continuamos a ser sócios nas bolinhas...
Nunca mais jogamos contra o menino deficiente, que tinha o apelido de Zé do Bem.
Aquela semana, não fui a atração principal entre os meninos, pois o garoto de um dedo em cada mão ganhou a atenção de todos. Alguns dias depois, tudo voltou ao normal: os garotos se acostumaram com o menino deficiente e voltaram a atenção ao meu albinismo e a minha baixa visão.
Miguel_naufel@hotmail.com
Miguel José Naufel
(Milton Nascimento também guarda lembranças da infância jogando bola de gude.)
domingo, 29 de agosto de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário