quarta-feira, 13 de outubro de 2010
CONTANDO A VIDA 8
ESCOLHAS TURÍSTICAS
José Carlos Sebe Bom Meihy
Existem dois tipos de turistas: os que voltam sempre aos mesmos lugares e os que preferem se arriscar em novas aventuras. É lógico que muitos tentam combinar as alternativas, mas nem sempre conseguem, pois, ou bem se faz uma coisa ou outra. Sou dos que gostam de novidades e desafios. Em termos de turismo, sou intrépido e mesmo quando volto às cidades por onde passei, busco ver o que mudou e descobrir criações.
Sobre Paris paira um ditado bastante conhecido: melhor do que chegar pela primeira vez é voltar sempre. Fico em dúvida, até porque acho essa cidade, ao lado de Nova York, tão plural que ninguém pode dizer que a domina de verdade. Infelizmente, não sou dos que merecem o título de conhecedor de Paris. Não mesmo, mas também não sou marinheiro de primeira viagem. Desta feita, porém, a “cidade luz” superou todas as visitas anteriores. Já contei dos passeios de bicicletas e das maravilhas que isso permite, mas ousei em outros campos. Depois de pedalar das oito da manhã às duas da tarde, cheguei ao Museu d’Orsai, um dos meus preferidos no mundo. Fui resolvido a ver apenas algumas peças e quadros que fazem parte do meu acervo de predileções. Dispensei – vejam que luxo – os clássicos do impressionismo e busquei algumas obras que não são as mais visitadas. Não diria que são “menores” por isso, simplesmente não fazem parte da eleição das mais famosas. Foi assim que vi a incrível L’excommunication de Robert de Prieux, pintado por Jean-Paul Laurens, em 1875 e outra vez fui invadido pelo sentimento de solidão que nenhuma outra pintura me permite. Minha escolha mais polêmica implicou visita à L’École de Platon, de Jean Deville – onde Platão, numa aula peripatética, assume a figura de Cristo e os alunos de apóstulos hermafroditas. Passei um bom tempo vendo o mobiliário art nouveau, em particular as mais deslumbrantes peças das duas Bibliothèques (de François Ruper-Carin, de 1980 e de Louis Majorelle de 1899).
Encantado, resolvi aproveitar o resto do dia de forma original: optei por ir a uma dessas casas de enólogos. Escolhi a Boutique Bernard Magrez, próximo à Opéra. Sr. Magrez é um dos maiores produtores de vinho do mundo e prepara ele mesmo os mestres que ensinam amadores (como eu) a degustar o precioso líquido. Arriscando achar vaga, num rompante, estacionei minha bicicleta na área devida e desembolsei os mais bem gastos 45 euros da minha vida. Sentei-me ao lado de duas senhoras australianas que, seríssimas, davam exemplo no raríssimo aprendizado. Foi uma delícia. Desde as escolhas das taças até o modo de segurá-las, desde a altura até o como girar o vinho para ver a textura, foi um show à parte. O respiro do buquê e o tal do primeiro gole me convenceram que meu lado burguês ainda é muito resistente. Foi-me difícil aceitar que os canapés servidos eram apenas complementos e deveria prestar mais atenção aos vinhos. Depois do terceiro gole, estava completamente desconcentrado. No total, foram duas horas de “curso” e se não posso dizer que saí mais conhecedor, pelo menos tenho credenciais para recomendar a todos que, ao virem a Paris, não deixem de passar pela Rue Saint-Augustin e cumprimentar o dono de 35 dos melhores vinhedos franceses.
Ah! Se vierem, não se esqueçam de levar junto alguém que não bebe e se disponha a esperar na porta. Paguei caro por não saber disso, pois esqueci onde havia estacionado a bicicleta. Demorei uma hora para achá-la e até maldisse o Sr. Prefeito que criou um sistema tão perfeito, mas se esqueceu de personalizar as bicicletas. Ao reclamar a um francês usuário das duas rodas ouvi dele que ali se aplicava o princípio da Revolução: liberdade, igualdade e fraternidade. Realmente, a igualdade das bicicletas me fez pensar na superioridade dos dois outros pressupostos: liberdade e fraternidade. Garanto que a igualdade – das bicicletas – depois do vinho, poderia ser menos revolucionária.
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