OS DIÁRIOS SECRETOS DE ANNE LISTER

Roberto Rillo Bíscaro

Anne Lister é conhecida como a primeira lésbica britânica, no sentido moderno do termo. Vivendo na primeira metade do século XIX, a proprietária de terras, alpinista e negociante não fazia questão de camuflar sua orientação sexual. A confortável situação econômica conferia-lhe certo grau de autonomia, numa época em que arrumar marido era destino e tarefa de toda mulher que se queria “decente”. Isso não diminui, todavia, a coragem de Miss Lister – apelidada maldosamente de Gentleman Jack -, que enfrentou o risco de opróbrio social e foi à luta no amor e nos negócios.

Durante toda sua vida, ela manteve diários, que permaneceram ocultos por 150 anos após sua morte, em 1840. Seus escritos foram publicados em 2 volumes, em 1988 e 1992, depois de serem descobertos na vasta casa da família Listes e a linguagem codificada em que escrevia ter sido decodificada. Seus escritos falam de sua vida cotidiana, de seus sentimentos por mulheres e dão detalhes bastante gráficos para a época, de suas seduções e relações. Tal atrevimento tão pouco imaginado para a época de Jane Austen levou a suspeitas de que o material fosse fraudulento, até que estudos provaram sua autenticidade.

Este ano, a BBC produziu o telefilme The Secret Diaries of Miss Anne Lister. Rodado em 18 dias, a produção salienta aspectos da vida amorosa, social e empreendedora da inglesa. A produção mostra como Anne superou o amor de uma mulher que a trocou pela segurança dum casamento com um homem muito mais velho, porém, rico e capaz de assegurar-lhe a respeitabilidade que tanto desejava. Além disso, apresenta o sucesso de Lister na exploração de carvão, desbancando um vizinho invejoso e despeitado.

O usual esmero das produções de época e os bons atores não são novidade pros iniciados no padrão BBC de qualidade. Nada de inovação formal ou modernices narrativas. O enfoque foi salientar a história, que, por si só, inova ao mostrar comportamentos tão pouco comuns em filmes de época.

(Depois de assistir ao filme, me deu uma vontade danada de ouvir Nobody’s Diary, do Yazoo, duo inglês de sucesso na primeira metade dos anos 80.)