Na última seção Albino Gourmet, recomendei uma visita ao site da Sociedade Brasileira de Diabetes. Eles mantêm uma seção de historias sobre pessoas que têm a doença. Extraí de lá, a história pra nossa seção dominical sobre superação.
Conheceremos o caso de Mônica Messias, que ficou cega, submeteu-se a transplante duplo de pâncreas e rim, mas não deixou a peteca cair. Superando dificuldades e limitações, Mônica já escreveu dois livros.
Mônica supera dificuldades de cegueira e lança seu segundo livro
Mônica Messias sempre gostou de observar pessoas. Era capaz de ficar sentada durante horas em uma praça, só para ver a vida passar. Atenta, decorava feições, gestos, olhares. Encantava-se diariamente com as cores do mundo. Hoje, quando abre os olhos, vê apenas o abstrato, em tons de cinza.
Uma cor monótona, como ela mesma se sentiu durante algum tempo. Não restou sequer a sensibilidade à luz. A visão abandonou os olhos de Mônica, aos 25 anos. Desde os 11, ela era portadora de diabetes tipo 1, o mais grave. Jamais imaginou que a doença a levaria a uma complicação tão grande.
A família não tinha outros casos dessa enfermidade. Mônica, um moça vistosa, de belos cabelos castanhos, era secretária e levava uma vida confortável, no Lago Sul. Certo dia, assistia tevê quando uma mancha vermelha tomou conta de seu campo de visão. Era uma grave hemorragia, um derrame ocular, que mudaria a vida dela para sempre. O problema havia sido anunciado.
Meses antes, Mônica visitou um oftalmologista. O médico alertou sobre a gravidade. Tentou uma cirurgia, que lhe roubou a visão do olho esquerdo. Ainda restava o direito. A moça já não podia dirigir, mas conseguia ler livros, uma de suas maiores paixões.
Depois do derrame, a cegueira instalou-se de forma irremediável. Pouco depois, surgiu também a insuficiência renal. Mônica, um misto de sensibilidade e força, reaprendeu a viver. Hoje, aos 40 anos, conta essa experiência no livro Diabetes nunca mais! Meu transplante: o divórcio.
As páginas revelam a vida de Mônica depois de passar por um duplo transplante, de pâncreas e rim, em 2002. A cirurgia levou para longe o diabetes, o companheiro indesejado, mas não trouxe de volta o prazer de enxergar. O livro tem posfácio do jornalista Marcelo Abreu.
Ao trabalho
Acostumada a transpor dificuldades, Mônica digitou as 147 páginas sozinha. Decorou a posição de cada tecla do computador. Ela, que nunca foi uma expert em informática, memorizou também os atalhos para comandos, como o de salvar o texto, por exemplo.
Contou com a ajuda de um programa que diz em voz alta tudo que ela escreve, lê até os e-mails. Raramente comete um erro ortográfico. Mônica tem fome de viver. Não se conforma quando a vida lhe diz não.
Esse é seu segundo livro. O primeiro, Doçura amarga, sobre como a diabetes afetou a rotina e a saúde da escritora antes do transplante, foi lançado em 1999. Levou poucas semanas para ser escrito. O novo exemplar é uma continuação e demandou quase sete anos para ficar pronto.
“Eu senti que devia isso às pessoas que leram o primeiro. Gosto quando alguém aprende alguma coisa comigo”, afirmou a autora.
Os relatos são um ensinamento, para quem tem ou não diabetes. Revelam-nos frágeis demais, impermanentes. Mostram como a vida, dona de si, se transforma sem mandar aviso. “Quando eu tinha 11 anos, não tinha tanta informação sobre a doença, nem havia tantos tipos de insulina.
Eu gostava muito de doces, massas. Sabia que não era bom para minha saúde. Mas fazia muitos esportes. Achava que isso compensava a dieta desregrada. Além disso, ninguém falava em complicações tão graves como a cegueira”, lembrou. Hoje, Mônica entende que, em determinados casos, quando a doença está descontrolada, praticar esportes não é indicado.
O quadro de saúde evoluiu para um só caminho: o transplante. Ela precisou mudar-se para São Paulo. A família, muito unida, ficou desmembrada. A mãe, Virgínia, seguiu com a filha para o outro estado. Foram quase dois anos distantes de casa. O pai, Alberto, permaneceu em Brasília, com os irmãos de Mônica, mas insistiu em doar um dos rins para a filha.
Mônica relutou. Mesmo doente, pensou na família, em primeiro lugar. “Eu morria de medo do meu pai morrer. Se o pior acontecesse, eu estaria tirando ele da minha família. Só aceitaria um doador vivo em último caso. Esperaria o quanto pudesse. Dizem que a pessoa vive bem com um rim só, mas eu não queria expor ninguém a isso por minha causa”, afirmou.
Tempos difíceis
No livro, a autora relata momentos dolorosos. Um dos piores foi quando se viu enganada pelos médicos que cuidavam dela.
“A chefe da minha equipe de transplante queria que eu fizesse primeiro o de rim e depois o de pâncreas, não os dois juntos. Mas assim ia demorar demais. O transplante duplo era a melhor opção. A médica não queria então não me informou quando a equipe dela parou de fazer transplantes de pâncreas. Me deixou acreditar que isso (o transplante duplo) seria possível durante meses”, lembrou.
Se a equipe que cuida do paciente não faz o transplante do determinado órgão, a pessoa passa a vez na lista de espera para alguém que esteja aos cuidados de outro grupo de médicos, esses aptos a transplantar a tal parte do corpo.
“Me senti enganada. Mudei de equipe. Recomecei tudo. Fiz novos exames. Só então o médico me deu força. Disse que eu era a primeira na lista da equipe dele para receber o transplante duplo”, relatou.
Depois de uma longa espera, Mônica conseguiu fazer a operação. Recebeu pâncreas e um novo rim, de uma só vez, como queria. Mas precisou esperar um pouco mais para se sentir feliz. O pâncreas, apesar de frágil, resistiu. O rim não se adaptou. “Desenvolvi uma síndrome horrorosa por conta dos remédios contra rejeição. Tive de lidar com a frustração de perder o rim, depois de tanta espera”, disse, emocionada.
Nova vida
Meses depois, veio um rim novo. Dessa vez, vitória completa. O corpo relutou, mas aceitou. Mônica poderia, finalmente, viver em liberdade. Deliciar-se com quantos chocolates quisesse, depois de mais de 20 anos com diabetes.
“Eu costumava dizer que me casei à força com o diabetes. O transplante representou meu divórcio. No dia seguinte à última cirurgia, acordei me sentindo outra pessoa. Foi como uma ressurreição. Estive perto da morte várias vezes, mas eu nunca soube. Minha família sorria não me deixava saber”.
Mesmo depois de tudo, Mônica é de um bom humor impressionante. “Eu digo para as pessoas que conheci quando eu ainda enxergava que na minha cabeça todo mundo é jovem, ninguém é barrigudo ou tem cabelo branco”, brinca.
“Quando alguém me pergunta: ‘E aí, Mônica, tudo azul? ’, eu digo: ‘Nada. Tá tudo cinza’”, contou, às gargalhadas. São sorrisos sinceros, de quem aprendeu a ser grata por estar viva.
Apesar das limitações físicas, Mônica é independente. Escolhe as próprias roupas, arruma o quarto do jeito que prefere bem organizado. Anda pela casa sozinha. Sai com os amigos. “Não gosto de dar trabalho para os outros.” Ainda guarda medos, como qualquer ser humano.
Precisa de mais tempo para ter segurança para caminhar sozinha pela rua. “É muito diferente nascer cego e ficar cego depois que você já viu de tudo”, resume. Mônica, porém, carrega em si a certeza mais importante. A de que vai renascer, quantas vezes for preciso.
(http://www.diabetes.org.br/conte-sua-historia/1551-monica-supera-dificuldades-de-cegueira-e-lanca-seu-segundo-livro-)
domingo, 26 de dezembro de 2010
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