Hoje, o professor José Carlos Sebe nos fala da influência dos descendentes dos “árabes” na música popular brasileira. De família libanesa, o professor nos conta sobre sucessos sambistas em um texto que prima pela arqueologia musical.
TURCO DÁ SAMBA
José Carlos Sebe Bom Meihy
Entre muitas lendas urbanas referentes aos árabes no Rio de Janeiro há uma que me faz rir. Dizem que uma freirinha ao arrecadar prendas para uma rifa, passava em frente da loja do pai do compositor Jorge Faraj, e teria dito a uma acompanhante: aí não adianta entrar, porque turco na dá nada. Ouvindo tal comentário, irritado, o pai do músico rebateu: dá sim, dá samba pra brasileiro. Se é verdade ou não, não há como saber, mas é legítimo que está ficando difícil pensar a música popular brasileira sem os letristas, músicos e cantores de origem árabe. E são tantos que isso passa a ser tema de questões ligadas à identidade árabe-brasileira. Vamos começar pelo próprio Faraj que garantiu sucessos de Francisco Alves, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo e Sílvio Caldas. Quem não se lembra de Caetano Veloso cantando “A deusa da minha rua”? (“A deusa da minha rua/tem os olhos onde a lua/costuma se embriagar...”).
Mas, os árabes na música popular brasileira começaram a ter realce na década de 1930 e o primeiro destaque foi Deo, na verdade, chamado Ferjalla Rizkalla, que, sendo locutor da Rádio Record (“A maior”), teve que buscar um novo nome decidido por concurso, fato que de certa forma o legitimou como o primeiro “libanês da música brasileira”. De verdade, Deo ficou conhecido pelos sambas-canção que cresceram com o sucesso dos grandes intérpretes de então. Suas músicas mais afamadas são: “Fui traído”, “Mensageira do amor” e “Na fogueira dos teus olhos”. Além de letrista, radialista e cantor, Deo se notabilizou por ser conhecido, como diz o “Dicionário Cravo Alvim de Musica Popular Brasileira”, como o “ditador de sucesso” e isso porque as músicas que escolhia ganhavam as paradas. E, como não concordar com isso quando se sabe que dele era “Onde está a honestidade?”.
Na atualidade, vale mencionar João Bosco, que não oculta sua tradição ao assinar sucessos como “Jade” e “Califado de Quimeras”. Mas, há outros territórios apossados pelo conhecido “libanês de Minas”, principalmente os firmados na parceria com Aldir Blanc, alguns eternizados na voz de Elis Regina, como “Mestre-sala dos mares”, “Dois pra lá, dois pra cá” e – talvez uma das dez melhores músicas feitas no Brasil recente – “O Bêbado e o equilibrista”. Nem vale pensar que a ação musical de João Bosco se limita a ele apenas. Não. Atualmente, seu filho, Francisco Bosco, se apresenta como uma das melhores promessas do futuro.
Há um “árabe” que faz esta lista brilhar: Waly Salomão. Curiosamente, tudo indica que a discrição absoluta dessa figura apenas ganha contraste com o reconhecimento de dois baianos que lhe dão relevo: Maria Bethânia e Gilberto Gil. Bethânia, nesse sentido, é ousada, pois nomeou alguns de seus mais importantes álbuns com músicas dele (“Mel”, “Talismã”, “Olho d'água”, “Alteza”). Gil, ministro, pouco antes da morte precoce e recente do colega músico e poeta, o chamou para trabalhar em Brasília.
E pensa que acabou? Como não mencionar Antonio Nassara que, apesar de ser reputado como cartunista, foi parceiro de Noel Rosa e de Araci de Almeida, mas que, certamente, é mais conhecido pelo “Mundo de Zinco” (“aquele mundo de zinco que é Mangueira /acorda com o apito do trem”) e pela marchinha de carnaval “A-la-la-ô”.
Tito Madi não pode ficar de fora desta quase ladainha. Lembrem-se, por exemplo, de “Chove lá fora”, “Não Diga Não”, “Cansei de Ilusões”, “Fracassos de Amor” e da conhecida “Balanço Zona Sul”. De Davi Nasser não preciso falar muito, basta evocar a voz de Gal Costa no “Canta Brasil”: (“Brasil minha voz enternecida/Já dourou os teus brasões/Na expressão mais comovida/Das mais ardentes das canções...”). Dele também são: “Nega do cabelo duro” e o trágico sucesso da dor de cotovelo “Atiraste uma pedra” que compôs com Herivelto Martins.
Este panteão ficaria pobre se além deste rol não mencionasse alguns interpretes que enriquecem nosso mundo artístico. Lógico, que não podemos esquecer cantores que, como Leyla e Ivon Cury, Sergio Ricardo, Agnaldo Rayol e Wanderleia, figuras que estão aí para garantir o título desta crônica: turco dá samba. Garanto que dá.
TURCO DÁ SAMBA
José Carlos Sebe Bom Meihy
Entre muitas lendas urbanas referentes aos árabes no Rio de Janeiro há uma que me faz rir. Dizem que uma freirinha ao arrecadar prendas para uma rifa, passava em frente da loja do pai do compositor Jorge Faraj, e teria dito a uma acompanhante: aí não adianta entrar, porque turco na dá nada. Ouvindo tal comentário, irritado, o pai do músico rebateu: dá sim, dá samba pra brasileiro. Se é verdade ou não, não há como saber, mas é legítimo que está ficando difícil pensar a música popular brasileira sem os letristas, músicos e cantores de origem árabe. E são tantos que isso passa a ser tema de questões ligadas à identidade árabe-brasileira. Vamos começar pelo próprio Faraj que garantiu sucessos de Francisco Alves, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo e Sílvio Caldas. Quem não se lembra de Caetano Veloso cantando “A deusa da minha rua”? (“A deusa da minha rua/tem os olhos onde a lua/costuma se embriagar...”).
Mas, os árabes na música popular brasileira começaram a ter realce na década de 1930 e o primeiro destaque foi Deo, na verdade, chamado Ferjalla Rizkalla, que, sendo locutor da Rádio Record (“A maior”), teve que buscar um novo nome decidido por concurso, fato que de certa forma o legitimou como o primeiro “libanês da música brasileira”. De verdade, Deo ficou conhecido pelos sambas-canção que cresceram com o sucesso dos grandes intérpretes de então. Suas músicas mais afamadas são: “Fui traído”, “Mensageira do amor” e “Na fogueira dos teus olhos”. Além de letrista, radialista e cantor, Deo se notabilizou por ser conhecido, como diz o “Dicionário Cravo Alvim de Musica Popular Brasileira”, como o “ditador de sucesso” e isso porque as músicas que escolhia ganhavam as paradas. E, como não concordar com isso quando se sabe que dele era “Onde está a honestidade?”.
Na atualidade, vale mencionar João Bosco, que não oculta sua tradição ao assinar sucessos como “Jade” e “Califado de Quimeras”. Mas, há outros territórios apossados pelo conhecido “libanês de Minas”, principalmente os firmados na parceria com Aldir Blanc, alguns eternizados na voz de Elis Regina, como “Mestre-sala dos mares”, “Dois pra lá, dois pra cá” e – talvez uma das dez melhores músicas feitas no Brasil recente – “O Bêbado e o equilibrista”. Nem vale pensar que a ação musical de João Bosco se limita a ele apenas. Não. Atualmente, seu filho, Francisco Bosco, se apresenta como uma das melhores promessas do futuro.
Há um “árabe” que faz esta lista brilhar: Waly Salomão. Curiosamente, tudo indica que a discrição absoluta dessa figura apenas ganha contraste com o reconhecimento de dois baianos que lhe dão relevo: Maria Bethânia e Gilberto Gil. Bethânia, nesse sentido, é ousada, pois nomeou alguns de seus mais importantes álbuns com músicas dele (“Mel”, “Talismã”, “Olho d'água”, “Alteza”). Gil, ministro, pouco antes da morte precoce e recente do colega músico e poeta, o chamou para trabalhar em Brasília.
E pensa que acabou? Como não mencionar Antonio Nassara que, apesar de ser reputado como cartunista, foi parceiro de Noel Rosa e de Araci de Almeida, mas que, certamente, é mais conhecido pelo “Mundo de Zinco” (“aquele mundo de zinco que é Mangueira /acorda com o apito do trem”) e pela marchinha de carnaval “A-la-la-ô”.
Tito Madi não pode ficar de fora desta quase ladainha. Lembrem-se, por exemplo, de “Chove lá fora”, “Não Diga Não”, “Cansei de Ilusões”, “Fracassos de Amor” e da conhecida “Balanço Zona Sul”. De Davi Nasser não preciso falar muito, basta evocar a voz de Gal Costa no “Canta Brasil”: (“Brasil minha voz enternecida/Já dourou os teus brasões/Na expressão mais comovida/Das mais ardentes das canções...”). Dele também são: “Nega do cabelo duro” e o trágico sucesso da dor de cotovelo “Atiraste uma pedra” que compôs com Herivelto Martins.
Este panteão ficaria pobre se além deste rol não mencionasse alguns interpretes que enriquecem nosso mundo artístico. Lógico, que não podemos esquecer cantores que, como Leyla e Ivon Cury, Sergio Ricardo, Agnaldo Rayol e Wanderleia, figuras que estão aí para garantir o título desta crônica: turco dá samba. Garanto que dá.
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