quarta-feira, 29 de setembro de 2010

CONTANDO A VIDA 7

Na crônica de hoje, o professor Sebe assopra a fumaça do debate relativo à liberação da maconha e declara sua posição, de quebra abordando o aspecto de classe, que permeia essa discussão.

MACONHA: É PROIBIDO PROIBIR?
José Carlos Sebe Bom Meihy


Por força da profissão, vivo entre jovens. Ao longo dos anos, tenho medido os principais problemas que atordoam o ingresso à maturidade e, depois de tanto observar, aprendi que, sem dúvidas, as drogas são a maior ameaça. E como é difícil abordar o assunto com pertinência. Há um universo conspirando a favor do uso e outro lutando contra. Na primeira linha, as contraditórias medidas que apregoam o uso de bebidas alcoólicas e do cigarro. Toda uma cultura de propaganda – principalmente ligada à cerveja – incute relações de prazer, poder, aventura. A música popular relaciona o cigarro a devaneios, pausas nos problemas e demais lenitivos. É nesse contexto que reina a apologia às drogas mais comuns. E não faltam incentivos que tentam aliviar o peso das conseqüências. Chavões do tipo “isso é coisa da juventude”, “usar uma ou outra vez não é vício” ou citar exemplos de figuras importantes que consomem, torna-se desculpa para mal incurável, a adicção.
No contrapelo dos elogios ao uso, as proibições que, necessárias, ainda não atingiram o grau de maturidade necessário para distinguir as vítimas dos perpetradores. Assim, em tantos casos, são penalizados jovens que consomem em vez de se dirigirem esforços no combate aos fornecedores. É verdade que encaminhamos para melhoria, mas falta muito ainda. Sobretudo, carecemos de prática de conversa, de diálogo franco e aberto sobre esses temas. Não se fala apenas de relações de pais e filhos, de professores e alunos. Não. É fundamental que entre grupos de amigos, em situações regulares de troca de contatos, tenhamos condição de incluir o tema como assunto corriqueiro. E basta de apenas ficar chocados com as desgraças estampadas em noticiários.
Sem dúvida, essa questão ganha magnitude agora que desponta com mais vigor um dos movimentos mais danosos dos últimos tempos: a liberação da maconha. Por mais de cinco anos, freqüento as reuniões abertas do NA (narcóticos anônimos) e tenho feito pesquisas em histórias de vidas de usuários para um livro que devo publicar logo. No total, supero a marca de duzentas entrevistas feitas com usuários, familiares, cuidadores, e coleciono casos de indizíveis dores. A grande conclusão é que temos que assumir três postulados fundamentais para entender a questão: o uso de qualquer droga é doença; as razões e conseqüências são comunitárias, quase sempre ligadas às famílias, e, não há cura, mas existe forma de tratamento com algumas respostas felizes.
No que toca especificamente à maconha, deve-se dizer que é errado pensar que é apenas uma “droga leve” ou que “maconheiro é só maconheiro”. É verdade que existem usuários que apenas consomem a canabis, mas esses não passam de 12%. A grande maioria, principalmente jovens, vão da maconha para outras drogas. Quem advoga seu uso indiscriminado alega que o tráfico é o grande problema derivado da proibição. O simplismo dessa colação é óbvio, pois a contravenção é ampla, não apenas contra a maconha. De que adiantaria liberar a maconha se as demais drogas continuam grassando, mesmo na clandestinidade? E mais: liberada, quem diz que seu consumo diminuirá? Pior: teremos condições de controlar a compra e venda? Indo além, pensando nas experiências de outros países, como garantir que não funcionaremos como corredor para usuários de países vizinhos que além de fornecedores mantém o veto? A Holanda, país minúsculo e de fácil administração, recebe viciados de grande parte do mundo e isso agrava a economia do país, que tem que arcar com tratamento e cuidados gerais de uma leva que tem problemas de trabalho e assistência social. Imaginemos o que aconteceria na América Latina se apenas o Brasil liberasse o uso da maconha.
Talvez o mais perverso do movimento de liberação seja o caráter classista. São pessoas de classe média – quase sempre de classe média alta – que propagam isso. Tanto se valendo do potencial medicinal da erva que, esse sim, deve ser controlado, quando do risco da proteção dos consumidores que, ante a proibição, se favorecem de recursos escusos para adquirir o produto que os entorpece. Considerando tudo isso, será que não teremos que responder que sim, que proibido é não proibir. Sejamos valentes.

(Será que o professor gostará desta canção, sobre alguém viciado em amor?)

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