sexta-feira, 6 de agosto de 2010

PÓS-NOIR BÚLGARO

Roberto Rillo Bíscaro

A Bulgária faz parte da Europa pobre e desglamurizada. Após a queda do regime comunista, o país passou a exportar mão de obra barata para a abastada parte ocidental do continente e também para a parte rica da América. De certa forma, pode-se falar numa espécie de preconceito contra o país balcânico, como de resto contra os países do Leste Europeu, também campeões de imigração. Essa implicância contra a Bulgária não vem de hoje, porém. Só pra citar um exemplo, o termo vulgar em inglês pro verbo sodomizar (bugger) vem do adjetivo Bulgarian.
O preconceito contra o país é aludido de raspão em uma cena de Zift (2008), longa de estréia do diretor búlgaro Javor Gardev.
Condenado por um assassinato que não cometeu durante um assalto do qual participava, Moth consegue a liberdade antes do tempo, porque finge haver se convertido à doutrina comunista. Ao sair da prisão, insulta um dos guardas e é nocauteado por ele. Colocado desacordado na calçada em frente á cadeia, Moth é capturado por 2 militares que começam a torturá-lo a fim de que revele onde escondeu um valioso diamante negro, objetivo do assalto que culminou no assassinato do dono da pedra preciosa. Essa é a premissa pruma história que se desenrola na oprimida Sofia da década de 60.
Zift tem influências dos filmes noir: é narrado pelo protagonista e tem sua femme fatale, marca registrada da misoginia dos filmes de detetive norte-americanos. Gardev pontua sua narrativa com referências aos filmes hollywoodianos da década de 40, como na cena em que Ada, travestida como a cantora Gilda, canta uma versão em búlgaro pra Put the Blame on Mame, originalmente presente no clássico estrelado por Rita Hayworth. A bela cinematografia em branco e preto apenas realça o tom noir do filme, narrado em diversos flashbacks.
O diretor não está imune, porém, ás referências contemporâneas, como Quentin Tarantino, cuja presença se faz sentir nas historietas contadas por diversas personagens e também na alucinante sequência de perseguição dentro duma casa de banhos públicos, onde o protagonista é caçado enquanto persegue um olho de vidro! Ótima cena adrenalinada, diga-se de passagem.
Insetos e excrementos são os leitmotifs de Zift. As personagens centrais têm apelidos de insetos. A femme fatale, por exemplo é Louva-a-Deus, que serve como pretexto pruma comparação entre a devoração da cabeça do macho pela fêmea durante o coito insetívoro e a relação sexual entre homem e mulher (eu poderia ter vivido sem isso...). Diversas historietas e a própria localização do diamante envolvem excrementos (argh!). Zift, entre outras coisas, é uma gíria pra merda, em búlgaro. Não há com o que se preocupar, porém: as fezes são apenas citadas e compõem a “moral da história”, jamais somos brindados com elas (viva!).
A despeito de um par de cenas que não contribuem pro andamento da trama, Zift é uma promissora estréia de Javor Gardev.
Todos os elementos não passam de desculpa pra alegorizar o totalitarismo do regime comunista e o imperialismo soviético. Não pode ter sido outro o motivo que levou o diretor a encerrar o longa com uma marcha militar patriótica que diz num trecho “a Bulgária é um grande país, mas a Rússia é o maior de todos”.
Pra quem ficou curioso com a cover de Put the Blame on Mame, ei-la (não tem um clima de Tarantino e David Lynch? Talvez Angelo Badalamenti também?...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário