sábado, 15 de janeiro de 2011

SER INCLUSIVO É FASHION!

Excelente postagem e entrevista encontradas no blog Duas Moda e Arte.

Kica de Castro – Saiba como funciona a agência de modelos focada na Moda Inclusiva
Retomamos nossos posts e, nesse período de semana da moda carioca com três grandes eventos acontecendo, abriremos o ano falando sobre a Agência da Kica de Castro. Temos acompanhado os desfiles (amamos as semanas de moda!!), as novas tendências, o artesanal que tem sido levado para as passarelas (vamos postar sobre) mas, ainda sentimos demais o fato de que a moda ainda não faça uso de uma linguagem abrangente, sem barreiras, acessível – pessoas cegas ainda não tem a audiodescrição nos desfiles e, na cobertura de sites, não há descrição de imagens nas fotos para que tenham acesso pleno às tendências da próxima estação. O casting dos desfiles apresenta um padrão de beleza que não foca em momento algum a moda inclusiva e real – plus size, pessoas com deficiência ou qualquer outro padrão que não seja compatível com o que as passarelas ditam.
Fizemos uma entrevista com a fotógrafa Kika de Castro em dezembro e, decidimos postar justamente numa das semanas de moda mais importantes do país: Fashion Rio, Rio Fashion Business. Para que? Simplesmente para refletir sobre nossa realidade, sobre os conceitos de padrão de beleza pregados, sobre o direito que todos tem de se expressar através da linguagem da imagem – a MODA, que a semelhança de tudo na vida, deveria ser acessível.
Conheça a agência da Kica, focada na diversidade e na inserção de modelos com algum tipo de deficiência no mercado de trabalho. Em 2008, a fotógrafa firmou parceria com uma agência em Berlim, a Visable e, tem feito desfiles por todo o país.

DMA – Kica por Kica:
KC – Vamos lá: nasci no dia 11 de março de 1977. Agora em 2011 vou completar 34 anos. Sou de São Caetano do Sul, grande ABC de São Paulo. Sou graduada em comunicação social com ênfase em publicidade e propaganda e pós graduada em fotografia. Sou bem tranqüila, e não gosto de ver injustiça. Quando estou certa, luto pelo que acho justo. Não mando recado, falo o que penso e quando não gosto não sei disfarça. Quando estou no trabalho, me foco nos objetivos. Sou caseira e amo a minha família. Amo ficar em casa com eles e amigos. Sempre morei em São Paulo. No futuro quero ir para o interior, de São Paulo mesmo, para ter ar puro e tranqüilidade. Sair do caos na aposentadoria é um dos meus objetivos. Gostaria de viver até uns 100 anos para acompanhar toda uma evolução da humanidade que esta por vir. Só espero que o preconceito não demore muito para acabar. Essa com certeza vai ser a grande evolução da humanidade.
DMA – Defina seu trabalho para nossos leitores…
KC – Sou fotógrafa e tenho uma agência de modelos para pessoas com alguma deficiência. Em 2003 fazia fotos para resgate da auto estima, hoje estamos profissionalizando os agenciados para esse mercado.
DMA – Beleza para as lentes de Kica de Castro é…
KC - Ser o mais natural possível. Não gosto e nem uso photoshop nas fotos de meus modelos. Tenho o maior orgulho quando recebo um elogio falando da beleza das modelos, pois sei que estão sendo reconhecidas pela beleza real e não por um padrão que a sociedade impõe por computação gráfica. Um padrão que só existe virtualmente.
DMA – Como foi o processo até você iniciar a arte da fotografia focando PcD?
KC – Durante alguns anos atuei com publicitária. Entre 1995 a 2000. No ano de 2ooo, após a minha formatura resolvi investir no que até então era apenas uma paixão, fotografias. Comecei fazendo registros sociais (casamentos, batizados, aniversários, books …) e corporativos. No ano de 2002 recebi o convite para ser chefe do setor de fotografias de um centro de reabilitação para pessoas com alguma deficiência física. Literalmente caí de pára-quedas. Os três primeiros meses foram os mais complicados, não tinha experiência e nem alguém para orientação. Aprendi ali no dia a dia, estudando termos científicos e perguntando ao corpo clinico e terapeutas. No inicio o foco eram só fotos com caráter cientifico, para prontuário medico e artigos científicos. Fotos de frente, costa e as duas laterais, ao lado uma placa com o número do prontuário. Os pacientes não gostavam, afinal além de remeter para fotos de “presidiários” era muito invasivo na privacidade, uma vez que as fotos eram na grande maioria apenas com peças intimas focando a deficiência. Para o corpo clinico esse registro é muito importante, mas não ajudava nada na auto-estima. No ano de 2003 resolvi resgatar essa auto-estima com fotos. Levei para o setor acessórios: bijuterias, espelho, maquiagem, pente, gel… transformei aquele setor em um estúdio fotográfico. O gelo foi quebrado e os pacientes ficavam mais soltos. Eles começaram e me procurar de forma particular para fazer book, no qual eu cobrava apenas o preço de custo. Motivados com o book, questionaram sobre oportunidades no mercado de trabalho como modelos. Incentivei a procurarem as agências de modelos. Para a minha surpresa, ou melhor, não foi nenhuma surpresa, todas as respostas eram negativas e desmotivadoras … “não temos nada para o seu perfil, creio que não existe mercado para pessoas com esse perfil”… Fiquei chocada com o preconceito. Comecei uma pesquisa e muitos resultados achei na Europa. Alemanha concurso de beleza, “A mais bela cadeirante”. Não é totalmente inclusivo, afinal cadê as demais patologias e o sexo oposto, mais já era um começo. Na França e Inglaterra, reality show, estilo BBB e No Limite, só com pessoas que tenham algum tipo de deficiência, bem mais inclusivo, mais ainda faltavam as pessoas sem deficiência para a interação. Motivada com esses resultados e a empolgação das meninas , em 2007 resolvi sair do centro de reabilitação e abri uma agência de modelos só para pessoas com alguma deficiência, considerada até hoje a única do Brasil. Desde então, começamos a ter mais oportunidades dentro desse mercado de trabalho, pessoas com deficiência sendo reconhecidas pela sua beleza e sensualidade e se é para falar de inclusão, que seja num todo. E a beleza faz parte da inclusão, não pode ficar de fora.

DMA – Hoje sua agência é a única no Brasil com esse foco. Como sua proposta tem sido recebida pelo mercado?
KC – No começo o preconceito foi muito grande, mas hoje conseguimos provar com as fotos e profissionalismo que as modelos da agência não deixam a desejar para nenhuma das modelos ditas normais. E que existe beleza na diversidade. Tem uma frase do Dr. Ivo Pitanguy e acho que ela resume bem a nossa proposta: “ a beleza não sei definir, mas a reconheço quando vejo”.
DMA – Como é o processo de seleção dos seus modelos? Quais os quesitos para compor seu casting?
KC - Não são diferentes dos convencionais, de uma agência para pessoa sem deficiência. A pessoa com deficiência precisa estar qualificada para esse mercado: curso de postura, expressão corporal, etiqueta, auto maquiagem … Tenho esses profissionais que são parceiros da agência para qualificar. É obrigatório a pessoa ter o estudo de acordo com a idade. No mínimo a pessoa tem que chegar ao 2 grau. Estudar é fundamental para entrar na agência. Cuidados com a saúde e alimentação. A pessoa tem que ser vaidosa, ter uma atividade física, cuidar do corpo é muito importante. O esporte além de ajudar o físico ajuda o mental. Dentro da agência existem as classificações: modelo de passarela, modelo fotográfico, promotoras de evento … Dentro dessas classificações a pessoa precisa fazer o curso para entrar no mercado. Quando o candidato entra na agência, existem regras a serem cumpridas: beber com moderação, de preferência não fumar, se fumar ter um dentista para futuras clareações … Cortar o cabelo e tatuagem tem que ser avisado antes, para poder tirar as fotos de circulação antes de fazer esse processo. Isso é importante ressaltar, afinal se o cliente aprova o perfil por foto e mandei a mesma com uma determinada aparência física, não posso mandar para um teste o oposto do que foi aprovado por foto.
DMA – O que considera como a maior dificuldade para inserção desses modelos no mercado de trabalho atual?
KC - Ainda enfrentamos muito o preconceito. Existem no Brasil cerca de 30 milhões de pessoas com alguma deficiência e o mercado ainda não vê essas pessoas como consumidores.
DMA – Você, como fotógrafa, consegue viver só do retorno financeiro da agência?
KC - Infelizmente não. Faço muitos eventos sociais e corporativos, minha demanda são casamentos e corporativos, também os book de modelos sem deficiência.

DMA - E um modelo com deficiência, consegue manter-se só como modelo no mercado atual?
KC - Tenho pouquíssimos casos de modelos que vivem tão exclusivamente desse mercado. Por isso que incentivo a pessoa a ter outra profissão. Ainda tenho que trabalhar com modelos free lancer “um bico”, mas isso está mudando aos poucos. A questão da beleza e sensualidade da pessoa com deficiência não tinha sido explorada antes do surgimento da agência e, como de uma certa forma a agência é recente, os resultados não aparecem imediatamente. Mesmo com pouco tempo, temos resultados bem gratificantes, como alguns desfiles inclusivos (pessoas com e sem deficiência) na mesma passarela. Alguns desfiles de moda inclusiva, que são roupas adaptadas.
DMA – Em trabalhos realizados, inserindo os modelos de seu casting, você percebe inclusão total e de fato? Há realmente igualdade nas oportunidades – cachê, visibilidade, exposição de nome do modelo e agência, acessibilidade nas instalações?
KC- Faltam muitas coisas para conquistar nas questões de acessibilidade, buracos nas ruas, falta de rampas … As oportunidades ainda não são de igual para igual. A quantidade de modelos com deficiência na passarela não é na mesma proporção que modelos sem deficiência. A porcentagem é bem menor. Na maioria, temos nos desfiles inclusivos entre dois e um modelo com deficiência no meio de 30 sem deficiência. Mas isso está mudando. Algumas mídias não valorizam o modelo com deficiência e sim, a patologia. Muito comum ver: Foi realizado um desfile com pessoas com necessidades especiais … ou ainda … desfile de portadores de deficiência. Primeiro que essas terminologias não são corretas. O correto é usar o termo “Pessoas com deficiência” (PcD). Muito raro ver o nome desses modelos na mídia. Um exemplo: em um desfile recente, foi publicado o nome do artista e a patologia do modelo. O ator “X” na passarela com a menina cega. Achei isso um absurdo! Mesmo por que o evento teve a preocupação de chamar o modelo com deficiência à passarela pelo nome e tinha um telão onde constava o nome do mesmo por escrito. Achei isso um tremendo pouco caso e falta da valorização da pessoa com deficiência como profissional. Existem pessoas que organizam eventos valorizando o assistencialismo e não pelo profissionalismo. Pegam a pessoa com deficiência e colocam na passarela, isso é errado. A pessoa com deficiência quer igualdade e respeito, ser reconhecida pelo seu talento e para isso eles correm atrás das oportunidades. Isso eu cobro: objetividade, determinação e organização.
DMA – Existe uma linha muito tênue entre inclusão de fato e ação de marketing para divulgação de uma marca ou, puro assistencialismo. É possível definir no decorrer de uma negociação se o trabalho contratado está realmente focando numa inclusão real e total? Qual é sua postura em relação a isso?
KC – Não podemos negar que muitas das oportunidades surgem com campanhas sociais e de “responsabilidade social”. Nossa única preocupação é fazer uma campanha que não seja voltada para vulgaridade e que de fato valorize a pessoa com deficiência como ser humano e profissional.

DMA – Fotografia e auto estima, qual a relação?
KC – Mesmo que seja para um registro pessoal, a pessoa tem todo um cuidado, um contato maior com a sua vaidade, estar bem vestido, penteado e maquiado. Ter esses minutos de vaidade antes da foto, faz a pessoa de sentir bem, mais confiante e bonita. Após ver o resultado do registro fotográfico, a pessoa fica feliz. E a felicidade reflete na beleza. A melhor maquiagem que o ser humano pode ter é o sorriso, ele transforma o físico, emite um brilho no olhar que reflete na pele… isso aumenta a estima.
DMA - Quais as técnicas e inspiração usadas num trabalho tão diferenciado e que faz você se destacar?
KC – As técnicas fotográficas são as mesmas utilizadas por outros fotógrafos. Simplesmente retrato as pessoas como elas são. Nos books a maquiagem é a mais natural possível, procuro um figurino adequado para cada perfil e uso os aparelhos ortopédicos (muletas, cadeira de rodas, próteses, bengalas…) como acessórios de moda. Exploro ângulos e poses.
DMA – Que momento de sua trajetória você eternizaria (ou eternizou) em uma fotografia?
KC – Na história da humanidade, a evolução é algo que existe de fato. Em todos os requisitos: tecnologia, medicina e claro a beleza. Estou eternizando justamente essa parte da história – a pessoa com deficiência sendo referência de beleza e sensualidade.
DMA – Claro que antes de entrevistar uma pessoa especial, procuramos saber mais sobre ela… (rsrs) Pode apresentar a Malu para nossos leitores?
KC – A Malu vai comigo para tudo que é canto, sempre estou com ela. Uma companheira fiel, digamos que minha filha mesmo (rs). Quando gostamos de alguma coisa, damos nome, eu pelo menos sou assim, dou nome para tudo que gosto. Sendo assim, a minha câmera fotográfica recebeu o nome de Malu (rs). Não deixo ninguém “nem respirar” perto dela, não vendo, não empresto … Só eu a uso. Nem adianta insistir!
DMA – O céu é o limite? Qual é o céu da Kica? Onde ela quer chegar?
KC – Quero a galáxia (rs). Um dos meus objetivos e conseguir a capa da Playboy. Ver uma das meninas sendo ali retratada, não necessariamente eu como fotógrafa. Se isso acontecer de fato a palavra inclusão vai ter o seu sentido mais amplo.
DMA – Planos para o futuro, pode compartilhar conosco?
KC – Estou com um projeto bem bacana com uma amiga de Goiânia, a Rafaela. Mais todos vão ter que esperar um pouquinho (rs).
DMA – Algo que não perguntamos e que gostaria de falar?
KC – Tive a oportunidade com essas perguntas de expor todos os meus pensamentos e objetivos. Grata pela oportunidade. E vamos que vamos!

Eu, Lu, Editora do Blog, amante de uma moda que comporta todo o exposto acima, fiquei extremamente feliz pela oportunidade de entrevistar a Kica. Esse já era um desejo desde esta matéria aqui. Suas respostas nos fazem acreditar numa sociedade mais humana, profunda, nos fazem ver a beleza como ela deve ser vista: sem paradigmas , preconceitos, formatos prévios ou padrões estabelecidos que tendem a nos tornar limitados, equivocados…
Quero encerrar a matéria com a frase mencionada por Kica do Dr. Ivo Pitanguy : “A beleza não sei definir, mas a reconheço quando vejo” . Veja o belo com as bases da inclusão – além dos olhos, com o compartilhar permitido pela descrição de imagens atentando para detalhes, com o coração voltado para entender outras realidades, com os ouvidos, com os aromas. Vamos exercitar mais nossos sentidos! Sair do superficialidade que os padrões ditados nos condicionam… E se isso ainda for pouco (o que não acredito) vamos cumprir leis, tornando a sociedade mais justa, inclusiva, acessível e melhor para se viver.

Kica de Castro
Site: http://kicadecastro.blogspot.com/
E-mail: kicadecastro@gmail.com
Telefone: + 55 11 8131-0154 
(Encontrado em http://duasmodaearte.wordpress.com/2011/01/13/kica-de-castro-saiba-como-funcionaagencia-de-modelos-focada-na-moda-inclusiva/)

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