domingo, 20 de março de 2011

DESUNIÃO EUROPÉIA

Domingo passado, postei sobre a adorável comédia romântica francesa Você É Tão Bonito, que flerta com o tema da imigração entre a Europa rica e a pobre, aquela da rasgada cortina de ferro comunista. Ontem, vi Rezervni Deli (2003), o outro lado do Euro. Escrito e dirigido pelo esloveno Damjan Kozole, o filme tem como tema central a imigração ilegal de cidadãos balcânicos para a Europa. Croatas, macedônios e albaneses pagam caro para serem transportados como lixo até a fronteira italiana, onde correm o risco de serem mortos para terem os órgãos vendidos para transplantes. A esfacelada Iugoslávia e os demais países da região sequer são nomeados como Europa na triste narrativa. Ao chegarem à fronteira, os contrabandistas de seres humanos informam aos imigrantes que à frente está a Europa.   
Rezervni Deli traduz-se em inglês como Spare Parts (peças sobressalentes) e o roteiro é estruturado no sentido de mostrar que a descartabilidade é a força motriz de todas as relações humanas. Ninguém é importante ou insubstituível e as ações das personagens são regidas por um niilismo originado da necessidade de sobrevivência a qualquer custo em um ambiente onde as pessoas (re)agem como resposta ao inóspito meio social. Perdidas em um desolado ambiente de estagnação econômica, imigrantes e contrabandistas têm zero chance de intervir como agentes modificadores, ainda que por vezes apresentem rasgos de sentimento de culpa ou bondade. Títeres que necessitam aprender do modo mais duro possível a asfixiar as emoções.  
Ludvik é um ex-campeão de motociclismo que na meia-idade é apenas parte inferior da cadeia do tráfico humano interfronteiras. Vive em uma cinzenta cidade aos pés de uma usina nuclear, responsável pelas altas taxas locais de câncer, o qual matou sua esposa ainda jovem e sequer poupou Ludvik, que crê ter se curado submetendo-se a um tratamento que consiste em beber sua própria urina todas as manhãs. Rudi é mais um na linha sucessiva/sucessória de seus ajudantes, que no princípio incomoda-se com a situação, mas logo aprende como são as coisas.
É pela ótica dessas duas personagens que somos inseridos nesse mundo de efêmeros campeões, relações “amorosoas” baseadas no puro instinto sexual e de imigrantes que se prostituem por antibióticos e pizza e afundam as mãos em arame farpado para tentar galgar o sonho de “fazer a Europa”, continente esfacelado por rancores étnicos que o filme não esconde.
Ainda que o roteiro não situe ninguém como vilão, dificilmente ocorrerá o processo de empatia com alguma personagem. Embora percebamos que Ludvik sofra com a perda da esposa e até ensaie ajuda a uma imigrante de origem muçulmana, sua pirotecnia flatulenta nos distancia dele, o que em certo sentido é bom, porque possibilita perceber algumas nuanças que poderiam passar despercebidas se o sentimento de piedade falasse mais alto.    
Não obstante o caráter fatalista da película – talvez devido em parte ao passado punk do diretor – Rezervni Deli traz uma europa (minúscula proposital) diversa daquela propagandeada pelas agências de viagem e páginas de turismo, mas, que, nem por isso, deixa de existir.

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