Na noite de domingo, 2 de abril de 1978, a CBS estreava mini-série em 5 capítulos que se tornaria um dos shows mais bem sucedidos da história da teledramaturgia mundial: DALLAS. O show centrava-se no estilo de vida dos ricos, em suas sofridas batalhas por poder. A sordidez de JR, o alcoolismo e as infidelidades de sua esposa Sue Ellen e as transações, traições e ritmo alucinante da repetitiva trama alcançaram níveis de frenesi midiático, inéditos até então. As soap operas, dramalhões exibidos vespertinamente, alcançavam o horário nobre da TV norte-americana e tomaram o mundo de arrastão.
Devido ao retumbante sucesso do problemático clã petrolífero da CBS, a ABC decidiu criar a sua versão de como vivem, amam e sofrem os ricos e glamurosos. Em 12 de janeiro de 1981, estreava Dynasty, também sobre o mundo do petróleo e lutas pelo poder, mas ambientada em Denver, Colorado. Um par de anos mais tarde, o folhetim competia e depois superaria DALLAS no ibope.
Além do desgaste natural dum programa de TV, Dynasty utilizou-se duma arma eficaz pra destronar DALLAS: excesso! Tudo em Dynasty é pra lá de over the top.
A estrutura é a mesma do show que lhe serviu de inspiração: a família Carrington (sobrenome com ressonância britânica pra dar mais glamur...) é unida como os Ewings (ianque demais pra ser glamuroso...) e vive na mesma casa, apesar de serem multimilionários. Essa união, porém, funciona apenas no momento em que um dos membros é ameaçado externamente – e mesmo assim depende dos interesses individuais. Os Carrington se traem mutuamente, brigam, fazem as pazes... O conflito dramático é sempre em potência elevada; cada episódio traz diversas surpresas e as personagens dizem o tempo todo que destruirão uma às outras. Quando o irmão desaparecido de Blake Carrington retorna e, mancomunado com Alexis, quer destruir o primeiro, até eu que amo I will destroy you’s achei um pouco exagerado. Houve episódio em que 3 personagens diferentes dizem isso para outras! E sempre com efeitos sonoros ultra-melodramáticos. Mas, claro que amei o exagero!
A estrutura incestuosa também é a mesma de DALLAS. As personagens casam, divorciam-se e recasam entre si em velocidade espantosa. O filho que traiu o pai num episódio, junta-se a ele no próximo pra trair a mãe. Mas,subjaz o mesmo discurso pró-família que imperava em DALLAS.
A trama repetitiva também é a mesma... Uma personagem bota uma idéia fixa na cabeçae não muda, até que o estrago na vida própria e das demais tenha se dado. Os furos no roteiro abundam! Uma personagem diz que voará pra San Francisco no dia seguinte e precisará do avião; na cena seguinte, vemos outra personagem usando a aeronave. De uma temporada a outra, a psicologia das personagens pode cambiar da água pro vinho: a víbora Sammy Jo – que chega a seqüestrar a tia enquanto uma dublê se faz passar por ela (isso mesmo!) – vira santa de uma hora pra outra, para depois, no reunion movie, de 1991, voltar a ser interesseira.
A diferença está mesmo no tom hiperbólico do show, que hoje faz dele um espetáculo de glamur brega. E é isso que o torna absolutamente delicioso e sintomático dos neo-liberais anos 80. Enquanto os provincianos Ewings eram milionários que quase nunca saiam de Dallas e não ostentavam tanto no vestuário, os Carringtons e os Colbys são o cúmulo da opulência. As viagens a Hong Kong, Rio de Janeiro, Sumatra, Europa e inúmeros outros locais se repetem. Imaginem que Sue Ellen Ewing sequer conhece Paris! Em Dynasty, as personagens enviavam seus aviões particulares á cidade apenas pra comprar brioches.
As muitas jóias usadas no set de filmagem eram reais; por isso, havia forte esquema de segurança. Os vestidos e casacos de pele eram desenhados especialmente pro show, inflacionando os custos de produção, que ainda envolviam flores, prataria, champanhe e caviar, muito caviar!
A canastrice das atuações chegava a níveis estratosféricos. Todos os atores – alguns péssimos, como em DALLAS – estavam acima do tom, tudo era exagero gestual ou de entonação. O sofrimento também era exagerado, enfim, a fórmula adotada pelos produtores e roteiristas foi fazer uma espécie de DALLAS on acid! E como deu certo! Pelo menos, por algum tempo... Até em letra do Prince, Dynasty foi citada (DALLAS já o havia numa letra do ABBA...).
Dynasty também trouxe proposta aparentemente mais inclusiva pra telinha. DALLAS era um show eminentemente branco, masculino e heterossexual. Dynasty veio com negros ricos e glamurosos (Dominique Deveroux, olhem que nome podre de chique!) e um filho gay pro patriarca do clã Carrington. Também apresentou ao mundo, uma vilã digna de constar na galeria dos JR Ewings da vida...
A primeira temporada não atingiu índices expressivos de audiência, mas o cliffhanger é um dos mais geniais que vi. A cena final é num tribunal, onde o patriarca Blake Carrington está sob julgamento pelo suposto assassinato do ex-amante de seu filho Steven. O promotor anuncia a entrada duma testemunha-surpresa. Abre-se a porta e uma elegante mulher entra de óculos-escuros e chapéu enorme. A música-tema começa a tocar enquanto a câmera focaliza a reação de surpresa das demais personagens. Quando a música atinge seu ápice, um freeze frame na misteriosa mulher, que àquela altura já sabemos quem é: a ex-esposa de Blake, escurraçada pelo marido por tê-lo traído. A câmera continua os close-ups nas personagens e Krystle, a atual e boazinha esposa de Blake, passa a mão dramaticamente pelo cabelo platinado. Dynasty está codificada naquela cena! Glamour, drama, exagero. E o telespectador já sabia: essa mulher vai aprontar na próxima temporada! Literalmente arrepiei quando vi esse final. Adoro drama, canastrice e glamour!
A personagem introduzida no final da temporada cumpriu o papel a que veio: apimentar o show e fazê-lo voar alto, mas muito alto mesmo! Alexis Morel Carrington Colby Dexter (a cada novo marido ela aumentava um sobrenome) é uma JR Ewing de casaco de vison, sotaque britânico, copo de champagne e caviar na mão! Perversa, vingativa, manipuladora, exuberante, perua, venenosa. Pra quem ama um bom vilão, Alexis é sob medida. Nada é meio-termo com ela; a megera voltou a Denver com uma missão: DESTRUIR Blake Carrington. E é a isso que dedicará quase todo o seu tempo nas 8 temporadas seguintes. A audiência amou Alexis e, por sua causa, o seriado virou referência! Joan Collins, que interpretou Alexis, tornou-se a mulher mais bem paga da TV, nos anos 80 e é diva até hoje.
As pessoas amaram uma mulher que dizia o que pensava, agia como queria, se vestia, penteava e maquiava exuberantemente e não poupava esforços pra obter o que ou quem desejasse. Sou apaixonado por JR Ewing, mas confesso que Alexis às vezes me fazia pensar: ”putz, ela consegue ser pior que o JR!!”. Claro que a suposta independência de Alexis é fachada e Dynasty é tão falocêntrica quanto DALLAS. A motivação única de Alexis era destruir o ex-marido porque no fundo o amava, mas ele não mais a ela. Ou seja, suas ações eram determinadas e dominadas pelo macho, ela não fazia o que fazia por impulso próprio... De qualquer modo, ela era mais pró-ativa do que as mulheres em DALLAS, sempre à sombra de JRs e Cliffs.
Mas, quem realmente se importa com o falocentrismo mal disfarçado de Dynasty? O que contava era a diversão e isso a série proporciona em doses extra-fartas! As brigas entre as personagens femininas – as catfights – se tornaram obrigatórias e legendárias!
As tramas envolviam terroristas árabes, atentados terroristas na Moldávia no meio dum casamento real, cobras venenosas saindo de caixas de lingerie, explosões de plataformas petrolíferas, abortos, estupro marital, terroristas peruanos, abdução por ET’s (!) e as revelações inúmeras e em público a respeito de paternidades negadas/admitidas, personagens que julgávamos mortos e voltam do nada. Como em DALLAS, atores desistiam de seus papéis e eram substituídos por outros. Al Corley interpretava Steven nas 2 primeiras temporadas. Saiu e foi substituído por Jack Coleman. Solução encontrada pra personagem: depois duma explosão, o jovem fica desfigurado e tem seu rosto recomposto por um cirurgião. No caso de Fallon e Amanda Carrington não houve sequer essa preocupação. Num capítulo era uma atriz, no seguinte, outra!
Em 1984/5 Dynasty suplantara DALLAS e reinava absoluta gerando muito dinheiro. Sua ascensão ao topo foi espetacular. Sua queda, igualmente rápida. A segunda metade da década não era mais receptiva ao estilo de vida dos ricos e shows mais “simples” assumiram comando da audiência.
O orçamento de Dynasty reduzia-se a cada temporada. Era visível na produção: vestidos repetidos, jóias falsas, menos flores, muito menos externas, cenários reaproveitados. Na última temporada, a grana estava tão curta que a caríssima Joan Collins foi deixada de fora em diversos episódios.
Dynasty viveu 9 temporadas e acabou de repente, pegando os fãs remanescentes de surpresa. Alexis e Dexter despencam de uma balaustrada. Menos de ano e meio mais tarde, um reunion movie foi produzido para tentar reviver o interesse pela série e costurar os fios soltos da derradeira temporada. Não funcionou. O roteiro era estúpido e o mundo não mais se interessava pelos Carringtons e Colbys.
Dynasty bateu DALLAS em seu próprio jogo, mas há uma ironia enorme nessa história: os Ewings sobreviveram mais tempo que os Carringtons. DALLAS terminaria em 1991, ano em que Dynasty já estava no reunion movie.
Comecei a primeira temporada em meados do ano passado e terminei a nona, há 2 semanas. Também vi o reunion movie e todos os documentários e entrevistas que encontrava no You Tube.
Assisti Dynasty inteirinha no You Tube. Tá tudo lá, pra quem entende inglês. Basta ir ao site Ultimate Dynasty http://www.ultimatedynasty.net/thesaga.html , pegar o nome de cada episódio e procurar no You Tube, às vezes digitando Dynasty junto ao nome pra evitar confusão. E bom divertimento!
(Postagem dedicada ao ator John Forsythe, o Blake Carrington, falecido enquanto eu via Dynasty. What the devil...?)
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