sexta-feira, 17 de setembro de 2010

PAPIRO VIRTUAL 4

Nossa seção de literatura traz um conto com um clima kafkaniano, de autoria de Carlos Eduardo Marotta Peters, doutor em História pela UNESP. O professor universitário já tem em seu currículo as seguintes publicações: Mutações: 20 contos soturnos; História do Cinema, Cinema da História e Seres Fantásticos do Brasil".


O PÊNDULO
A mulher aproximou-se do guardião e pediu uma audiência com o magistrado. Disse que queria falar sobre seu marido, que há anos fora preso injustamente e que nunca tivera direito a um julgamento. O guardião mostrou à mulher um grande pêndulo, que se projetava do teto escuro da sala de espera. Disse a ela que acionaria o mecanismo e que, quando o pêndulo parasse seu movimento, o magistrado a receberia.

E assim foi feito. A maquinaria matou o silêncio do recinto com seu ruído ventoso e com o ranger de suas engrenagens. A mulher passou dias naquela sala, sem que o pêndulo perdesse a velocidade. Logo, os dias se transformaram em semanas, e as semanas em meses. Aqueles que passavam pela porta do grande edifício logo se solidarizaram com a mulher. Alguns trouxeram para ela alimento e água, e outros, trapos e cobertores. Ela emagreceu na sala de espera. Sua pele enrugou e suas juntas ficaram frágeis. Logo, as pessoas se esqueceram dela. Todos já tinham garantido um lugar no Paraíso.

Quando os negros cabelos da mulher já se acinzentavam, um rosto conhecido entrou pela porta. Era uma de suas vizinhas. Ela trazia notícias de sua terra e de seus filhos. Disse que eles adoeciam sem ela, e que não conseguiam mais extrair alimento da terra. A mulher, desesperada, abandonou a sala de espera e voltou para os seus. Ficou com eles longos dias; dias suficientes para estocar alimentos, tecer novas roupas e curar as feridas.

Quando finalmente voltou à sala de espera, encontrou o pêndulo parado. Chamou pelo guardião e ele matou suas esperanças. Disse que o pêndulo parara por ela; mas que ela, esposa pouco devotada, não estava presente para requisitar o perdão do magistrado.

(Linda canção de Egberto Gismonti pra ilustrar o conto.)

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