Embora esteja curtindo meu mergulho nos filmes de suspense e policiais antigos, senti-me um pouco asfixiado com tantas produções norte-americanas e inglesas. Preciso respirar ares culturais variados, senão tenho a impressão de estar perdendo algo que me é deveras valioso. Por isso, decidi ver Niwemang (2007), do diretor iraniano Bahman Ghobadi. No Brasil, o filme recebeu o nome Antes da Lua Cheia.
Como diversos outros filmes iranianos, este também apresenta personagens numa odisséia em busca de algo. Após anos proibida, a queda de Saddam Hussein permite que a música do subjugado Kurdistão possa ser executada novamente. O velho Mamo, importante músico kurdo, ensaiou a volta aos palcos de sua terra natal durante 7 meses. De posse de uma permissão para tocar no Kurdistão, o ancião parte em um ônibus com seus mais de 10 filhos, todos músicos. O que parecia ser uma simples viagem de despedida do veterano músico, prova ser uma peregrinação em meio a cenários deslumbrantes, com trilha sonora de primeira, mas atormentada por barreiras policiais, rajadas de bala norte-americanas, soldados brutais e nada cooperativos. Turcos, iranianos, iraquianos, norte-americanos; todos tentando asfixiar ou brutalizar a etnia kurda. Essa parece ser uma das metáforas propostas pelo diretor.
Em meio à má vontade quase generalizada para com eles e a certos elementos místicos da narrativa, as personagens estão salpicadas por índices da alta tecnologia. Viajando em um ônibus escolar emprestado, possuem câmera, laptop e celular (deu inveja do celular funcionando no meio do nada, ao passo que minha operadora teima em me deixar sem sinal dentro de minha própria cozinha!). Esses elementos, porém, vão sumindo ou provando ineficazes, perante o atraso mental provocado pelo preconceito, rixas étnicas, guerra e obscurantismo.
Nos 20 minutos finais, a narrativa mística/metafórica assume o comando. É quando aparece a jovem cantora que promete levar Mamo ao palco de qualquer modo. Seu nome é Meia Lua, tradução do título do filme. Meia Lua talvez seja o “espírito” kurdo, que se recusa a desaparecer, mesmo sob tanta opressão. Entretanto, o desfecho insiste em indicar que Bahman Ghobadi também não acredita que um anjo ou espírito consiga ter tanto poder em uma situação criada pelo próprio ser humano. Mamo, de algum modo, chega ao show, mas Meia Lua não tem o poder mágico absoluto de fazer com que seja da maneira como gostaríamos que fosse.
Niwemang traz pelo menos uma cena inesquecível. Vital para o show, Mamo precisa encontrar uma cantora, mas há outro grande obstáculo aí: as mulheres são proibidas de se apresentarem em público. Em busca de uma pra ser literalmente contrabandeada sob o assoalho do ônibus, a trupe chega a uma aldeia onde residem mais de 1300 cantoras kurdas exiladas por Saddam. A imagem das mulheres sobre os telhados das casas de pedra, vestidas com burkas multicoloridas, cantando como se fora em uma só voz e tocando instrumentos de percussão é um daqueles achados cênicos que entorpecem a gente, de tão lindo.
E, lógico, não dá pra deixar de mencionar Ismail Ghaffari, que interpreta Mamo. As expressões faciais e o olhar do ator quase permitem que a gente nem precise entender o que diz pra saber o que está se passando.
Se a tecnologia e o sobrenatural não dão conta de resolver as tragédias que nossa própria espécie desencadeia, o diretor não cai no idealismo idiota de dizer que a música (a arte) por si só nos unirá. Em Niwemang a música tem fronteiras, sim senhor. É poderosa e tem poder de penetração. Mas, precisa de uma forcinha e da boa vontade dos homens, que, em última instância, são seus produtores também.
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