sábado, 4 de setembro de 2010

RESPEITANDO O SAGRADO


Roberto Rillo Bíscaro

Há quase 10 anos, um amigo mais velho me disse algo que só entendi alguns anos depois. Pra turnê do álbum Vespertine, a cantora islandesa Bjork escolheu fazer seus shows nas casas de ópera mais tradicionais da Europa e dos EUA. Adorei a demonstração de poder de uma das minhas ídolas máximas. O amigo não gostou nada, nada, pórem. Cantor e professor de canto lírico, ele me disse que eu ainda entenderia o que significa ter um espaço que você considera sagrado, invadido por algo percebido como inferior, no caso um show de música pop em sacrossantos templos eruditos.
Quando me dei conta de que algumas de minhas canções prediletas dos anos 80 estavam sendo regravadas por artistas mais jovens e os resultados me soavam como heresias perpetradas contra as versões originais, entendi a indignação do amigo e percebi que estava ficando velho. Eu tinha o meu sagrado e pagava por preferir a versão oitentista de Kim Wilde pra You Keep Me Hanging On à versão sessentista das Supremes!
À medida que os artistas de minha infância e adolescências ficam velhos e desaparecem das paradas de sucesso, as gerações mais jovens regravam uma canção ou outra. Normal no universo pop, só nos resta aceitar e aos artistas veteranos apoiarem, afinal, sempre rende dinheiro e exposição extras.
A dupla norte-americana Daryl Hall and John Oates é uma dessas pérolas dos anos 80. Durante parte dos 70’s e metade da década seguinte, voaram alto nas paradas de sucesso. Burilaram canções pop, misturando elementos de Philly soul, new wave e hard rock, que se tornaram clássicos duma geração. Os críticos detestavam, mas ninguém dava bola. Hits como Maneater ou Private Eye grudavam feito chiclete. É deles uma de minhas canções favoritas da década: Out of Touch. Não passa semana sem que eu cantarole o refrão pelo menos uma vez...

Conforme o tempo passa, algumas coisas que eram lixo na época de produção, viram cult ou atingem status de gênio. Também normal na indústria pop... O hoje idolatrado Burt Bacharach foi considerado brega; hoje dificilmente alguém se atreveria a dizer isso.
A história está se repetindo com Hall & Oates. Já há quem os chame de mestres, como é o caso do álbum Interpreting the Masters, Vol. 1: A Tribute to Daryl Hall and John Oates, lançado em março, pela também dupla, também norte-americana, The Bird and The Bee. Formado por Greg Kurstin e pela vocalista Inara George, o duo bebe em fontes retrô como jazz, tropicália, sophistipop e pop vintage em geral. Inara tem uma daquelas vozes fininhas e doces de fada, que tanto amo, então, quando soube que lançaram tributo aos conterrâneos oitentistas, interessei-me.

Se eu já era fã deles, depois de escutar o álbum de covers de Hall & Oates, tornei-me devoto. O trabalho está excelente. Greg e Inara escolheram 10 faixas de sucesso e conseguiram quase uma façanha: atualizar as canções sem que perdessem a essência Hall & Oates. O segredo é respeitar e gostar do material selecionado e não querer reconstruir canções que fazem parte do universo emocional de uma geração (a deles, inclusive). Maneater é exemplar: a modernização do arranjo está na medida exata para não descaracterizar o toque do original. Anos 80 e gotas de contemporaneidade coexistem em harmonia pra alegria de jovens e coroas. O resultado mantém a marca registrada Hall & Oates (até nos maneirismos vocais), mas também a sonoridade do The Bird and The Bee. Private Eyes ensaia uma introdução que promete ser modernosa, mas retoma suas raízes new wave e rádios FM de easy listening. A melodia e arranjos arejados e ótimos pra ouvir na estrada, estão em instigante contraste coma letra, sobre obsessão!
Não é à toa que o álbum abre com Heard It on The Radio, outro exemplo de o original é sagrado pra dupla californiana. Eles realmente ouviam e se lembram dessas canções tocando no rádio.

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