Marcos Rolim, autor de Bullying, o pesadelo da escola, fala à Inclusive sobre bullying, violência, preconceito, vida escolar, direitos humanos e inclusão. O jornalista acaba de lançar o livro, que esmiuça em detalhes a temática, pela editora Dom Quixote.
Inclusive – A visibilidade que atualmente se dá às questões relacionadas à violência na escola, e mais propriamente ao bullying, decorre da expansão do fenômeno ou seria possível dizer que trata-se de um fenômeno já antigo e que adquire agora maior significação a partir de uma maior exposição da escola e de suas estruturas internas?
Marcos Rolim – Tudo leva a crer que o fenômeno é antigo e que, só agora, passou a ser propriamente considerado como um problema específico. Na verdade, o bullying só foi identificado como uma forma particular de violência – entre pares e de forma repetitiva – nos últimos 30 anos, a partir dos estudos pioneiros de Dan Owels na Suécia e na Noruega. De lá para cá, muitas nações passaram a desenvolver abordagens antibullying nas escolas. No Brasil, estamos ainda no início de um processo de sensibilização sobre o tema que segue sendo ainda desconhecido.
Inclusive – No ano passado, deu-se muita visibilidade a uma pesquisa realizada pela FIPE dando conta da presença ostensiva do preconceito no ambiente escolar, visando principalmente minorias. O que pensa a respeito do preconceito contra minorias no ambiente escolar? Concorda com a apreensão de que o ambiente educacional está saturado de valores discriminatórios? Até que ponto o bullying deriva desse estado de coisas?
Marcos Rolim – As escolas não são instituições apartadas da sociedade. Assim, se termos preconceitos e práticas discriminatórias disseminadas socialmente, seria de se esperar que estes fenômenos também se fizessem presentes nas escolas. Por óbvio, quanto maior o espaço para a reprodução dos preconceitos, maior a gravidade e a prevalência do bullying, como de resto de toda a violência. Ao que tudo indica, uma parte significativa dos professores também compartilha de muitos preconceitos, o que torna mais difícil que estes educadores percebam os processos de exclusão e certas práticas de violência que se verificam nas relações entre os alunos.
Inclusive – Se por um lado temos que o bullying comporta na expressão maximizada da exclusão e do isolamento dos “diferentes” na escola e, por outro, vemos como nunca a valorização de uma cultura de respeito à diversidade, por que essa cultura não chega a ser dominante nos ambientes escolares? Em que medida a cultura da escola é formada na própria escola e qual o papel dos valores culturais familiares nesse aspecto?
Marcos Rolim – A escola reflete os impasses mais amplos presentes na realidade social brasileira. O que não se pode aceitar como natural é que a escola não reaja diante desta “herança”. Se sabemos que nossos alunos são originários de famílias onde é comum se identificar casos de violência doméstica, por exemplo, ou se sabemos que determinadas práticas de intolerância – como a homofobia – são legitimadas por uma tradição cultural muito antiga em nosso país, isto só aumenta a responsabilidade da escola de enfrentar tais situações e “desconstruí-las” pela crítica e pela promoção de outros valores. A ideia de que não haveria o que fazer, porque nossos alunos são “o resultado de um ambiente familiar degradado”, ou porque nossos alunos são originários de “regiões muito pobres onde a violência e o tráfico de drogas imperam”, assinalam um atestado de incompetência das políticas públicas em educação. É preciso se rebelar contra toda conclusão apaziguadora, contra toda afirmação que condene a escola ao imobilismo e à aceitação da própria violência.
Inclusive – Seria possível dizer que a escola atualmente é mais permeável aos valores particulares de estudantes e de suas famílias? Como avalia a participação das famílias na vida escolar e abertura que as escolas oferecem nesse sentido? A democratização do espaço e da gestão escolar colaborariam na diminuição de casos de bullying e num convivio social mais harmonioso?
Marcos Rolim – Sabemos que a presença das famílias na escola é um dado positivo e que o interesse dos pais pelo desempenho escolar dos seus filhos ajuda muito. Bem, o problema é que muitos pais não manifestam este interesse e não participam da vida escolar. Ao invés de ficarmos culpando estes pais, temos que nos perguntar o que é possível fazer para que a escola se torne mais interessante para eles. Muito provavelmente pais que não participam de reuniões na escola mudem de conduta depois de integrarem uma oficina que lhes interesse em um projeto de Escola Aberta, por exemplo. Então, se a montanha não se mexe, é Maomé que deve procurá-la. Penso que isso também não tem ocorrido, porque muitas direções têm receio de uma interação maior com as comunidades. O motivo básico aqui é o medo do crime e da violência. As escolas que funcionam nas periferias dos grandes centros urbanos estão cercadas por disputas entre traficantes. Sabedoras disso, as direções tendem a se fechar em torno de si mesmas. Trata-se de um erro grave. Não importa se há tráfico de drogas na comunidade, é dever da escola interagir com as pessoas e fazê-las perceber que a escola é uma instituição de todos os residentes. Alguns traficantes, talvez, tenham filhos estudando na escola e enquanto pais de nossos alunos, podem e devem participar dos debates. Quando a escola se fecha, termina por produzir uma situação onde a comunidade não se reconhece nela. Tudo se passa, então, como se a escola fosse um “corpo estranho” naquela comunidade. Uma apreensão deste tipo tende a produzir resultados péssimos para a escola.
Inclusive – Vem ganhando grande espaço o desenvolvimento da chamada educação inclusiva. Muitas experiências bem sucedidas demonstram que há uma vantagem no convívio social a partir da inclusão dos “diferentes” e que se trata de um modelo que beneficia a todo o universo de alunos. Acredita que a assim chamada “escola das diferenças” poderá permitir um ganho social na medida em que evidenciar na experiência real dos alunos o direito à diferença como um direito humano? O que pensa a respeito de um projeto de educação em direitos humanos a partir já da educação infantil e básica para deter o avanço dos fenômenos de violência como bullying e de uma “cultura da discriminação” verificável em muitas escolas?
Marcos Rolim – Sou professor em um Centro Universitário – o IPA – que tem como centro de seu projeto pedagógico a promoção dos direitos humanos e a educação inclusiva. Por mais limitada que seja esta experiência, posso afirmar que as possibilidades da inclusão social pela educação são, de fato, muito amplas. Penso que o desafio de incluir na escola aqueles que, normalmente, são afastados dela seja um desafio muito importante e um objetivo republicano e democrático por excelência. É claro que uma linha pedagógica que tenha, desde sempre, uma preocupação com a prevenção da violência e com o ensino dos direitos humanos pode cumprir um papel central neste processo. O que importa aqui, me parece, é a qualidade desta educação. Quando lidamos com direitos humanos estamos, de alguma forma, mexendo com antigos paradigmas morais e cognitivos. Abordagens meramente acadêmicas, legalistas ou discursivas sobre direitos humanos costumam, por isso mesmo, não produzir os efeitos benéficos pretendidos. O desafio, me parece, é o de produzir nos alunos um determinado “deslocamento afetivo”; vale dizer: é preciso que algo nas emoções destes alunos seja tocado para que os temas referentes à luta pelos direitos humanos possam transitar com maior possibilidade de êxito.
(Encontrado em http://www.inclusive.org.br/?p=17363)
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