ENVELHECENTE...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Ouvi dia desses uma palavra que me soou como provocação: envelhecente. Fiquei intrigado, ou melhor, intrigadíssimo. Afinal, seria um elogio ou pecha? Achava já esquisito outro termo, correlato, aborrescente e não resisti relacionar um com o outro. São palavras da mesma família, pensei, seriam, contudo, termos do bem ou do mal? Dupliquei a hesitação.
Primeiro, deixei-me perder em alguma positividade ou simpatia para quantos compulsoriamente sentem os anos se manifestando em flacidez, rugas, dores nas juntas. Mas fui compelido a cair na dura realidade: ambos são perversos e tanto maltratam os candidatos à mocidade como os “eleitos”, compulsoriamente, para a velhice. Se aborrescente remete às impertinências dos que superam a infância e galgam o direito de ser chatos e atormentadores do mundo dos maduros, o que realmente significaria envelhecente? Seria o direito de perturbar os que “ainda não chegaram lá?” Juro que fiquei cismado. E foi assim que procedi a uma prospecção no mar profundo dos significados de alguns neologismos. E que águas turbulentas encontramos nesses mergulhos! De toda forma, desfilaram-se em minha cabeça certos aforismos politicamente corretos - mas aborrecidamente incorretos quanto aos resultados. Então, comecei a ver a denotação de “terceira idade”; “melhor idade”, “feliz idade” e outras besteiras que tentam disfarçar a realidade de quantos caminham para a lógica da vida.
Envelhecer, para grande parte das culturas africanas, é privilégio digno do mais alto respeito. O significado de um soba, o mais velho de uma tribo, é sagrado na África toda. Os árabes e chineses respeitam os idosos como ícones da experiência acumulada e a eles são dadas prerrogativas patriarcais. Os japoneses veneram as pessoas que completam 88 anos assinalando aquele aniversário como uma espécie de direito a reverência. Da Bíblia ao Alcorão; do Talmude ao Livro dos Vedas; das “Mil e uma noites” à mitologia greco-romana; dos índios americanos aos esquimós, a velhice é saudada no que ela realmente é: um misto de desgaste corporal com visões de mundo depuradas de trajetórias vividas. De certa maneira seria como dizer que as marcas do corpo equivalem ao aprendizado vivencial. E, naquelas culturas as senilidades são respeitadas como frutos dessa conjunção quase sagrada. Ficar velho, assim não soa como uma fatalidade obtusa, mas como conseqüência normal do andamento da existência.
Nas sociedades capitalistas, nos grupos que sintetizam no consumo o sentido da vida, o que vale é a força e beleza juvenis. E essa jovialidade deve ser preservada a qualquer preço, cirurgia, sacrifício. Sim, o mercado depende das forças que combinam produtividade derivada do trabalho com a circulação da moeda e, nessa relação, vale prioritariamente a mocidade consumidora e endinheirada. As coisas, contudo, começaram a mudar quando o contingente de velhos amplia a resistência aos males naturais. O aumento da média de expectativa de vida se acumula dando expressão aos chamados avanços da medicina moderna. Então se torna necessário “rejuvenescer” quantos inevitavelmente padecem o peso das células gastas, dos músculos decaídos, dos ossos ameaçados. Invenções são gestadas em favor da expansão do circulo de compradores. É incrível a indústria do rejuvenescimento e a negação do direito de envelhecer em paz! É angustiante também.
Creio que a mais dramática alternativa criada para desqualificar o direito à velhice é a invenção consubstanciada no jargão irritante que diz que “a idade está na cabeça das pessoas”. É mentira. Nós que nos candidatamos à “idade avançada” devemos nos prevenir contra propostas que, por fim, acabam nos ridicularizando. Ser velho – ou envelhecer – não quer dizer que devemos ficar em casa, adoecer, não mais dançar, exilar-se do sexo e lazer. Não. Mas, temos que assumir a dignidade de ser o que o nosso corpo é e aproveitar. Respeito enormemente, entre tantos outros, Niemeyer e Dercy Gonçalves na plenitude dos centenários que ostentam e jamais os chamariam de “envelhecentes”. Aliás, devo dizer, com o respeito possível, que “envelhecente” é a vovozinha...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Ouvi dia desses uma palavra que me soou como provocação: envelhecente. Fiquei intrigado, ou melhor, intrigadíssimo. Afinal, seria um elogio ou pecha? Achava já esquisito outro termo, correlato, aborrescente e não resisti relacionar um com o outro. São palavras da mesma família, pensei, seriam, contudo, termos do bem ou do mal? Dupliquei a hesitação.
Primeiro, deixei-me perder em alguma positividade ou simpatia para quantos compulsoriamente sentem os anos se manifestando em flacidez, rugas, dores nas juntas. Mas fui compelido a cair na dura realidade: ambos são perversos e tanto maltratam os candidatos à mocidade como os “eleitos”, compulsoriamente, para a velhice. Se aborrescente remete às impertinências dos que superam a infância e galgam o direito de ser chatos e atormentadores do mundo dos maduros, o que realmente significaria envelhecente? Seria o direito de perturbar os que “ainda não chegaram lá?” Juro que fiquei cismado. E foi assim que procedi a uma prospecção no mar profundo dos significados de alguns neologismos. E que águas turbulentas encontramos nesses mergulhos! De toda forma, desfilaram-se em minha cabeça certos aforismos politicamente corretos - mas aborrecidamente incorretos quanto aos resultados. Então, comecei a ver a denotação de “terceira idade”; “melhor idade”, “feliz idade” e outras besteiras que tentam disfarçar a realidade de quantos caminham para a lógica da vida.
Envelhecer, para grande parte das culturas africanas, é privilégio digno do mais alto respeito. O significado de um soba, o mais velho de uma tribo, é sagrado na África toda. Os árabes e chineses respeitam os idosos como ícones da experiência acumulada e a eles são dadas prerrogativas patriarcais. Os japoneses veneram as pessoas que completam 88 anos assinalando aquele aniversário como uma espécie de direito a reverência. Da Bíblia ao Alcorão; do Talmude ao Livro dos Vedas; das “Mil e uma noites” à mitologia greco-romana; dos índios americanos aos esquimós, a velhice é saudada no que ela realmente é: um misto de desgaste corporal com visões de mundo depuradas de trajetórias vividas. De certa maneira seria como dizer que as marcas do corpo equivalem ao aprendizado vivencial. E, naquelas culturas as senilidades são respeitadas como frutos dessa conjunção quase sagrada. Ficar velho, assim não soa como uma fatalidade obtusa, mas como conseqüência normal do andamento da existência.
Nas sociedades capitalistas, nos grupos que sintetizam no consumo o sentido da vida, o que vale é a força e beleza juvenis. E essa jovialidade deve ser preservada a qualquer preço, cirurgia, sacrifício. Sim, o mercado depende das forças que combinam produtividade derivada do trabalho com a circulação da moeda e, nessa relação, vale prioritariamente a mocidade consumidora e endinheirada. As coisas, contudo, começaram a mudar quando o contingente de velhos amplia a resistência aos males naturais. O aumento da média de expectativa de vida se acumula dando expressão aos chamados avanços da medicina moderna. Então se torna necessário “rejuvenescer” quantos inevitavelmente padecem o peso das células gastas, dos músculos decaídos, dos ossos ameaçados. Invenções são gestadas em favor da expansão do circulo de compradores. É incrível a indústria do rejuvenescimento e a negação do direito de envelhecer em paz! É angustiante também.
Creio que a mais dramática alternativa criada para desqualificar o direito à velhice é a invenção consubstanciada no jargão irritante que diz que “a idade está na cabeça das pessoas”. É mentira. Nós que nos candidatamos à “idade avançada” devemos nos prevenir contra propostas que, por fim, acabam nos ridicularizando. Ser velho – ou envelhecer – não quer dizer que devemos ficar em casa, adoecer, não mais dançar, exilar-se do sexo e lazer. Não. Mas, temos que assumir a dignidade de ser o que o nosso corpo é e aproveitar. Respeito enormemente, entre tantos outros, Niemeyer e Dercy Gonçalves na plenitude dos centenários que ostentam e jamais os chamariam de “envelhecentes”. Aliás, devo dizer, com o respeito possível, que “envelhecente” é a vovozinha...
Sou um fám do professor ..me lembrei de uma frase do Vinicios ...:Aceitar a vilhice com sabedoria . Miguel
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