No texto de hoje, o cronista José Carlos Sebe se confessa pecador. Não se preocupe professor, ninguém ousará atirar a primeira pedra! Ele também comenta sobre a nova lista de pecados promulgada pela Igreja Católica.
NOVOS PECADOS...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Lembro-me, garoto ainda, no colégio interno em Lorena, tendo que decorar o Catecismo. Sim, sabia todo o Catecismo, decorado. Na verdade, não me era muito difícil, pois sempre tive facilidade em memorizar poemas, listas, nomes de capitais. Aliás, era das poucas dotações “naturais” que tive. O tipo de educação salesiana também ressaltava a importância das “decorebas”. Dessas façanhas, me orgulho até hoje pela guarda de tantos textos que declamo para mim mesmo em momentos especiais.
Além de decorar, eu gostava de supor os significados das coisas e assim me deleitava imaginando o conteúdo dos grandes pecados pessoais e coletivos. É verdade que todo adolescente tem espaço imaginativo para considerar os “pecados” e, como qualquer mortal, eu não economizava oportunidades. Não sei por que, mas os chamados pecados capitais me atraiam mais do que os outros: mortais ou veniais. Os mortais eram dramáticos demais; os veniais eu achava tão bobos que não os considerava. Mas declinava com facilidade a relação dos sete capitais: orgulho, inveja, gula, luxúria, ira, cobiça e preguiça. Sem transformar esta crônica em confessionário, garanto que tinha preferência por um desses pecados, o último. É claro que para garantir o teor da preguiça eu precisava ter inveja de quem é capaz de ser preguiçoso. Nunca consegui. E aí conclamava outro pecado, a ira, por não ser capaz de curtir o ócio. Os desdobramentos eram conseqüentes porque passava a cobiçar a coerência dos preguiçosos e assim ostentava o orgulho de não ser preguiçoso. De certa forma, eu me sentia como a capital dos pecados capitais. Restavam, porém, dois outros: a gula e a luxúria. A gula se vingou da minha magreza de menino e hoje me atormenta e não tenho como deixar de me penitenciar por ser comilão. A luxúria... bem, a luxúria reservo para o real confessionário e desperto nos amigos leitores a curiosidade, que também pode ser pecaminosa.
Devo dizer que sinto saudade do tempo em que os pecados capitais eram esses. Muita saudade, aliás. Quando vejo os pecados de hoje, fico arrepiado com as dimensões assumidas por tudo. E me perco pensando que o que era pecado capital, individual, acabou por ser ameaça coletiva. Lendo o texto divulgado pelo bispo Gianfranco Girotti, no “L´Obesservatore Romano” - amplamente estampado em jornais do mundo -, percebo que a Igreja Católica, ainda que num papado ultraconservador, também se apresenta socialmente para a discussão de uma problemática planetária. Assim, são instituídos os novos pecados, a saber: poluição ambiental; manipulação genética; acúmulo de riqueza excessiva; infligir a pobreza; tráfico e consumo de drogas; experimentos moralmente questionáveis e violação dos direitos fundamentais da natureza humana. De um modo geral, não há como deixar de se surpreender com os avanços. Uma análise mais cuidada revela preocupação com o meio ambiente e com o acúmulo desmedido de concentração de riquezas, o que merece aplauso efusivo. Também não há como calar ante a condenação do tráfico de drogas – este sim, me parece o grande mal do mundo moderno. No mais, cabem algumas restrições. O consumidor, o drogado, muitas vezes é vítima, depende de situações alheias ao controle do estado ou instituições. Nesse sentido, reclama-se da sensibilidade eclesial que já tem argumentos para ser mais precisa nas declarações. Em continuidade, há um aspecto suspeito na nova lista religiosa. Os experimentos científicos feitos com células-tronco são imprescindíveis e urgentes. É lógico que se condena qualquer excesso, mas então o exagero seria pecaminoso, não os possíveis avanços. Por certo, suas reverendíssimas não têm parentes que possam se beneficiar de resultados desejáveis. Grande parte da humanidade, no entanto, tem. E a Igreja não pode ser retrógrada como no tempo em que professava que a Terra era quadrada.
Pelo sim ou pelo não, a manifestação sobre os novos pecados é positiva. Pelo menos agora, publicamente, ela se expressa e põe a cara para quebrar. Avanços alvissareiros esses. Resta abrir o debate para a bioética e respeitar os prometedores avanços. Será que a Igreja também começa a se redimir?
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
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