Sistema permite que impulsos cerebrais acionem aparelhos eletroeletrônicos
JEVERSON BARBIERI
O que era considerado ficção científica, hoje é realidade. O desenvolvimento de um protocolo de comunicação denominado ´Ecolig´, elaborado pelo professor do Colégio Técnico da Unicamp (Cotuca) Paulo Victor de Oliveira Miguel, é o responsável por permitir que, praticamente, qualquer aparelho eletroeletrônico seja controlado com o pensamento. Este avanço, na opinião de Miguel, significará a inclusão de pessoas com dificuldades de acessibilidade de naturezas variadas. A pesquisa teve como objetivo a criação de um tipo de comunicação diferente do que foi desenvolvido até o momento, principalmente quando se altera a característica servo-mecânica. A interação que existe entre a pessoa e o computador ou um aparelho celular passa, atualmente, pelo mouse e pelo teclado, por meio da digitação, seja através das teclas ou pela tecnologia de toque. “Esse é só um exemplo de como temos uma dificuldade enorme hoje para continuar interagindo com dispositivos eletroeletrônicos”, disse ele. O resultado desse trabalho de pesquisa, realizado no Laboratório de Controle e Sistemas Inteligentes da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), foi a tese de doutorado de Miguel, orientado pelo professor Gilmar Barreto.
O foco principal e básico foi melhorar essa interação. Um benefício imediato será o combate às lesões por esforço repetitivo, uma vez que os membros do corpo não serão mais utilizados como extensões servo-mecânicas para controle ou transmissão de informações para celulares, computadores e outros equipamentos. Outro benefício imediato trata-se de um avanço significativo na interação dos dispositivos do tipo nano e microeletrônicos, que exigem uma interface mais adequada à sua miniaturização.
De acordo com Miguel, juntamente com o avanço da tecnologia, essa será uma mudança muito evidente nos próximos anos. “O investimento em micro e nanotecnologia revela claramente que não há como conectar teclado e mouse em algo que não se vê”, afirmou o pesquisador. Os nanorobôs e outros dispositivos pequenos precisarão de um sistema de comunicação diferente, tanto do ponto de vista conceitual e técnico quanto de topologias de rede e estrutura de comunicação com vários desses dispositivos. Na opinião de Miguel, essa é uma migração para uma área que está muito próxima da biologia, na qual cria-se um sistema de comunicação com colônias, sejam elas do tipo animal, biológico, celular e bacteriana.
No que se refere às tecnologias ´próximas aos olhos´, prosseguiu o pesquisador, o protocolo permitirá que computadores e celulares, por exemplo, sejam utilizados em óculos especiais, com menor complexidade de fabricação, menor consumo de energia e com menos lixo eletrônico a ser tratado quando forem substituídos. O mesmo também se aplica aos dispositivos relacionados com a visão ampliada, onde as seleções de controles e informações podem acontecer mais rapidamente e com novos recursos.
Para entender melhor todo esse processo, o conceito principal é muito parecido com a tecnologia desenvolvida para o eletroencefalograma, explicou Miguel. Os sinais cerebrais são utilizados da mesma forma, só que nessa pesquisa foi desenvolvido um protocolo. A partir de um aparente ruído, cujo sinal para o médico tem uma interpretação analógica – ele analisa o comportamento, verifica anormalidades e sinaliza o tipo de procedimento a ser adotado – foi realizado um procedimento um pouco diferente. Foi criada uma linguagem em cima dele. “Isso é exatamente como se a pessoa estivesse usando uma coisa que ela sempre teve, que é a atividade cerebral, captada a partir de um simples contato com alguns sensores sobre o cabelo, para posteriormente entender um código. Constantemente estamos produzindo esses sinais que não estão sendo usados. O objetivo é fazer com que a pessoa possa controlar esse sinal de uma forma que ele emita uma certa linguagem”, observou o cientista da computação.
Protocolo semiótico
Segundo Barreto, orientador do trabalho, um grupo de pessoas que pode se beneficiar dessa tecnologia é o de tetraplégicos. A aplicação desse protocolo de comunicação é ilimitada e ultrapassa a ficção científica, garantiu o docente. “A maneira das pessoas entenderem mais facilmente como ele funciona é observando o aparelho que realiza o exame de eletroencefalograma. Hoje já existem interfaces como a utilizada pelo Paulo Victor, que são sem fio e sem utilização de gel condutor. Mas esse não é o final da história. Ainda vai evoluir muito. As pessoas poderão interagir com a televisão, acender e apagar as luzes, ligar e desligar aparelhos só com o pensamento. Os sinais são codificados numa linguagem e quem controla isso é a pessoa”, assegurou.
O fato é que estes sinais, quando associados a atividades ou estímulos mais complexos como interpretações de imagens, comandos motores e sensações, por exemplo, possuem comportamentos que podem ser classificados e interpretados por um equipamento eletrônico. Esta classificação é relacionada com um conjunto de assinaturas elétricas e assim gera um código que é utilizado para a elaboração de um protocolo semiótico.
O conceito de protocolo está normalmente associado a padrões que são utilizados em processos de comunicação. Neste caso, no entanto, este conceito vai além da comunicação, acrescentou Miguel. A proposta de um protocolo semiótico está associada a um conjunto de símbolos que são interpretados como signos semióticos por sistemas inteligentes, podendo significar assim comandos mais complexos ou até meta-interpretações que podem evoluir ao serem processadas por outros sistemas inteligentes. Também podem ser considerados processos de aprendizagem que ocorrem em redes neurais biológicas ou artificiais.
Esse mesmo protocolo, suportado por sinais elétricos sensoriais, captados diretamente do sistema nervoso central, permite a criação de interfaces eletroeletrônicas mais simples e até mesmo sistemas de aprendizagem mais eficientes. Portanto, será possível reduzir as etapas associadas à transferência de uma informação como parte da troca ou transmissão de um conhecimento específico.
Miguel lembrou que uma linguagem universal suportada por signos sensoriais já era utilizada nos primórdios da humanidade, quando figuras com significados ficaram retratadas nas cavernas pelos povos primitivos, que não tinham a linguagem falada ou escrita para se comunicar. “Podemos ir muito mais além da linguagem, uma vez que o tato, o cheiro, o som e até a imaginação podem gerar signos semióticos em nossa mente, com suas respectivas ´assinaturas´ elétricas”, sugeriu.
Em termos práticos, isso significa pensar em falar com seu pai ou sua mãe e o sistema o conectará a eles, sem a necessidade de associá-los a números telefônicos. Ou ainda, se precisar utilizar o editor de textos, seguramente não precisará do mouse ou do teclado. Bastará pensar no arquivo que precisa e o computador irá buscá-lo e abri-lo em sua tela.
Para Miguel, esse trabalho, que também está nos principais centros de pesquisas do mundo, tem muito a se desenvolver. Isso demonstra que é uma inovação importante, que tende a mudar muito o conceito de relação homem-máquina nos próximos anos. Essa interação, por exemplo, com a área de Educação será fundamental porque a principal ferramenta de transferência de informação na atualidade é o texto. “Escrevemos livros para permitir que outras pessoas tenham acesso às informações sobre os avanços tecnológicos desenvolvidos”, exemplificou.
Neste momento, o pesquisador está finalizando a elaboração de um projeto temático que será apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceria com docentes da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), do L’Institut de Recherche en Communications et Cybernétique (IRCCy) na França e uma gigante na área de telefonia celular dentre outras renomadas empresas dos setores eletroeletrônico e biomédico.
Para o orientador, academicamente essa pesquisa é muito importante porque certamente atrairá futuros mestres e doutores para a área. E o fato de Miguel ser professor do Cotuca significa, para ele, que os alunos serão os maiores beneficiados porque poderão absorver, no ensino médio, conhecimento de ponta produzido dentro da Universidade. “Serão os futuros recursos humanos qualificados formados pela Unicamp”, concluiu Barreto.
(Encontrado em http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/novembro2010/ju483_pag08.php#/)
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