Atores cegos e surdos viram a sensação do teatro israelense
Encenada com a ajuda de tradutores, a peça "Não só de pão", do grupo Nalaga'at, já foi vista por 150 mil pessoas
Daniela Kresch
As portas do teatro se abrem e, no palco, 11 pessoas amassam uma mistura de farinha, água e fermento. Enquanto o público vai se acomodando, os atores, vestidos de chefes de cozinha, forjam no trigo o milagre do pão, que, no final da apresentação, recém-saído do forno, irá fartar a plateia. A curiosidade é fermentada por um detalhe: a peça israelense "Não só de pão" é encenada pelo grupo teatral Nalaga'at, o único do mundo formado apenas por atores simultaneamente surdos e cegos.
Engana-se, no entanto, quem espera um espetáculo recheado de autocomiseração ou um show de esquisitices. Em uma hora e meia, tempo que leva para assar o pão, a peça relata sonhos, aspirações e experiências pessoais dos atores surdo-cegos com muito bom humor e joie de vivre. Os tópicos podem ser pesados, como solidão, escuridão e silêncio. E os sonhos podem parecer banais, como ver TV, jogar futebol e ir ao cinema. Mas o espetáculo trata tudo isso com delicadeza e sem melancolia.
Tambores marcam as cenas
Uma equipe de oito tradutores ajuda o público a entender o que está sendo contado, além de acompanhar os atores pelo palco. Os ajudantes também dão o ritmo do espetáculo ao bater tambores que, sentidos pelos atores, servem de deixa para a próxima cena.
Em três anos de montagem, o espetáculo já foi assistido por mais de 150 mil pessoas, em Israel e no exterior. No mês passado, o grupo fez 12 apresentações em Londres e foi aclamado pela crítica local. "Cegos, surdos e brilhantes", decretou o jornal britânico Telegraph. Para Adina Tal, diretora da peça e fundadora do Nalaga'at ("Toque, por favor", em hebraico), o segredo do sucesso é o justamente tratar atores e público com respeito, sem apelações.
- Não encaro ninguém de maneira especial. Ao contrário: sou mais severa com os atores surdos e cegos do que jamais fui com outros pupilos. Não sou nenhuma Madre Teresa - conta a diretora, de 57 anos, nascida na Suíça, mas que mora em Israel desde os 20 anos de idade. - Me apaixonei por esses atores porque vi que tinham potencial. Como eles, descobri que não há limite para o espírito humano.
A experiência no palco é descrita pelos atores como libertadora.
- Minha vida mudou depois que comecei a atuar. No palco, me sinto livre. E isso se reflete também fora dele - explica ao GLOBO Bat-Sheva Ravenseri, de 40 anos, mãe de três filhos, que nasceu surda e perdeu a visão na juventude. - O que queremos é que as pessoas conheçam nosso mundo e o respeitem - completa a atriz, tateando as mãos do tradutor, na linguagem imortalizada pela mais famosa surda-cega da História, a americana Helen Keller.
Para outra atriz, Shoshana Segal, de 65 anos, o resultado pessoal do espetáculo é sua inserção social. Através da peça, ela sente que, depois de tantos anos, contribui para a sociedade. Yitzik Hanuna, de 55 anos, vai ainda mais longe. O espetáculo, para ele, deu sentido à sua existência.
- Atuar abriu um mundo novo para mim. Agora, tenho motivo para acordar de manhã. Como diz o nome da peça, não só de pão vive o homem. Todos precisam de uma motivação, de um porquê - diz Yitzik, que nasceu cego e perdeu a audição na infância, depois de contrair meningite.
A ideia de criar o grupo de teatro surgiu há dez anos, depois que Adina foi convidada a ministrar um workshop para surdos-cegos. Dois anos depois, estreava a peça "A luz é ouvida em ziguezague", com direito a apresentações nos Estados Unidos e na Europa. A montagem de "Não só de pão", em 2008, mostrou que o grupo de atores não tinha a intenção de cair no esquecimento.
O sucesso das peças fez com que o projeto se ampliasse para o que é hoje: uma ONG voltada para pessoas surdas, cegas ou surdas-cegas, com oficinas, cursos e espetáculos para adultos e crianças. Dois terços dos 120 funcionários da organização têm alguma deficiência visual ou auditiva.
A atual sede do Nalaga'at fica num armazém renovado no velho porto de Jaffa, subúrbio de Tel Aviv. Além do teatro, o local conta com um café, o Kapish, no qual todos os garçons são surdos, e um restaurante, o BlackOut, servido apenas por garçons cegos (os clientes comem na escuridão total, como se também não pudessem ver). O resultado de tantas atividades é que a ONG quase não precisa de doações para sobreviver.
Tudo isso parece um sonho para Adina Tal, que, há dez anos, nunca tinha visto um surdo-cego na vida. Ela confessa que a vida a surpreendeu.
- Me sinto abençoada. Acho que conheci os atores numa idade em que precisava de desafios. E isso não faltou nos últimos dez anos. Não tive um único dia de chateação - garante.
(Encontrado em http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=29663 )
(Letra de Chico Buarque + música e arranjos de Edu Lobo + voz de Milton Nascimento + homenagem às atrizes = OBRA PRIMA.)
domingo, 12 de setembro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário