segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ADOLESCENTES PORTUGUESES

Encontrei um artigo sobre adolescentes portugueses com problemas visuais. Dentre eles, Francisco, uma pessoa albina, cuja parte destaquei em vermelho.

As cores invisíveis dos adolescentes

As mudanças impostas pelo crescimento geram angústia, medo e revolta, principalmente para quem está privado da visão.

Por entre o tumulto das horas, o sol dos dias quentes de Verão aquece a face de Inês, a quem a franja criteriosamente cortada e o laço no cabelo embelezam o rosto de boneca. Sentada num banco de cimento, num recanto do recreio barulhento do Centro Helen Keller, em Lisboa, Inês tenta descobrir uma voz familiar no burburinho. Dos dias claros de outrora restam as sombras desfocadas que só o treino dos sentidos é capaz de conhecer. Os óculos que lhe enfeitam a cara pouco acrescentam à visão residual, mas engrandecem o ego já beliscado pelos sentimentos contraditórios da adolescência.
"O facto de não ver atrapalha. Os outros vêem-me como diferente. Gostava de ver melhor", deixa escapar. Ana, o ombro amigo "dos bons e maus momentos", não partilha o mesmo sentimento. "Eu não mudava nada. Temos que nos aceitar como somos".
A sabedoria das palavras é já uma vitória do seu crescimento, um processo ainda pouco claro para quem a completa ausência da visão serve de mote para a angústia dos dias. "A adolescência está a ser horrível em tudo. Nem consigo descrevê-la. São problemas meus", atira a seco Ana, a menina quase mulher, de madeixas no cabelo e sandálias de salto alto. Sente desconforto perante a indiferença dos colegas que não encontra com o olhar, mas detecta com o coração. "A relação com os colegas é má porque tento-me aproximar deles e eles, muitas vezes, não deixam. Não há colegas cem por cento verdadeiros. Não gosto de pessoas que falam comigo e depois me criticam nas costas. Vale mais só do que mal acompanhada".
A REVOLTA
"A adolescência é uma fase em que os jovens se querem afirmar, querem marcar a sua identidade e perder a visão é complicado, principalmente perante os colegas. Uns manifestam rejeição, revolta de forma mais notória, noutros a revolta é mais camuflada", assegura Arménio Silva, professor de braille no Centro Helen Keller, instituição que acolhe 650 alunos, 80 dos quais com deficiências visuais. A longa experiência valeu-lhe o dom de captar as angústias dos seus alunos mesmo sem lhes pousar o olhar.
"Os alunos de reduzida visão que vão perdendo a capacidade de ver gradualmente nem sempre aceitam o braille de bom grado. Para muitos, o braille e a bengala são sinónimos de cegueira. Em termos práticos não são cegos mas não conseguem ver a tinta", diz.
Já Maria do Carmo, directora pedagógica da instituição, garante que o grau de aceitação de uma nova condição é variável de aluno para aluno. "Uns alunos aceitam muito bem e lidam bem com as suas limitações, mas para outros a situação não está bem resolvida, mesmo a nível familiar. Os que não aceitam e se debatem com essas questões criam ali um parasita que não os deixa progredir". Como tal, "é preciso desenvolver um trabalho cuidado e contínuo para se aceitar a deficiência".
Ana e Inês também aprenderam a expressar-se através do braille. Hoje são capazes de conferir à brancura do papel mensagens perceptíveis apenas à sensibilidade dos dedos, com uma perícia quase tão exímia quanto aquela com que talham projectos para um futuro ainda pouco concreto. Partilham o mesmo sonho: serem psicólogas porque gostam de ajudar os outros.
O QUE VALE A AMIZADE
Num dos corredores do Centro Helen Keller está João. Os caracóis rebeldes que lhe enfeitam a cara, já marcada pelos sinais da puberdade, dão-lhe a alegria de um jovem de treze anos. Os seus olhos espreitam timidamente por entre as lentes dos óculos que usa, tentando decifrar quem o interpela.
"Gostava de ser arquitecto", revela. "Gosto de ver as casas e sou bom a matemática. Penso que é possível", afirma, crente. Quanto ao braille, esse surgiu logo no primeiro ano, a par da escrita impressa pela tinta. "Usei-o uma vez. Mas ainda vejo alguma coisa. Se tiver que usar braille ainda tenho que melhorar, não sei escrever bem. Usá-lo seria um pouco diferente mas também podemos dizer que se é preciso, se é a forma de escrever, temos que tentar". A lição, tal como o caminho a seguir, parecem estar estudados a preceito. Quanto às dúvidas, essas espreitam em cada palavra, em cada desabafo súbito perante a expressão pouco notória da amizade.
"Não tenho muitos amigos. Há pessoas que não gostam de mim, não percebo porquê. Às vezes costumo estar com alguns rapazes mas como não gosto muito de jogar à bola não estamos muito tempo juntos. Gosto mais de ler", confessa. Júlio Verne e Fernando Pessoa são, assim, os seus confidentes. É com eles que procura alento quando não encontra quem goste de estar consigo, numa clara prova de amizade. "Talvez eu seja um pouco diferente dos meus colegas. Mas não costumo pensar muito nisso", afiança.
João sente-se a crescer; sabe que ainda há muito a aprender para além daquilo que os livros, que vai lendo já com algum esforço, lhe podem ensinar. Para já, prefere vislumbrar os tons vivos do céu e do mar enquanto o seu intenso azul não se perde em memórias.
Francisco prefere o vermelho, talvez em tributo ao seu Benfica. Quis o destino que o seu cabelo fosse mais claro do que os raios de sol ao amanhecer e a sua pele quase rosada de tão sensível. É albino, facto que lhe trouxe ‘apenas’ algumas complicações a nível visual. ‘Apenas’ porque essa parece ter sido uma contrariedade já ultrapassada. "Um dia talvez venha a precisar do braille. Já vejo as letras um pouco juntas mas aceitei bem as minhas limitações. Sinto-me igual aos meus colegas, não tenho problemas com isso", diz, sem hesitações o jovem de treze anos. É certo que "gostava de ser futebolista mas, como não é possível devido aos meus problemas visuais, já ultrapassei isso. Talvez siga computadores".
Ao olhar para si, Francisco não encontra grandes diferenças, excepto algumas mudanças físicas que a idade foi conquistando. "Os meus pés estão a crescer muito", confessa, entre sorrisos. "Mas não tenho medo de crescer", avisa em tom desafiante. A ausência do medo perante o desconhecido ultrapassa a barreira do seu corpo. Para este jovem adolescente existem sentimentos que ainda não cabem nas palavras. "Não sei muito bem o que é o amor. Neste momento não gosto de ninguém. Ainda não tive uma namorada a sério. Mas não estou a pensar muito nisso", facto que não o impede de ser o rapaz mais popular na turma, "talvez seja por não parar quieto".
(Encontrado em http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/outros/domingo/as-cores-invisiveis-dos-adolescentes )

(Talvez os adolescentes tugas de hoje nem curtam mais os Delfins, mas houve uma geração que curtiu.)

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