quarta-feira, 3 de novembro de 2010

CONTANDO A VIDA 11

Na crônica de hoje, o Professor Sebe pondera sobre o que aprendeu a respeito da morte, estudando o hinduísmo, e como isso serviu para que lidasse melhor com a partida de um ente querido.


A MORTE EM TRÊS LIÇÕES HINDUISTAS.
José Carlos Sebe Bom Meihy
Para minhas sobrinhas Mariana e Juliana

Uma visita às tradições hinduístas pode ajudar muito. Em particular quando se considera a morte como limite da vida, ensinamentos ancestrais, passados por gerações, alçam a condição de consolo. Além disso, considerando a vivência social, como é bom sentir a solidariedade de amigos, parentes ou mesmo de pessoas distintas. Uso esta introdução para me referenciar à morte de um ente querido, meu cunhado Marcos Santana de Camargo.
Em vida, foi um cidadão comum, tendo como destaque sua personalidade recolhida, discreta, algo soturna, próxima de personagem machadiano. Mas, de um coração enorme, sempre considerando em conversas o lado dos perdedores, dos mais fracos. Sua morte trágica, num desastre automobilístico, mais do que chocou. Então, restava buscar apoio capaz de favorecer aceitação. Foi quando a lembrança de certas práticas hinduístas, ligadas à passagem da vida para outro estágio, vieram em amparo. E foram três as lições principais: a escolha de uma lembrança; as lições do momento derradeiro e o patrimônio afetivo herdado de outras mortes. Foi assim que filtrei as diversas fases deste afastamento doloroso.
Minha primeira preocupação nesse exercício amoroso foi escolher um único momento, o melhor para destacar a lembrança do parente-amigo. Logo me vieram várias situações, mas a decisão recaiu na recordação do dia de seu casamento. Lembrei-me que era outubro e que com ele havia escolhido uma roupa elegante. Os padrões da época permitiam um paletó xadrez em marrom compondo com calça do tom mais escuro. A gravata era linda, francesa, e os demais complementos todos harmoniosos. Escolhidos em separado, na hora do casório, já vestido, ele se estranhou dizendo que não havia gostado do resultado, pois era um cara simples e não ficaria bem “fantasiado de almofadinha”. Pelejei para convencê-lo e valeu a pena. O casamento durou mais de trinta anos e outros tantos duraria, não fosse o desastre.
Frente às lições derivadas do chamado momento derradeiro, restou-me lembrar que o quase mês que padeceu em terapia intensiva equivaleu a um momento solene e sublime de preparação de todos. Sim, ele foi delicado o suficiente para nos dar tempo, preciso espaço espiritual, para a preparação do inefável. Com estranha sutileza, aguardou o carnaval passar, a volta de longa viagem de irmão e parentes, um final de semana em que as filhas pudessem se despedir, para morrer num domingo à noite. É verdade que poderíamos relevar essa preparação e creditá-la à ordem natural das coisas, mas pensando nas lições hinduístas vale considerar o diálogo dos fatos subjetivos.
Finalmente, restava o exercício derradeiro, aquele que preza a integração do patrimônio afetivo desta, em outra tantas mortes. Diz aquela tradição que, se somarmos a cada morto querido um quinhão de paciência teríamos aprendido alguma coisa com a experiência alheia. Reza a mitologia hinduísta que se transformarmos a ponderação sobre cada vida amiga ou parente que nos foi tirada, teríamos adquirido o manancial de paciência que nos habilita a sermos mais serenos, calmos e sábios. Nesse sentido, a morte do cunhado querido me valeu como aprendizado de resignação e aceitação dos limites e expectativas da vida terreal.
Com essas palavras deixo meu beijo parente para o querido afastado. Prefiro pensar que o trágico da despedida foi um aceno, quiçá um aviso para assinalar que nosso encontro futuro será ainda melhor do que foi no passado. Serve também para saudar a cultura hinduísta que vale como alento para tantos que na brevidade da vida tem tempo para aprender.

(Memória não morrerá... Nem tenho palavras pra descrever a beleza desta canção. Que coisa, não?)

Um comentário:

  1. ESte ano houveram duas mortes na minha familia, perdas assim nos possibilitam compreeender, na essencia, palavras como: saudade, solidão, irreparável, adeus, vazio...

    abraços
    renata bomfim

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