Roberto Rillo Bíscaro
Conheci a dupla canadense Crystal Castles há poucas semanas, embora seu primeiro álbum seja de 2008. Soube de sua existência quando noticiei em uma das edições da Caixa de Música, que haviam gravado com Robert Smith, ídolo oitentista, do The Cure. Gostei da voz etérea de Alice Glass, do teor de indie-electronica do que ouvi no You Tube e, claro, do aval do inspirador do visual do Sandman. Providenciei os 2 álbuns e resolvi escutá-los na ordem em que foram lançados.
Além de Glass, o Crystal Castles é composto por Ethan Khat. O nome foi tirado do castelo da heroína de desenho animado She Ra, lá dos anos 80. Havia também um game do jurássico Atari com esse nome. Tudo anos 80, forte motivo pra eu querer prestar atenção ao duo.
Depois de ouvir o primeiro álbum, revivi a sensação experimentada ao término da audição inicial de Psychocandy (1985), fundamental álbum do Jesus and Mary Chain: e agora, o que eles podem fazer pra não se repetirem? Pra onde pode caminhar o som deles depois de soterrarem a sonoridade dos anos 60 sob grossa camada de microfonia e reverberação?
Glass e Khat utilizaram fartamente sons extraídos de vídeo games e toda sorte de sintetizadores de baixa fidelidade, responsáveis pelos bips presentes em todo quadrante da pós-modernidade. Eles juntaram os sons furrecas dos Ataris, telefones e Genius dos anos 80 a influências que vão do Kraftwerk (claro!) ao noise-industrial, passando pelo synth pop mais singelo e manso. A voz de Glass deforma-se a cada instante, graças a efeitos mil. A produção tem camadas sobrepostas de ruídos e timbres, dos mais meigos aos mais arranhadamente agressivos. Enfim, eles reuniram uma pletora de referências oitentistas e criaram uma sonoridade contemporânea, inquietante; lixo cibertrônico transformado em música pop contagiante, complexa, mas não inacessível (pelo menos pra quem curte escapar do mainstream).
Faixas como Xxzxcuzx Me e Alice Practice soam como se uma guerra intergalática de vídeo game estivesse sendo travada no seu ouvido, junto com a voz triturada de Glass e as chicotadas sem dó da percussão. Crimewave é puro synthpop meio funkeado com ruidinhos pra todo canto; no fundo do coração Glass e Khat são pop! O dance melancólico de Vanished parece um Orchestral Manoeuvres in the Dark de outra galáxia. O timbre do teclado dá a sensação de arbustos de neon surgindo à medida que se caminha numa floresta elétrica d’algum planeta distante de seu sol.
O segundo álbum é de abril do ano passado e traz apenas o nome da banda, como o primeiro. Nesse quesito, Crystal Castles é mais lacônico que a mamãe New Order... A voz de Glass continua sendo modificada, posta e sobreposta a cada faixa, mas a [sin][caco]fonia de vídeo games desocupa a berlinda. Nossos ouvidos continuam encantados e/ou fustigados por brisas e/ou tempestades eletrônicas, mas a sonoridade low fi cede lugar à high, que, segue instigante e meio alienígena. Faixas como Empathy, ao mesmo tempo que pescam a batida electrofunk subjacente no Kraftwerk, soam imprevisíveis, como se tivessem sido compostas em outra galáxia.
Fainting Spells abre o álbum como um novo capítulo da guerra interplanetária que pode ser o som de Crystal Castles. Mas, sem som de vídeo game Atari. Agora, o ataque vem sob forma duma maçaroca de electronica estralhaçada em micropixels, que sufoca os vocais distorcidos de Glass. Parece uma transmissão alienígena no meio duma invasão à Terra. Doe Deer é um petardo industrial-hardcore de minuto e meio. Parece que o canal de áudio dos vocais está arranhado; Glass guincha. No meio dessa hecatombe sônica, existe Celestica, melancolia dance, que agradaria fãs do Saint Etiene, onde Alice soa como fada.
O álbum equilibra-se nessa mistura de elementos agressivos e doces, experimentais e mainstream, nunca previsíveis e capazes de agradar diversos segmentos de fãs de dance e música eletrônica, desde que curtam alternativo, claro.
Crystal Castles viverá a “maldição” do Jesus and Mary Chain: o álbum de vídeo game será seu Psychocandy, ponto de partida de todas as comparações com seus demais álbuns. A dupla canadense, porém, mostra ter a força de She Ra para enfrentar novas e perturbadoras aventuras nas vastidões eletrificadas de nosso imaginário sintético.
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