quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

CONTANDO A VIDA 16

Uma das seções mais acessadas do blog, a crônica do Professor Sebe desta semana natalina vem com uma profunda e bela reflexão sobre a data máxima da cristandade. O Blog do Albino Incoerente aproveita pra desejar ao cronista e os seus, um Natal mágico.


MENSAGEM DE NATAL...
José Carlos Sebe Bom Meihy

Como arrazoar uma mensagem de Natal que não seja trivial, comum, descartável, igual a tantas outras? Como? O que dizer, ou melhor, há algo novo a ser dito?!... Com esse desafio, dia desses, esperei o sol surgir e no sutil silêncio que descolora a noite impondo luz ao dia, adivinhei uma espécie de grandiosidade da vida. Plenitude. E redescobri em meu íntimo um deus interior que, cheio de despreocupação, sem laivo de exigência, me fez enxergar apaixonado a complexidade do mundo, do mesmo mundo que nos foi dado viver. Igual a ele – ele em mim – se fez algo majestoso e como menino antigo em uma contemplação miraculosa, numa fagulha, imaginei a perfeição daquele que dispensa religiões, cultos, preces, festas, procissões e letra maiúscula. Era um deus desprovido de vela, igreja, confessionário, penitência, sermões e que isenta promessas, indulgências e solenidades absurdas. Deus que, alheio aos argumentos mortais, suporta guerras em seu nome e consente, sem desatinar, que inventemos tudo, inclusive um outro Deus que divide, obriga, cobra, julga, castiga. Ao contrario deste, aquele é um formidável ente calmo e carinhoso; ser que flana sobre pecados, maldades, tramas perversas e faltas ardilosas, do mesmo jeito que franqueia benevolências educadas, juízos adestrados, ponderações cultas e aclarações científicas. Trata-se de um deus não superior, pelo contrário, igual à gente e, por isso, com todos os rostos e vestido com as diferenças convenientes aos utopistas, visionários que divisam o reclamado tal “mundo melhor”, mais justo, mais congruente. O deus de que falo era aquele de todas as etnias, línguas, orientações; criador admirado das abelhas que cumprem seus favos na mesma lógica dos elefantes que se isolam para morrer; das flores e florestas que admitem a beleza das parasitas e a fatalidade da morte fátua que fertiliza futuros. Ah! a perenidade da morte e nossa soberba resistência!
Sem arrogância alguma, o deus que me permitiu visita era, sobretudo, resignado aos nossos erros tolos, feitos em nacionalismos toscos, políticas pretensiosas, morais contraditórias e variações de classes sociais. E me dei conta da necessidade que se amiúda em nossos discursos cotidianos feito de palavras pulcras, mas entupidas de segundas intenções como: ética, tolerância, fraternidade, direito, legalidade e consciência. Achei o viver social/civilizado, tudo, provisório, mesquinho mesmo. Mas, na meiguice daquele deus não cabia outra atitude que não aceitar, até apático, o esforço sobrenatural, nosso, humano, em dominar o tempo, controlar comportamentos e inventar impossíveis imortalidades. E o saber pareceu algo menor, inútil e incapaz de concorrer com o canto dos canários, verdes matagais e os vazios de sons. A idade da Terra não estava em discussão com aquele deus e sequer a inconseqüência de quantos brincam com a natureza destruindo a organização de rios que levam ao mar, descongelando o glacial que equilibra os oceanos e harmoniza a sobrevivência. Não. O que valia era mesmo o questionamento sobre quem somos, aqui e agora. E mais: que fazer com o viver que nos resta? Mas, como me pareceu bom aquele deus que não se altera com a hierarquia instalada entre os que possuem e os despossuídos; entre os que podem e os que precisam poder. E vivi humanizando o deus, que em mim explica o sonho de ser um ser útil. E foi assim, na crueldade do mundo nosso, no fadário do tempo natalino, que pensei na generosidade dos presentes saudando o gesto de dar e deprimindo os conteúdos emblemados em preços, marcas e propaganda. Tudo ficou tão ralo: relógios, jóias, roupas, adornos, brinquedos, objetos domésticos. Tudo tão pouco que não fosse o sentido do ofertar, do escolher para o outro, restaria a obrigação mecânica que sozinha apenas sustenta o comércio, a matéria que, afinal, mais abisma as distâncias de seres que são todos, em suas variações, iguais àquele meu deus.
Inventariando a vida, relacionando-a com o ente que se descobria em mim, encontrei um eixo sobre o qual as palavras escolhidas para esta mensagem ganhariam nexo: falar desse deus que, sendo resignado, espera que o despertemos primeiro em nós mesmos. A certeza de que há algo de fecundo, transcendente, nos habitando, permite supor renascimentos que justificam Natais. Tomara, tomara mesmo, que esse algo desperte e tenha a graça de quem me escolheu para dizer esta mensagem: Feliz Natal.

(A gente podia fazer com que fosse Natal todo dia...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário