Roberto Rillo Bíscaro
Em 1977, o diretor húngaro Bella Tar dirigiu seu primeiro longa, antes de freqüentar a escola de cinema. Longe de apresentar o requinte formal de seus filmes futuros, Családi Tüzfészek não é menos poderoso ao apresentar uma espécie de docudrama sobre os efeitos devastadores da falta de moradia na Hungria comunista, forçada a orbitar no jugo soviético.
Uma tradução pro titulo seria Ninho Familiar. Se ninho conota aconchego e proteção, o realismo social de Tarr constrói um apartamento pra 2 onde vivem 3 famílias aparentadas. Iren e sua filha vivem no apartamento do sogro do marido, enquanto o o último serve o exército. O operário de meia-idade e sua amarga esposa não escondem de Iren o estorvo que representa à família. Quando o marido retorna, Iren tenta conseguir um apartamento, mas descobre que isso apenas seria possível dentro de no mínimo 2 anos. A tensão aumenta, porque o sogro a acusa de infiel. Diante da intolerável situação em casa, a jovem decide partir com a filha pra viver em um dilapidado edifício invadido por outros sem-teto.
A montagem de Családi Tüzfészek justapõe as cenas como se foram quadros separados, que acrescentam novas dimensões aos tristes problemas pessoais causados pela falta de condições dignas de existência e pelo autoritarismo pseudo-coletivista da Hungria, que em 1956, tentara sem sucesso rebelar-se contra a URSS. A pediatra recomenda ar puro e ambiente saudável à garotinha de Iren, para logo em seguida, assistirmos à cena onde o burocrata que trabalha no setor de distribuição de moradias diz à mãe que seu sonho de um canto próprio está longe de ser realizado e acrescentar que é pago para lhe dar aquela informação e não pra condoer-se dos problemas dos requerentes. Em outra cena, descobrimos o real motivo da implicância do lascivo sogro com relação a Iren.
O tom documental de Családi Tüzfészek se faz sentir de diversos modos. Algumas cenas parecem mais depoimentos, uma vez que as impotentes personagens não estão efetivamente realizando trocas dialógicas com outrem. A câmera quase penetra nas personagens de tão próxima, causando intimidade, mas também certo desconforto. É como se o diretor enfiasse na nossa goela abaixo o desespero, os dedos besuntados de gordura e as lágrimas pingando do nariz das personagens. Esses closes tão próximos são especialmente poderosos no início do filme para que o espectador sinta o abarrotamento do minúsculo apartamento. Claustrofóbico!
Em alguns momentos, pode-se mesmo ouvir o barulho da câmera, reforçando a noção documental da obra. O austero branco e preto da filmografia realça o cinzento daquelas vidas despedaçadas.
Apesar de se notar que a não conexão entre as cenas reflete a falta de maestria do estreante diretor e também de certa propensão a criar personagens masculinos porcos e femininas algo mártires, Családi Tüzfészek é instigante. Duro de ver em seu rigor inexorável, não é boa pedida pra quem quer uma família de filme da Disney!
Uma cena do filme, legendada em inglês. Na refeição, o close up agigantado causa ainda mais gastura...
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