quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

CONTANDO A VIDA 20

Escritor de mão cheia, hoje o Professor Sebe nos conta como começou seu romance com as palavras, ainda na infância. O Renato Teixeira para o qual a crônica é dedicada é o grande músico, autor de clássicos da MPB, como Romaria. Ele e o Sebe cresceram juntos na lobatiana Taubaté.

ESCREVER, ESCREVER E RESPIRAR...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Para Renato Teixeira.

Dia desses me chamaram de “escritor”. É verdade que isso aconteceu outras vezes, mas dessa feita era um jovem de seus 15 anos. Fiquei tocado. “Escritor”... E me pus a pensar quando me defini pela escrita. Afundei lembranças e cheguei a um céu interior: foi no colégio interno, quando estudava no São Joaquim, em Lorena e devia ter meus 13 anos. Durante três longos anos padeci um internato. Entendo meus pais preocupados com o andamento de um filho tão difícil como eu fui. Além de tudo, minhas intermináveis argumentações sobre qualquer assunto e sobre todos lhes seriam de árduo manejo. A saída era mesmo a reclusão, onde poderia ter boa formação escolar. É complicado falar sobre esse momento de minha vida. Em meus “verdes anos” estava afastado do convívio familiar, longe dos amigos e inscrito em uma circunstância inaceitável para um menino rebelde. Mas, restavam-me as cartas e um diário louco, onde me extravasava. Escrevia muito. Demais. Diria que as cartas tinham a função de me conectar com o mundo e o diário de permitir um mergulho em mar interior. Para o meu amigo Luis Fernando Negrini eu escrevia muito. Eram missivas longas, derramadas de saudade do espaço supostamente gostoso da minha juventude taubateana. Ele, pacientemente, respondia e provocava evocações de utopias roubadas de meu convívio. Aprendi muito escrevendo cartas. Sobretudo, notei que escrever me acalmava, tornando-me um ser mais suportável. Escrevia tanto, mas tanto, que comecei a vivenciar um planeta pessoal mais tolerável. Aos poucos, de um jeito algo mágico, as palavras me possuíam, oxigenavam minha solidão de adolescente recluso, ajudavam a compor um jeito de ver que se entesourava em mistérios possíveis, em lendas excitantes, enredos enigmáticos. Lia muito também. Devorava livros sobre histórias de santos e mártires, aventuras indizíveis de heróis e figuras notáveis, visionários. É verdade que a biblioteca do São Joaquim era dirigida e blindada de tudo que não fosse catolicamente canônico. Mesmo nesse contexto descobri um mundo maravilhoso, cheio de anjos que ajudavam, de beatos que salvavam, de ladainhas métricas, ressonantes, lindas, e até de demônios fascinantes.

Depois do colégio interno, abriu-se outro momento definidor de minha vocação pela escrita. Renato Teixeira tinha um programa na Rádio Difusora de Taubaté. Sim, às 6h00 da manhã, diariamente, ele bradava um delicioso “bom dia Taubaté”. Eu, atrevido, escrevia crônicas que ele lia e relia. Eram dizeres sutis, imaturos certamente, mas recados para as possíveis namoradas, fazeres metidos a poéticos, receitas de vivência. Sobretudo, lembro-me do ardor com que produzia. O simples ato de me sentar, pegar o lápis (sim, escrevia à lápis e depois passava em um caderno de capa dura que guardo até hoje), escolher palavras me transformava em senhor. No meu feudo, soberano, decidia o rumo dos assuntos, domava minhas inquietudes e emendava meu coração fracionado em sonhos e amores não satisfeitos. Mais tarde vieram os certames no “Monteiro Lobato” e eu sempre me aventurava em poemetos, histórias curtas, comentários sociais. E ganhei alguns prêmios que me foram significativos. Preside algo de engraçado nisso tudo: eu era bom aluno, mas me sentia melhor como escritor alternativo. Tive um poema publicado no antigo “Diário de São Paulo” e isso me valeu como passaporte para pretensão de escritor. Emocionado, sempre declamo para mim mesmo aqueles versos ridículos que versavam sobre uma borboleta morta por um mau menino...

Confesso que minha disposição autoral sempre foi muito particular. Mostrava meus rabiscos para alguns amigos, mas não gostava de críticas. Talvez por ainda não estar satisfeito com o que fazia, achava que “meus leitores” não compreendiam o significado da sagração de minhas palavras. Eu mesmo evitava ler imediatamente o que produzia e justifico isso pela certeza de que havia mais busca do que encontro, como até hoje acontece. É relevante lembrar que não foi na escola – em qualquer nível – que aprendi a escrever. Foi na vida, voltado para o mundo, numa busca desesperada de entender o que se passava, que me dediquei a ser “eu caçador de mim” como diz a canção. Hoje não sei viver sem a escrita. Preciso dela. Não passo dia sequer sem alimentar meu interior que se esfomeia de palavras. Escrever é minha pedra de Sísifo, é meu maná no deserto, é meu ar. Escrever, escrever e respirar...

2 comentários:

  1. Sou cada vez mais fám deste homem ...a sencibilidade a flor da pele .....sabe Roberto eu tambem me casei com este blog ..ho ho ho
    Miguel J. Naufel

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  2. A escrita do professor Sebe e cheia de saber e sabor!

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